Para os que se interessam pela imprensa mineira, o dia 23 de fevereiro de 2006 ficará na história. É o dia em que um jornal concorrente informou, em manchete de capa, que o Estado de Minas, dos Diários Associados, perdeu a liderança ininterrupta de quatro décadas como o jornal mais vendido em Minas Gerais. A notícia foi dada pelo O Tempo, diário pertencente ao deputado federal Vittorio Medioli (PV-MG), imigrante italiano que fez fortuna no Brasil transportando os veículos montados pela Fiat em Betim e resolveu criar um jornal para concorrer com o Estado de Minas, que o chamara de mafioso numa série de reportagens.
Para isso, Medioli montou a Sempre Editora, que publica dois diários – O Tempo e Super Notícia – e um semanário, O Pampulha, entre outros jornais menos importantes do interior do estado. O Tempo, que tem como diretor de redação o experiente jornalista Teodomiro Braga, não informou sua circulação média diária em janeiro passado. Mas destacou o desempenho do Super Notícia, tablóide popular a cores, vendido a R$ 0,25, dirigido também por Teodomiro. Citando dados do Instituto Verificador de Circulação (IVC), afirma que o Super, como é mais conhecido, alcançou em janeiro a média paga de 79.379 exemplares, contra 69.926 do Estado de Minas.
O Super foi lançado em 2002, sem grande sucesso. Em janeiro de 2005, segundo O Tempo, a média diária de venda foi de 7.377 exemplares, contra 70.274 vendidos pelo Estado de Minas no território mineiro e mais 1.262 fora do estado. No mesmo mês, o Diário da Tarde, também dos Associados, deslanchava campanha publicitária alardeando o orgulho de ser o segundo mais vendido em Minas. Passados 12 meses, o Estado de Minas apresentou queda de quase 1%, caindo do 11º para o 13º no ranking nacional de jornais, enquanto o Diário da Tarde caía de 36º para 45º no mesmo ranking. Pior, caiu para o 5º lugar no ranking mineiro. O DT perdeu leitores para o Super e está sendo canibalizado pelo mais novo jornal dos Associados, o popular Aqui, em tablóide berliner, lançado em outubro de 2005 a R$ 0,25, metade do preço do Super, que reagiu e baixou seu preço, iniciando uma escalada de vendas.
Rotina de sempre
Em outubro, a média diária foi de 15.886 exemplares, mais do dobro de janeiro; em novembro saltou para 38.884, e em dezembro para 53.104. Em janeiro, quase 80 mil. Um crescimento de 976% em 12 meses.
Todos esses dados foram publicados pelo Tempo. Os Diários Associados (DA) não divulgaram ainda números sobre a circulação do Aqui, mas pode estar neste mais novo jornal do grupo a esperança de voltar a liderar o mercado mineiro.
A notícia mexeu com a redação do Estado de Minas, que convive há anos com o medo da decadência. Quando Assis Chateaubriand ainda vivia, foram fechados sete jornais dos Associados, incluindo o Diário da Noite, do Rio. Depois de sua morte, desapareceu o Estado da Bahia, de Salvador. O Estado de Minas, fundado em 1928 por Pedro Aleixo e dois amigos, foi comprado três anos depois por Chatô, que tinha especial carinho pelo EM.
A primeira grande ameaça surgiu em fins de 1980. O governador Newton Cardoso, brigado com a direção do jornal, que não lhe publicava o nome, fundou o Hoje em Dia, ameaçando desbancar o EM. O então diretor-geral, Camilo Teixeira da Costa, promoveu reforma no jornal sob o comando de Mauro Werkema, publicou uma série de reportagens sobre as fazendas de Newton Cardoso, que mereceu Prêmio Esso regional, e conseguiu desanimar o novo empresário de comunicação. Newton vendeu seu diário ao bispo Edir Macedo, pouco depois de deixar o governo, e o EM voltou à rotina de sempre – ou seja, voltou a ser aliado do governo de Minas, para o bem e para o mal.
Vale a torcida
O Hoje em Dia já não representava uma ameaça, e hoje parece satisfeito com o terceiro lugar no ranking mineiro, embora bem atrás dos dois primeiros colocados. O Tempo foi muito bem recebido, inicialmente, pelos que esperavam, principalmente no meio universitário e político, que Minas teria finalmente um jornal de verdade – que, aliás, era o slogan de O Tempo. Mas o jornal de Medioli – que escreve uma coluna diária de política na página 2 – não demorou a perder o respeito, quando se colocou, como reles panfleto, a serviço de uma candidatura de oposição à prefeitura de Betim. O deputado tucano queria – e conseguiu – tirar do PT o mando no município.
Portanto, embora seja um fato histórico, a queda da liderança do Estado de Minas pouco significará, em termos de mudanças para melhor, no jornalismo mineiro. Super é um jornal voltado para as classes C e D, com muito futebol e mulher bonita, sem qualquer compromisso com a informação de qualidade e, muito menos, com a formação da cidadania. Não serve, sequer, para criar empregos para jornalistas, pois vive das sobras da produção dos repórteres de O Tempo. O único motivo de esperança é que, com menos de quatro anos de vida, ele não tem ainda os vícios criados e alimentados ao longo de 77 anos pelo Estado de Minas.
Vale torcer para que o Super Notícia se transforme numa boa surpresa no cenário modorrento da imprensa mineira.
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Jornalista