NOVA ERA
O desafio dos escribas virtuais, 29/2
‘A conflituosa situação de Kosovo oferece boa oportunidade para se acompanhar como a Internet está escrevendo a história do mundo, em tempo real.
Os debates na Wikipedia, enciclopédia virtual mais acessada na rede mundial ¿ editada pelos próprios leitores ¿ dá a dimensão da empreitada.
Kosovo declarou de forma unilateral sua independência da Sérvia, há exatos 12 dias. Segundo texto do jornalista Maximilien Calligaris publicado no site de Gilberto Dimenstein, na Folha On Line, poucos minutos depois da declaração de independência, a bandeira do novo país já constava da página sobre Kosovo, na Wikipedia.
O problema é que Sérvia, Rússia e Espanha repudiaram a atitude dos kosovares. Enquanto os Estados Unidos e a União Européia reconheceram a independência da nação recém-formada.
E a ONU, que administra Kosovo desde a última guerra de independência em 1999, ainda não definiu o que fará a respeito.
A nova era da informação tem algumas características já bem definidas. Velocidade, interatividade e acesso são três qualidades que explicam o sucesso de fenômenos como o Wikipedia. A questão é: como aplicá-las em meio a um imbróglio como o de Kosovo?
Trata-se de uma questão nova. No tempo em que enciclopédias convencionais dominavam a cena este problema não existia. Estas podiam esperar anos para atualizar seus arquivos.
Já a Wikipedia tem de definir em velocidade `banda larga´ como deve tratar fronteiras, mapas e dados demográficos sobre Kosovo, Sérvia e Albânia mesmo antes que a situação se estabilize. Ou estoure mais uma guerra nos Bálcãs de proporções imprevisíveis.
É, portanto, um grande desafio. Para tanto, a enciclopédia virtual precisa administrar as informações que publica sobre o assunto, especialmente nestes dias. Evidentemente, o impasse internacional em Kosovo tem muito mais do que um ângulo para os fatos.
Não há, sequer, a versão dos vencedores. Esta será, em boa parcela, definida exatamente na batalha particular travada na Wikipedia por simpatizantes de parte a parte. Vale lembrar que o conflito no Kosovo repercute em todas as áreas do globo onde ocorrem disputas separatistas.
Acontece que assumir a organização de informações veiculadas representa certo tabu na rede.
O mundo virtual é cioso de sua liberdade de expressão. Quem tem um blog, edita um texto no Wikipedia ou faz chegar sua opinião a um Chat goza deste benefício.
Neste contexto há menos clareza na intermediação, ordenação e hierarquização das notícias tornadas públicas do que na imprensa tradicional. É comum se desconhecer por quem, e sob quais critérios, as informações foram escolhidas para ganhar destaque.
O episódio de Kosovo na Wikipedia parece quebrar este tabu, em alguma medida. Mostra que a enciclopédia está, a seu modo, lançando mão de meios para ordenar o conteúdo que publica.
E assumindo mais claramente que por trás do seu nome há esferas de acesso controlado com poder de decidir o que será publicado, de que maneira, com que destaque e espaço.
Várias vezes apontada como vulnerável à investida de guerrilhas virtuais que manipulam a edição de seus verbetes, a Wikipedia e seus editores anônimos demonstram, até aqui, equilíbrio na intermediação das informações sobre a questão kosovar.
É provável que esta parcimônia seja fruto da influência exercida por usuários simpatizantes de ambos os lados do conflito. Quem consulta hoje o verbete `Kosovo´ dá de cara com um aviso: `Este artigo ou seção é sobre um evento atual. A informação apresentada pode mudar rapidamente´.
Na área de edição e discussão do conteúdo outro aviso diz que `esta é uma página para discutir melhorias para o artigo sobre Kosovo, e não é um fórum de discussão geral do tema´.
O texto principal diz que `Kosovo é um território na região dos Bálcãs que declarou-se unilateralmente independente no dia 17 de fevereiro de 2008´.
Seguem-se informações históricas. Há listas das nações que reconhecem a independência kosovar (33, entre elas Estados Unidos, Alemanha e Turquia) e das que se recusam a reconhecê-la (22, entre as quais Rússia, Sérvia e Grécia).
Como afirma Maximilien Calligaris, os editores da Wikipedia estão proporcionando a inédita oportunidade de se acompanhar a luta pela redação da versão que deve permanecer na história. E o quanto esta batalha é, e sempre foi, intensa e decisiva para o destino dos povos.
Além disso, o episódio mostra que o futuro da era da informação guarda espaço para o discernimento e intermediação criteriosa no trato das notícias. Contanto que haja acompanhamento e poder de influência das diversas partes do público interessadas.
Em outras palavras, a circulação de informação com credibilidade permanecerá necessária e valorizada em sociedades livres e democráticas, seja ela praticada por jornalistas ou por quem mais tiver capacidade para tanto. O bom jornalismo deve prosperar na era digital.’
LEI DE IMPRENSA
Jornalistas criticam Lei de Imprensa, 26/2
‘O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Carlos Ayres Britto, concedeu liminar determinando a revogação de processos que estejam relacionados com 20 dentre os 77 artigos da Lei de Imprensa (5.250 / 67).
A medida do STF veio em resposta à ação movida pelo deputado Miro Teixeira (PDT-RJ), que pede a extinção da lei, sob a alegação de que ela é `incompatível com os tempos democráticos´. A lei 5.250 foi sancionada pelo presidente Castelo Branco no início da ditadura militar, em 1967, e continua em vigor mesmo após a nova Constituição Federal, de 1988.
Em entrevista a Terra Magazine, Mário Magalhães, ombudsman da Folha de S. Paulo, se posiciona a favor da plena revogação do que chama de `entulho autoritário´ e considera um progresso a decisão do ministro do STF. Magalhães argumenta inclusive que a lei vigente fere a liberdade de expressão:
– Se um jornalista publicar a declaração de alguém, ele pode ser processado pelo conteúdo da declaração alheia. Seu papel foi apenas o de informar. Mesmo assim, a Justiça pode condená-lo. Por exemplo, se um senador chamar outro de `ladrão´, o repórter que veiculou a frase é passível de punição judicial, o que fere, evidentemente, a liberdade de expressão.
Para o ombudsman da Folha, o debate sobre a pertinência ou não de uma legislação específica sobre a imprensa é um dos maiores desafios do país:
– Defendo que a legislação assegure aos cidadãos o mais amplo direito de se defender dos abusos recorrentes do jornalismo. E que garanta ao jornalismo o direito de ser exercido sem coerção nem censura.
Magalhães lembra que a atividade jornalística já está submetida à legislação penal e civil. Contudo, pondera que com uma eventual extinção da Lei de Imprensa, o direito de resposta cairia, e isto deveria ser de alguma forma assegurado.
Audálio Dantas, vice-presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), faz referência ao escritor Franz Kafka, conhecido pelo caráter fantástico de seus contos e romances, repletos de contra-sensos, para ilustrar o absurdo da questão:
– É um absurdo, parece uma coisa kafkiana, o fato de mesmo 20 anos após uma nova Constituição, a qual estabelece a plena liberdade de informação no País, prevaleça uma lei que foi produto da ditadura militar – disse a Terra Magazine.
Dantas, que apóia o pedido de revogação apresentado pelo deputado Miro Teixeira, ainda acusa:
– Esta coisa a Lei de Imprensa está em vigência até hoje, sendo um dos instrumentos acima da Constituição que serve para que juízes façam censura. Quem está fazendo censura hoje é o Judiciário.
Em artigo publicado no Observatório da Imprensa, o jornalista Alberto Dines descreve a atitude do ministro do STF como `um tiro de misericórdia na funesta Lei de Imprensa´. E ressalva: `O fim da Lei de Imprensa é reivindicação antiga, mas a consagração definitiva do princípio da liberdade de expressão exige estatutos legais muito claros e, sobretudo, muito coerentes´.’
******************
Clique nos links abaixo para acessar os textos do final de semana selecionados para a seção Entre Aspas.