Uma consulta ao site da Justiça Federal do Pará revela que Romulo Maiorana Júnior responde a 11 ações, 10 delas de execução fiscal e uma em ‘medidas investigatórias sobre organizações criminosas’. São processos datados de 1994, 1999, 2001, 2004, 2005, 2008 e 2010. Em todos, uma característica: a protelação na tramitação dessas cobranças de impostos não pagos pelo réu.
Minha primeira matéria sobre o projeto dos irmãos Maiorana na Sudam foi publicada na edição 283 deste jornal, da 1ª quinzena de maio de 2002. Saiu com destaque, na primeira página. Ninguém a contestou nem tentou impedir a publicação de informações, todas checadas e baseadas em documentos oficiais, que também constavam dos procedimentos instaurados pela Receita Federal e o Ministério Público Federal. Reproduzo a seguir a matéria, que faz a primeira abordagem em profundidade do tema. (Lúcio Flávio Pinto)
Em abril de 2000, dois técnicos da hoje extinta Sudam – a economista Emira Ferreira Neves e o engenheiro civil Ronaldo Augusto Pamplona – atestaram que um projeto incentivado pela Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia havia sido vítima de um acidente fatal: um forte vendaval destruíra todas as instalações civis até então levantadas pela Tropical Indústria Alimentícia S/A. Numa fração de tempo a ventania arrastou 3,3 milhões de investimento realizados durante os quatro anos anteriores graças aos incentivos fiscais.
Nem a meteorologia e nem os órgãos competentes, públicos ou privados, registraram o fenômeno e seu conseqüente episódio. Mas não parecia haver dúvida de que as instalações da fábrica de sucos dos irmãos Romulo e Ronaldo Maiorana, no distrito industrial de Icoaraci, no município de Belém, tinham realmente vindo abaixo. A Plangec (Planejamento Geral em Engenharia Civil Ltda.), responsável pelas obras, atestou que a parte principal dos serviços já fora executada. A fábrica estava quase pronta para receber os equipamentos industriais quando o temporal provocou o desastre, terrível, mas sem qualquer assentamento em nenhuma fonte de referência.
Os fiscais da Sudam devem ter encontrado um terreno limpo. Se lá havia uma edificação industrial quase concluída e agora não restavam nem escombros, só lhes cabia atestar que os 3,3 milhões, resultantes de colaboração financeira federal, estavam mesmo perdidos. Como a ausência de data nos relatórios de execução da obra, assinados pelo sócio gerente da Plangec, Rodrigo Vasconcelos. Se os relatórios de andamento da construção estavam sem data, todos os contratos assinados até 1998, embora datados, não estavam reconhecidos.
Para comprovar que o dinheiro dos incentivos fiscais da Sudam realmente foi aplicado nas obras destruídas pelo feroz temporal, a Plangec emitiu, entre 1996 e 1997, nove novas fiscais e dois recibos em favor da Tropical, por conta de serviços que teria realizado para a empresa, no valor de R$ 4,1 milhões. Mas nesse período só declarou à Receita Federal R$ 142 mil de faturamento bruto. Das duas, uma: ou cometeu sonegação fiscal ou emitiu notas fritas, talvez a posteriori do período em que os fatos teriam ocorrido.
Contrastando a discrepância no confronto entre os documentos fornecidos pela Plangec à empresa dos irmãos Maiorana e suas declarações ao fisco, a Delegacia da Receita Federal em Belém decidiu apurar os fatos através de diligência, em 21 de dezembro de 2000. Para isso, solicitou todos os documentos da contabilidade da empresa. A empresa alegou não poder atender o pedido porque ‘grande parte da documentação fiscal referente aos anos de 1998 a 1999 foi lamentavelmente extraviada e deteriorada’. Mesmo novamente intimada a apresentar os livros com as suas contas, a Plangec se declarou impossibilitada de cumprir a solicitação. Argumentou que, por ter paralisado suas atividades, toda a sua papelada se deteriorou ou extraviou, fato só percebido muito depois, quando já não havia mais condições de reconstituí-la ou sequer publicar os avisos regulares para conhecimento público.
Os procedimentos administrativos contra a empresa prosseguem na Receita Federal, sob regime de sigilo, mas também a contratante da Plangec está tendo que se explicar sobre as irregularidades constatadas. Em julho de 2000 o Procurador Regional dos Direitos da Cidadania no Estado do Pará, Ubiratan Cazetta, determinou a instauração de procedimento administrativo para apurar as denúncias sobre a má aplicação de recursos públicos pela Tropical. Nessa época, tudo o que havia do projeto, aprovado em 1995 pela Sudam, era uma placa fincada no terreno, anunciando a implantação no local de um empreendimento incentivado pelo governo federal.
No entanto, em apenas dois anos, de novembro de 1995 a novembro de 1997, a Sudam liberou para a Tropical R$ 3,3 milhões de incentivos fiscais, que o vento supostamente destruiria de uma só lufada. O valor total do projeto era de R$ 20 milhões, metade de recursos próprios e os outros 50% de incentivos fiscais, pelo artigo 9º (o ‘projeto próprio’, no qual o investidor aplica diretamente sua dedução do imposto de renda, em geral cobrando uma taxa ‘por fora’ e estabelecendo esse compromisso através de um ‘contrato de gaveta’, para valer exclusivamente entre as partes). Deveria entrar em operação em 1998.
O procedimento administrativo do Ministério Público Federal está em fase de conclusão, mas a história tortuosa do projeto dos irmãos Maiorana jáé bem conhecida. Apesar de aprovado em tramitação acelerada, suas inconsistências eram evidentes desde a carta-consulta, protocolada em março de 1994.
Para ser enquadrado na faixa ‘a’ de prioridade, que lhe garantiu metade de todo Oe investimento na forma de incentivos fiscais, a empresa se propôs a fazer o beneficiamento de frutas regionais, como acerola, abacaxi, cupuaçu e guaraná. As declarações dos alegados fornecedores dessas frutas, porém, era evidentemente graciosa, a começar pela ressalva de que o fornecimento seria sem ‘base firme’, algumas delas feitas em papel comum, sem timbre, com as mesmas marcas dos atestados da Plangec.
A graciosidade pode ser constatada numa gôndola de supermercado: o produto que a Tropical começou a entregar neste ano é um refrigerante artificial, tipo ‘pet’ (ou tubaína), sem uma gota de fruta regional. Só agora é anunciada uma mistura de açaí com guaraná, uma iniciativa adotada às pressas para preencher lacunas e tentar evitar a apuração da verdade. Tão às pressas quanto foi a implantação do projeto a partir do ano passado, sob o impacto das investigações administrativas e judiciais do mar de lama que cobriu a Sudam, até enterrá-la de vez.
Na carta-consulta, Romulo Júnior e Ronaldo Maiorana não comprovaram suas capacidades econômico-financeiras para dar a contrapartida de recursos próprios aos incentivos fiscais e nem apresentaram no quadro de acionistas uma pessoa jurídica, sem a qual a Sudam não podia aprovar o projeto. As de Rominho, afinal apresentadas, não puderam ser aceitas: ele já as oferecera para outro projeto aprovado pela Sudam, do Hotel Rio Negro, no Amazonas. O investimento realizado até então se limitava a R$ 120 mil, gastos na compra do terreno, com área de um hectare.
Forçado a ajustar o projeto às normas, ainda assim os sócios precisaram fazer novas modificações na empresa que incorporaram à sociedade para esse fim, a Bis Participações (firma comercial que, no balanço de 1994, para um ativo total de R$ 7,5 milhões, registrava R$ 7,3 milhões de aplicações financeiras), e não nomearam os três investidores que entrariam com 43% das ações. A comprovação da capacidade de conduzir o empreendimento continuou obscura.
Tão confusa se tornou a dança dos acionistas. Feitas as adequações, os irmãos, que dividiam em metades o controle da empresa, passaram a ter participação simbólica, já que a Bis ficou com quase 98,9% do capital da Tropical. Um ano depois de aprovado o projeto, esse percentual foi reduzido para pouco menos de 69%, entrando pessoas jurídicas com imposto de renda a deduzir, cada uma com 10% (a empresa jornalística Zero Hora, de Porto Alegre, a RBS TV Florianópolis, do mesmo grupo, e o Frigorífico Industrial Monte Carmelo).
Em dezembro de 1998 a Bis sumiu da sociedade, assim como os irmãos Romulo e Ronaldo. Em seu lugar entrou a Ecca Engenharia de Construção Civil, uma firma nordestina sobre a qual não se encontrou registro na Sudam. Nem ela aparece na enxurrada de propaganda do recém-lançado refrigerante, numa campanha que seria milionária se os veículos escolhidos não pertencessem ao Sistema Romulo Maiorana (que, evidentemente, ou nada cobram ou fazem apenas escrituração contábil para cobrir a despesa) e que seria até adequada se a produção da fábrica justificasse tanto apelo a um consumidor que, ao chegar aos postos de venda, não encontra uma oferta proporcional à expectativa criada pela publicidade, provavelmente sem igual na história do lançamento em Belém de um refrigerante (totalmente artificial, aliás, contrariando o compromisso do projeto).
Onde estão os verdadeiros donos apontados no último registro de movimentação societária encontrado nos arquivos da já finada Sudam? Por que a Bis, de Ronaldo Maiorana, aparece de fato como a controladora principal da Tropical, se vendeu sua parte à desconhecida (ao menos localmente) empresa de engenharia nordestina? Ele readquiriu as ações transacionadas?
Muitas perguntas, poucas respostas. O Grupo Especial de Trabalho instituído em dezembro de 2000 pelo Ministério da Integração Nacional para apurar o ‘escândalo Sudam’, na trilha de denúncias abertas contra o ex-senador Jader Barbalho pelo também ex-senador Antonio Carlos Magalhães, enquadrou o projeto da Tropical Indústria Alimentícia entre aqueles que ‘deverão merecer nova fiscalização, em caráter de urgência, verificando principalmente a documentação original quanto a sua idoneidade, uma vez que a exigüidade de tempo não permitiu que se fizesse a circulação junto às autoridades competentes’.
Anotou a comissão que a última liberação feita pela Sudam para o projeto, em agosto de 2000, havia sido de R$ 1,3 milhão, arrematando os R$ 3,3 milhões já integralmente liberados, valor que estava contabilizado como saldo de 1998, não de 2000. A dúvida sugere que a soma final pode ser bem maior do que os R$ 3,3 milhões apontados.
Não por acaso, logo em seguida começaram, em ritmo frenético, as obras onde, desde 1998, devia estar funcionando uma indústria de sucos de frutas regionais, mas onde só havia uma placa. Como por milagre, a TV Liberal fez dezenas de inserções diárias anunciando um produto que só começaria a ser comercializado, em doses homeopáticas, dias depois. A inauguração seria em grande estilo, mas os convidados ainda teriam pouca coisa a ver num galpão só residualmente ocupado por máquinas.
Como a elucidação das muitas dúvidas em torno do projeto não virá através dos veículos monopolistas da comunicação no Pará, que só dão atenção (e pouca) a outros projetos bichados da Sudam, espera-se que o Ministério Público e a Receita Federal possam dar conta do dinheiro público enterrado. E, se possível, restituir ao erário o que tiver sido desviado ou mal aplicado. Com a publicidade que for possível.
Brasília mandou ação prosseguir
Um habeas corpus foi impetrado junto ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região em favor dos irmãos Maiorana e de João Pojucan de Moraes e Fernando Nascimento, contra o juiz Antonio Campelo, pedindo o trancamento da ação da 4ª vara. Os requerentes alegaram ‘constrangimento ilegal’ e crimes contra a liberdade individual e pessoal no processo instaurado para apurar o crime contra o sistema financeiro, que teriam praticado. O relator foi o desembargador federal Hilton Queiroz, da Quarta Turma, que recebeu os autos em 21 de janeiro de 2010. A decisão de denegar a ordem foi adotada em abril, por unanimidade, pelos integrantes da turma, e transitou em julgado em 14 de maio do ano passado, com base no seguinte acórdão:
1. O inquérito policial não é fase obrigatória da persecução penal, podendo ser dispensado caso o Ministério Público ou o ofendido já disponha de suficientes elementos para a propositura da ação penal.
2. A análise da negativa de autoria e materialidade delitivas é incompatível com o rito do habeas corpus, que não se presta a exame aprofundado da questão fática.
3. O trancamento de ação penal em sede de habeas corpus pressupõe prova cristalina e escorreita da abusividade e ilegalidade do processamento. O só fato de não restar demonstrada a atipicidade da conduta, a existência de causa extintiva da punibilidade, a ausência de prova da materialidade do crime ou, ainda, a inexistência de indícios de autoria faz com que a prática dos fundamentos e dos limites do agir dos autos sejam objeto de instrução criminal.
4. A peça inicial atende às exigências do art. 41 do Código de Processo Penal, e, não se demonstrou tivesse esta incorrido nas causas de rejeição elencadas no art. 395 do mesmo diploma legal.
5. Ordem denegada.
A seguir o relatório e o voto do desembargador federal Hilton Queiroz:
Frederico Coelho de Souza impetra habeas corpus contra ato coator do Juiz Federal da 4ª Vara da seção Judiciária do Pará, em favor dos pacientes JOÃO POJUCAN DE MORAES FILHO, RONALDO BATISTA MAIORANA, RÔMULO MAIORANA JÚNIOR e FERNANDO ARAÚJO DO NASCIMENTO. Noticia que os pacientes foram denunciados pelo crime previsto no art. 19 da Lei nº 7.492/85, em razão de, na condição de diretores e membros do Conselho de Administração da empresa TROPICAL INDÚSTRIA ALIMENTÍCIA S/A, terem fraudulentamente obtido aportes de recursos do FINAM, simulando contrapartidas privadas de capital. Alega estar havendo constrangimento ilegal porque: (1) a denúncia é nula de pleno direito porque fundamentada exclusivamente em investigação realizada pelo Ministério Público Federal; (2) há provas da ausência de materialidade dos fatos supostamente típicos narrados na denúncia; (3) inequívoco vilipêndio ao princípio da tipicidade. Afirma que, por se tratar de empréstimo e não de financiamento, não houve a subsunção dos fatos praticados pelos pacientes com o tipo penal previsto no art. 19 da Lei 7.492/86; (4) ocorrência da prescrição em virtude da necessidade de desclassificação da conduta imputada aos pacientes para o tipo do art. 2º, IV, da Lei 8.137/90; (5) A extinção da punibilidade em razão do arrependimento eficaz dos pacientes posto que, implementado o projeto, o que em última análise caracteriza ausência de tipicidade, na forma do art. 15 do Código Penal. Pede a concessão da liminar para que seja imediatamente suspensa a ação penal e, no mérito, o trancamento da ação penal nº 2008.39.00.008903-9, em trâmite no Juízo da 4ª Vara Federal da Seção Judiciária do Estado do Pará.
Sustenta, em síntese, que:
** ‘O Ministério Público Federal subtraiu inconstitucionalmente, a competência na apuração da infração penal em questão da Polícia Judiciária, uma vez que procedeu ao completo desprezo da Polícia Federal, investigação preliminar inquisitiva’ (fl. 7). Sustenta que ‘é vedada ao Ministério Público a usurpação da competência investigatória criminal pré-processual, uma vez que essa é determinada pela Constituição Federal à Polícia Judiciária e, no presente caso, revela-se absolutamente nula a denúncia fundamentada exclusivamente em investigação preliminar realizada pelo Ministério Público Federal, sem condução de tal procedimento pela Polícia Federal, sobremaneira quando tal investigação não observou o contraditório’ (fl. 12);
** A conduta imputada aos pacientes é atípica. Afirma que ‘no presente caso, não só não existe qualquer comprovação de que os pacientes tenham, de qualquer forma, praticado ato de impostura na obtenção de financiamento, com a finalidade de aplicá-lo em seu projeto econômico, como em realidade, o que indubitavelmente existe é inequívoca prova de que jamais foi cometido qualquer deslize, muito menos típico, pelos pacientes’ (fl. 14);
** ‘Nos fatos narrados pelo Ministério Público Federal, a saber, que os Pacientes teriam obtido dois empréstimos bancários junto ao BCN com o que teriam simulado a efetivação de suas contrapartidas no mencionado projeto econômico, podemos claramente observar que, por se tratar de empréstimo e não de financiamento, não houve a subsunção dos fatos praticados pelos pacientes com o tipo penal previsto no art. 19 da Lei 7.492/86, uma vez que tal artigo fala expressamente em FINANCIAMENTO e não em empréstimo’ (fls. 14/15);
** A ação penal se encontra prescrita em virtude da necessidade de desclassificação da conduta imputada aos pacientes. Sustenta que ‘a jurisprudência nacional, inclusive de Tribunal Superior, já pacificou a matéria no sentido de reconhecer que a prática de fraude com vistas a obter liberação de financiamento de fundo de investimento perante a SUDAM caracteriza, em tese, o tipo do art. 2º, IV, da Lei 8.137/90, e não, jamais, qualquer delito da Lei 7.492/86’ (fl. 19);
** ‘Se deslize tivesse havido por parte dos Pacientes, o que se admite por hipótese, suas condutas inquestionavelmente se amoldariam no que se convencionou denominar de ARREPENDIMENTO EFICAZ, posto que implementado o projeto, o que em última análise caracteriza ausência de tipicidade, na forma do art. 15 do Código Penal’ (fl. 22).
A liminar foi indeferida à fI. 1405.
Informações às fIs. 1407/1409.
Parecer ministerial pela denegação da ordem (fls. 1415/1424).
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL HILTON QUEIROZ (RELATOR):
Das informações prestadas, destaco:
‘Apresento as informações para instrução do habeas corpus acima indicado, impetrado em favor de RÔMULO MAIORANA JÚNIOR, JOÃO POJUCAN DE MORAES FILHO, FERNANDO ARAÚJO DO NASCIMENTO e RONALDO BATISTA MAIORANA, ressaltando que o faço porque o juiz titular da vara encontra-se em férias.
Inicialmente, peço vênia para registrar que o trancamento da ação penal por meio de habeas corpus é medida excepcional, como nos casos em que seja evidente a inépcia da denúncia, a negativa de autoria, quando o fato narrado não constitui crime ou, ainda, por falta de justa causa, hipóteses inocorrentes no caso.
Convém lembrar, outrossim, que o rito sumário do habeas corpus não se presta ao exame aprofundado da questão fática, a ser objeto de ampla dialética no decorrer da instrução processual.
Os pacientes foram denunciados a partir de um Procedimento Investigatório Criminal da Procuradoria da República no Estado do Pará, acusados pela prática, em tese, do crime capitulado no art. 19 da Lei nº 7.492/86.
Consta na peça acusatória, em apertada síntese, que os pacientes, na qualidade de diretores e membros do conselho de administração da sociedade TROPICAL INDÚSTRIA ALIMENTÍCIA S/A, beneficiária do sistema de financiamento da SUDAM – SUPERINTENDÊNCIA DE DESENVOLVIMENTO DA AMAZÔNIA, utilizaram-se de expedientes fraudulentos com vistas à obtenção dos aportes de recursos do FINAM – FUNDO DE INVESTIMENTO DA AMAZÔNIA, consistentes na simulação das três primeiras contrapartidas privadas de capital, respectivamente, em 05/10/1995, 07/11/1996 e 10/09/1997, sendo que, em relação à primeira conduta tida como criminosa, o delito imputado aos pacientes já se encontrava prescrito antes mesmo do oferecimento da denúncia, como reconhecido pelo próprio Ministério Público Federal, restando, em tese, puníveis, ainda, as duas últimas condutas mencionadas.
Conforme relatado na exordial acusatória, a simulação para obtenção de financiamentos, do FINAM por parte dos réus consistia na contratação de empréstimos de curtíssimo período, pelos quais, os sócios comprovavam a aplicação de recursos próprios na empresa com o único objetivo de viabilizar a liberação dos recursos do FINAM, devolvendo, ato seguinte, para a origem, os recursos que haviam obtidos por empréstimos. Dessa forma, para o MPF, os pacientes não satisfaziam o requisito da contrapartida privada para obtenção dos financiamentos, mas apenas simulavam fazê-lo, driblando, fraudulentamente, as rígidas regras do FINAM.
A denúncia descreve de forma clara e objetiva conduta definida em lei, como crime e foi instruída com elementos mínimos de prova aptos a ensejar a instauração da ação penal.
A inicial foi recebida em 25/08//2008 (f. 1488).
Os réus responderam à acusação, cumprindo o que dispõe o art. 396 do CPP (fls. 1493/1527 e 1542/1476).
A audiência de instrução e julgamento, que antes havia sido marcada para o dia 17/02/2009, foi retirada de pauta no dia 05/02/2009, diante da informação de que a testemunha arrolada pela acusação, servidor da Receita Federal, estava lotado na Delegacia da Receita Federal em Nova Iguaçu/RJ.
Foi expedida carta precatória à Seção Judiciária do Rio de Janeiro para inquirição da testemunha do MPF, já devidamente cumprida e devolvida (fls. 1884/1888).
À fl. 1893, foi designada para o dia 23/03/2010, às 14:30 horas, a audiência de instrução e julgamento, cujas intimações não foram, ainda, efetivadas.’ (fls. 1407/1409).
Isso estabelecido, passo à análise do presente writ.
Alega o impetrante que a denúncia é nula de pleno direito. Afirma que ‘o Ministério Público Federal subtraiu inconstitucionalmente, a competência na apuração da infração penal em questão da Polícia Judiciária, uma vez que procedeu ao completo desprezo da Polícia Federal, investigação preliminar inquisitiva’ (fl. 7).
Sustenta, ainda, que ‘é vedada ao Ministério Público a usurpação da competência investigatória criminal pré-processual, uma vez que essa é determinada pela Constituição Federal à Polícia Judiciária e, no presente caso, revela-se absolutamente nula a denúncia fundamentada exclusivamente em investigação preliminar realizada pelo Ministério Público Federal, sem condução de tal procedimento pela Polícia Federal, sobremaneira quando tal investigação não observou o contraditório’ (fl. 12). De logo, afasto essa alegação, considerando que o inquérito policial não é fase obrigatória da persecução penal, podendo ser dispensado caso o Ministério Público ou o ofendido já disponha de suficientes elementos para a propositura da ação penal (v. arts. 12, 27, 39, § 5º e 46, § 1º, todos do CPP).
Ademais, o inquérito policial é essencialmente inquisitivo, não havendo, assim, que se falar em nulidade em razão da ausência de contraditório.
Alega a ausência de materialidade dos fatos supostamente típicos narrados na denúncia, bem como o inequívoco vilipêndio ao princípio da tipicidade.
Afirma que no presente caso, não existe qualquer comprovação de que os pacientes tenham, de qualquer forma, praticado ato de impostura na obtenção de financiamento, com a finalidade de aplicá-lo em seu projeto econômico. Aduz, ainda, que dos fatos narrados pelo Ministério Público Federal, não houve a subsunção dos fatos praticados pelos pacientes com o tipo penal previsto no art. 19 da Lei 7.492/86, uma vez que tal artigo fala expressamente em FINANCIAMENTO e não em empréstimo. De logo, afasto essas alegações, considerando que a impetração não traz qualquer elemento que afaste a prática delituosa pela qual os pacientes foram denunciados. Ademais, não havendo prova plena do alegado há necessidade de dilação probatória, o que é vedado na via estreita do habeas corpus.
Alude que a ação penal se encontra prescrita em virtude da necessidade de desclassificação da conduta imputada aos pacientes. Sustenta que ‘a jurisprudência nacional, inclusive de Tribunal Superior, já pacificou a matéria no sentido de reconhecer que a prática de fraude com vistas a obter liberação de financiamento de fundo de investimento perante a SUDAM caracteriza, em tese, o tipo do art. 2º, IV, da Lei 8.137/90, e não, jamais, qualquer delito da Lei 7.492/86’ (fl. 19). Essa alegação, igualmente, não se faz cabível na estreita via do Habeas Corpus, por depender de exame aprofundado da questão fática, devendo, assim, ser analisada no decorrer da instrução criminal.
Por fim, sustenta que ‘se deslize tivesse havido por parte dos Pacientes, o que se admite por hipótese, suas condutas inquestionavelmente se amoldariam no que se convencionou denominar de ARREPENDIMENTO EFICAZ, posto que implementado o projeto, o que em última análise caracteriza ausência de tipicidade, na forma do art. 15 do Código Penal’ (fl. 22). Ocorre que, o crime pelo qual os pacientes foram denunciados tratar-se de um crime formal, ou seja, se consuma com a simples obtenção, mediante fraude, de financiamento em instituição financeira, não dependendo de resultado naturalístico. Assim, já tendo ocorrido a consumação do crime, não há que se falar em arrependimento eficaz, que consiste na desistência que ocorre entre o término dos atos executórios e a consumação.
Por fim, impende salientar que o trancamento de ação penal, em sede de Habeas Corpus, pressupõe prova cristalina e escorreita da abusividade e ilegalidade do processamento. O só fato de não restar demonstrada a atipicidade da conduta, a existência de causa extintiva da punibilidade, a ausência de prova da materialidade do crime ou, ainda, a inexistência de indícios de autoria faz com que a prática dos fundamentos e dos limites do agir dos autos sejam objeto de instrução criminal.
Diante do exposto, denego a ordem.
É o voto.
Os despachos do juiz Campelo
Despacho datado de 22 de fevereiro do juiz Antônio Carlos Almeida Campelo:
‘Tendo em vista a notícia publicada no Jornal Pessoal (Fevereiro de 2011, 1ª Quinzena, pág. 5) e a decisão de fls. 1961 dos autos, na qual decretou o sigilo do procedimento deste feito, oficie-se ao editor do referido jornal com a informação de que o processo corre sob sigilo e qualquer notícia publicada a esse respeito ensejará a prisão em flagrante, responsabilidade criminal por quebra de sigilo de processo e multa que estipulo, desde já, em R$ 200,00 (duzentos mil reais) [o erro é do texto original].
O ofício deve ser entregue em mãos com cópia deste despacho.
Intimem-se. Vista ao MPF’.
A seguir, o segundo despacho, de três dias depois:
Chamo o feito à ordem.
Considerando que os atos judiciais, em regra, devem ser públicos e ainda que deve ser respeitado o direito à informação, REVOGO, em parte, a decisão de fl. 1.961, de 02/02/11, pelo qual determinou que o processo em epígrafe corresse sob sigilo de justiça, para MANTER o sigilo tão-somente quanto aos documentos bancários e fiscais constantes dos autos.
Por conseqüência, REVOGO o despacho de fl. 1.970, de 22/02/11, que proibiu publicação de notícia a respeito do processo, com a ressalva do parágrafo anterior.
Aguar-se a continuidade da audiência de instrução e julgamento designada para o dia 17/05/11, às 14h30. Intime-se o réu Rômulo Maiorana Júnior pessoalmente por mandado com urgência.
Publique-se na íntegra. Intimem-se. Oficiem-se com cópia deste despacho aos principais periódicos desta Capital.
Cumpra-se com diligência.
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Jornalista, editor do Jornal Pessoal (Belém, PA)