GRATUITOS
Cadê os leitores?, 31/5
‘Hoje, abro espaço para a jornalista Carminha Corrêa, de Vitória, Espírito Santo, que trata de um tema novo no âmbito da comunicação, mas ainda pouco discutido no Brasil: A distribuição gratuita de jornais impressos, grandes jornais mais precisamente, como forma de enfrentar a perda de leitores para os meios eletrônicos.
Carminha fala de uma realidade que ela conhece muito bem: a realidade francesa. Presidente da Associação Brasil-França de Comunicação Empresarial, ela parte do exemplo do Libération para trazer à luz uma nova tendência de relacionamento com os leitores.
Será que o exemplo vai ser seguido no Brasil? O que aconteceria em termos de concorrência se um O Globo ou um Estado de São Paulo começasse a distribuir gratuitamente seus exemplares aos leitores? Cresceria a tiragem, a receita publicitária, a qualidade? Seria este o caminho para resgatar a antiga preeminência dos veículos de comunicação impressa? São questões a espera de respostas ou, no mínimo, a espera de quem deseje testá-las na prática. Vejamos o que diz a articulista.
Por Carminha Corrêa*
No último dia 11 de abril, o jornal de esquerda francês, Libération, colocou nas ruas uma proposta que visava reconquistar os seus leitores e ganhar outros novos, que sumiram, sobretudo com o advento das notícias pela internet on line, e também por causa dos jornais diários gratuitos distribuídos largamente em Paris onde existem pelo menos uns quatro que chegam aos leitores nas ruas ou nas entradas dos metrôs. A proposta de 11 de abril era que a população trocasse um cupom pela edição do Libé daquele dia, sexta-feira e, assim, pudesse ver a diferença entre o jornalão e os seus concorrentes.
O resultado dessa operação ‘reconquista’ e recall de marca, é que foram distribuídos 400.000 exemplares da tiragem de 500.000. Atualmente, são vendidos 132.000 exemplares. A direção do Libé se congratula com a operação, pois na semana seguinte à distribuição gratuita as vendas cresceram de 3 a 4%. Porém esse resultado está sendo analisado para saber se continuam ou não com a distribuição gratuita às sextas-feiras.
O mais curioso na operação de 11 de abril, foi a estratégia montada pelo Libération para divulgar a promoção aos leitores de toda a França. Foi publicado um anúncio na véspera anunciando a promoção, nas páginas de um dos seus maiores concorrentes, o jornal gratuito Metro.
Na verdade, nesse século XXI a discussão nos veículos impressos está em como enfrentar a modernidade provocada pela tecnologia que faz com que as notícias corram o mundo numa rapidez que cientistas e matemáticos quebrariam a cabeça para fazer as contas numéricas para explicar tal fato. Na web existem centenas de milhares de sites que colocam no ar notícias sérias, verdadeiras, e outras nem tanto, mais duvidosas, mas que vai alcançar os seus objetivos: chegar ao maior número de leitores possíveis no mundo inteiro, eu disse no mundo inteiro. E ainda por cima, mexendo com a vida das pessoas, que se vêem obrigadas a agir imediatamente ao fato respondendo ao que é colocado no ar. O que chega na web vira fato, vira verdade.
E esse ‘poder’ quem tinha eram os veículos impressos que, na modernidade, se vêem obrigados a dançar conforme a música e ter os seus próprios sites para dialogar com os seus leitores e outros tantos não assinantes ou não compradores da notícia no papel. Os mesmos jornais precisam utilizar o cérebro para criar ações de conquista ou reconquista dos seus leitores. Mas coisas inteligentes, porque não basta dar ou sortear faqueiros, carros, panelas de pressão, discos, computador. Porque o mais importante é manter o leitor fiel, aquele interessado na notícia séria, analítica, que tenha fundamento e profundidade, que busque a verdade sempre, e que tenha, principalmente, o compromisso com a ética e a democracia. E muitos portais na web, sérios, já viram isso e abrem espaço para a multiplicidade de opiniões e criticas. A imprensa escrita precisa ficar atenta para não colocar na sua edição de amanhã simplesmente a notícia que saiu na véspera na internet. Aprofundar a notícia sim.
O papel da imprensa escrita ou online é a seriedade e compromisso com a sociedade. Uma imprensa forte garante a liberdade de expressão, os direitos constitucionais. Depois, está no papel está dito, não se apaga, o vento não leva, não se tira do ar. Só a imprensa tem poder e a coragem de cutucar o diabo com vara curta e abrir gavetas dos gabinetes e saber o que está sendo escondido, ou ir por trás das cortinas para ver o que rola nos bastidores e nos informar. A web pode ser uma aliada aos jornais.
Vida longuíssima aos impressos!
*Carminha Corrêa, Jornalista e presidente da Associação Brasil França de Comunicação Empresarial’
O AVIÃO E A BARRIGA
Extra! Não há notícias, estamos apurando, 30/5
‘É normal que o novo jornalismo engula muitas mentiras. Do contrário, a manchete deste artigo estaria freqüentemente estampada nas homepages dos principais portais do Brasil e do mundo. E seria constantemente anunciada na TV pelas emissoras de notícias 24 horas.
A velocidade é o ar que respiram estes novos canais de propagação da informação. Eles não podem esperar para entregar seu produto, se não perdem a razão de ser.
Por isso, na terça-feira passada, dia 20, a Globo News publicou sem checar que um avião da Pantanal provocou incêndio ao se chocar com um prédio nas redondezas do Aeroporto de Congonhas. A notícia foi anunciada sobre as imagens das labaredas, transmitidas ao vivo.
E todo o jornalismo de Internet – salvas exceções que confirmam a regra -, baseado na informação da Globo News, multiplicou a difusão do ‘furo’, feito rastilho de pólvora.
A verdade veio à tona pouco depois. O fogo fora provocado por um incêndio numa loja de colchões. A esta altura a informação já havia rodado o mundo por meio das agências internacionais, igualmente famintas por novidades ‘on-line’ e um remake do caos aéreo.
A constrangedora e constrangida nota da Centra Globo de Comunicações a respeito do mico retrata bem a encruzilhada por qual passa o jornalismo atual:
‘A respeito do incêndio ocorrido hoje à tarde em São Paulo, a Globo News, como um canal de noticias 24 horas, pôs no ar imagens do fogo assim que as captou. Como é normal em canais de notícias, apurou as informações simultaneamente à transmissão das imagens.
A primeira informação sobre a causa do incêndio recebida pela Globo News foi a de que um avião teria se chocado com um prédio na região do Campo Belo, Zona Sul de São Paulo.
Naquele momento bombeiros e Infraero ainda não tinham informação sobre o ocorrido. As equipes da própria Globo News constataram que não havia ocorrido queda de avião e desde então esclareceu que se tratava de um incêndio em um prédio comercial.
Poucos minutos depois o Corpo de Bombeiros confirmou tratar-se de um incêndio em uma loja de colchões’.
Em outras palavras, a emissora: primeiro informou e depois apurou; divulgou uma informação não confirmada pelas fontes oficiais; e acreditou em ‘alguém’, sabe-se lá em quem, que trouxe da ficção para o noticiário um nada sutil avião da companhia aérea Pantanal.
Já os demais veículos foram atrás da Globo News e igualmente pagaram o mico. Não checaram a informação de forma independente antes de a jogarem no ar.
Os telejornais da noite e os jornais do dia seguinte escaparam da barriga, claro, com o conforto do tempo necessário para a situação se esclarecer.
Importante notar que a queda de um avião sobre um prédio próximo a Congonhas é uma notícia de muito maior repercussão do que um incêndio numa loja de colchões.
Da mesma maneira que a repercussão da cabeçada que o francês Zidane deu no italiano Materazzi, na final da Copa do Mundo, cresceu por conta da informação segundo a qual o zagueiro da Azzurra havia feito insultos racistas ao meia da França, de origem argelina.
No entanto, também esta semana o jornal inglês ‘The Sun’ se desculpou publicamente com Materazzi. ‘Afirmamos que o zagueiro chamou Zidane de filho de uma prostituta terrorista e que Materazzi era um hipócrita quando negou esta acusação. Retiramos estas insinuações e aceitamos o fato que o Senhor Materazzi não tenha falado nada de natureza racista’, diz trecho do texto do jornal. Outro jornal britânico, o ‘Daily Star’, também se desculpou com o zagueiro, obrigado a fazê-lo por decisão da Corte de Londres.
Os erros da imprensa não são exclusivos dos novos tempos da alta velocidade da notícia. Exemplos de épocas anteriores não faltam.
Mas é patente que a série contínua de casos recentes (talvez o mais importante deles sejam as 935 mentiras que o Pentágono contou sobre o Iraque) mostra que a vulnerabilidade da mídia aumentou com o crescimento da quantidade e da velocidade do noticiário.
Há outros fatores que contribuem para a complexidade do problema. Não dá para cobrar da mídia instantânea que lance mão do mesmo rigor de checagem do jornalismo tradicional.
Por outro lado, está claro que os veículos estão lidando mal com esta situação. Tanto é que a notícia da queda do avião foi apagada do noticiário on-line. Os sites que possuem ombudsman registraram o problema, mas sem o mesmo destaque que fora dado para farsa.
Assim como em sua majestática resposta a Globo News sequer pediu desculpas aos telespectadores e à Pantanal. O jornalismo, portanto, se envergonha e não enfrenta estes erros.
A mídia certamente vai encontrar uma saída para a questão. O problema é generalizado, portanto, não atinge um ou outro veículo em especial.
A solução será encontrada com a discussão aberta dos recursos disponíveis. Talvez o primeiro deles seja assumir os equívocos publicamente, com destaque. O segundo poderia ser a publicação de uma tarja: ‘esta informação ainda carece de confirmação oficial’.
Empurrar a sujeira para debaixo do tapete certamente não vai ser algo sustentável ao longo do tempo. Quem fizer isso vai trocar credibilidade por constrangimento. Quem tiver coragem de encarar a questão de frente vai merecer a confiança e a audiência do público.’
PROFISSÃO PERIGO
Hildebrando Pascoal: ‘Sabia que posso matá-lo?’, 28/5
‘Uma das entrevistas mais emocionantes de minha vida profissional foi a que fiz com coronel Hildebrando Pascoal para o Jornal do Brasil, em julho de 1996, que foi reproduzida pelo jornal Página 20, do Acre.
Baseado no relatório do Ministério Público Federal, o JB publicou um quarto de página sobre o clima de terror no Acre desde o assassinato de Itamar Pascoal. O texto foi publicado sem que eu tivesse conseguido ouvir o coronel, embora tenha telefonado para a casa dele e deixado recado dando conta de minha intenção.
No dia seguinte, Hildebrando telefonou para mim:
– Você quer falar comigo? Então venha até a minha casa.
Confesso que fui rezando, sozinho. Ao chegar à casa, o coronel abriu o portão. Logo avistei uns seis policiais armados, postados junto ao muro.
Havia duas cadeiras no pátio, bem perto da entrada da casa, de onde eu avistava a sala e nela as crianças de Jorge Hugo que ele mantinha em cárcere privado.
O coronel mandou que sentasse numa das cadeiras. Obedeci. Ele permaneceu em pé, dedo em riste. E com o corpo quase colado ao meu, advertiu:
– Você sabia que posso matá-lo aqui, agora? – indagou. Você é mesmo atrevido. Bem que seus colegas me avisaram – disse.
Entreguei-lhe, a pedido do procurador da República que estava preocupado com minha vida, a cópia do relatório. E Hildebrando então se deu conta de que eu não era o autor das denúncias.
– Coronel, estou aqui para que o senhor possa apresentar a sua versão. O jornal exige isso de minha parte – insisti.
– Você sabe como me defender – ele rebateu.
– A melhor pessoa para defendê-lo nesta hora é o senhor mesmo. Trouxe um gravador.
– Tudo bem, pode ligar.
Durante a entrevista compareceu o delegado Illimani Lima Suarez, um boliviano naturalizado brasileiro. Era o então secretário de Segurança, que obedecia ordens de Hildebrando e seu bando. Para livrar a pele, no curso do processo Suarez virou testemunha de acusação do coronel.
Pois bem, ao término da entrevista, agradeci ao coronel e ele disse ter imaginado que ao me receber em sua casa, iria receber o capeta.
– Altino, seus maiores inimigos são alguns colegas seus de profissão. Eles me telefonam quase todos os dias falando horrores de você.
Não sem antes dizer:
– Você é mesmo um grande filho da puta. Me fez falar de algo que eu não queria. Agora você pode se considerar um homem vivo.
Mais adiante, quando a revista Veja usou o mesmo relatório do Ministério Público para a reportagem que resultou na cassação do mandato de Hildebrando, estive com a vida ameaçada.
O coronel estava em Rio Branco quando a reportagem foi publicada e eu trabalhava em A Gazeta. Na segunda-feira, cedinho voltei à casa do coronel. Ele não estava e deixei recado, explicando ao sogro dele que não pretendia escrever nada a respeito da reportagem da revista, a menos que o coronel quisesse contestá-la.
Anos depois, o jornalista Roberto Vaz contou que, naquele dia, conversava com o jornalista Luis Carlos Moreira Jorge, então assessor de imprensa da prefeitura de Rio Branco, quando o colega atendeu uma chamada no telefone celular.
– Roberto, conversamos depois. O pessoal está caçando o Altino, a mando do Hildebrando. Vão matá-lo agora – disse Moreira Jorge após desligar o telefone.
Amigo do coronel, Moreira Jorge o encontrou pessoalmente, mas levou algumas horas até demovê-lo da decisão de tirar minha vida. Já tive a oportunidade de agradecer ao Moreira Jorge, que é colunista político de A Gazeta.
Ter sobrevivido aos sobressaltos daqueles dias de terror, quando tive que fugir do Acre várias vezes, me fez acreditar um pouco mais na existência de Deus e da Rainha da Floresta.’
DESCOBERTA
Uma semana depois, índios deixam de ser invisíveis, 30/5
‘A descoberta de índios isolados, no Acre, às bordas da fronteira amazônica com o Peru, provocou, na quinta-feira, 29, e sexta, 30, um frêmito na mídia brasileira e internacional. Magicamente, o trabalho do sertanista José Carlos Meirelles e as fotos de Gleilson Miranda, divulgadas pela Fundação Nacional do Índio (Funai), ganharam as páginas da BBC, UOL, Estadão, Globo, G1, Survival International, além de despachos da Reuters e AP. À noite, freqüentaram as principais redes de televisão.
No farto material jornalístico, mil sensações em torno das fotos dos índios de etnia ainda desconhecida, nas cabeceiras do Igarapé Xinane. Belo, belo. Ótima oportunidade para o leitor de Terra Magazine, do Portal Terra, reconferir uma semana depois as mesmas fotos, as mesmas informações e saber que anda clicando no local certo.
‘Saiba mais’: com exclusividade, uma semana antes, o repórter Altino Machado publicou, nesta Terra Magazine, as mesmíssimas fotos e os mesmíssimos fatos. A reportagem trazia detalhes do ‘primeiro contato’ e um precioso perfil do sertanista Meirelles. As imagens dos índios, feitas por Miranda (sim, dona Dolores, elas não são da AP), ocuparam o quadrante superior do Portal Terra e o banner desta revista, em 23 de maio. Desde então, correram a ‘blogosfera’. Verificável no Google.
No Acre, os índios isolados são conhecidos como ‘invisíveis’. E, de fato, passaram por ‘invisíveis’ durante seis longos dias.
‘Uncontacted tribe photographed near Brazil-Peru border’, estampou a Survival International, na quinta-feira, 29, seis dias depois de Terra Magazine. Certamente a língua inglesa é universal. Donde, a partir da Survival International a informação se re-espalhou.
Ao clicar aqui, os ausentes podem conferir o texto original de Machado e as fotos de Gleilson. Vale um confronto com o material posteriormente publicado.
O relato do sertanista Meirelles sobre os ‘índios invisíveis’ foi reproduzido pelos jornais Le Monde, The Guardian, New York Times, Corriere della Sera, El País, entre outros.
No Brasil, seis dias depois, Altino foi contactado pela Folha de S. Paulo, que o ouviu e o republicou na edição desta sexta-feira, 30, como manda a boa regra: ‘A Funai tirou mais de mil fotos. Meirelles decidiu repassar o material fotográfico ao jornalista Altino Machado, que publicou três fotos no site ‘Terra Magazine’, diz a Folha. E o correspondente do inglês The Guardian, Tom Phillips, entrou em contato com Machado.’
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