Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Terra Magazine

CASO DANIEL DANTAS
Janio Ferreira Soares

A machadinha de Daniel Dantas, 26/07

‘De Glória (BA) – Sertão baiano, meio dia de um julho cinzento. Encontro-me com João Vaqueiro, 80 anos, e lhe pergunto por que tanta pressa. Puxando da perna e ajeitando o surrado chapéu que lhe confere um ar de Lee Van Cleef desarmado, ele me responde com outra pergunta. Quer saber o que eu achei das últimas prisões feitas pela Polícia Federal. Quando eu me preparo para responder, ele ordena: ‘escreva alguma coisa!’, e segue dando uma gostosa risada, agora lembrando um caubói manco caminhando em direção a estribaria.

São Paulo, madrugada fria do mesmo mês. A Polícia Federal em mais um dos seus midiáticos espetáculos, prende o ex-prefeito Celso Pitta e o investidor Naji Nahas. Os dois, apesar de alguma fama, são apenas coadjuvantes de mais esse complicado enredo tupiniquim. Todos os holofotes só querem saber do ator principal, Daniel Dantas, também preso no Rio de Janeiro. Os três, já soltos, claro, são os mais novos alvos dos papos de botequim, que até bem pouco discutiam mensalões, zuleidos e valérios. A fila anda.

Brasília, planalto central, umidade do ar meio mussarela, meio calabresa. Homens de ternos e togas duelam silenciosamente com seus colts carregados de balas de festins. Experientes, eles sabem que nenhum estilhaço pode ameaçar a tranqüilidade do xerife e de seus homens de ouro, que a essa altura viram doses de scoth no meio do saloon, indiferentes a qualquer lei, seja ela seca, molhada ou quiçá úmida. Afinal, eles são as regras e suas vertentes. Talvez se existissem bafômetros para detectar cifrões roubados a conversa fosse outra. Mas, por enquanto, a única preocupação dessa turma é manter quieto o poderoso Dantas, que traz no seu alforje muito mais que dólares furados.

O banqueiro baiano já insinuou que se contar o que sabe derruba de Collor pra cá sem disparar um único tiro. Essa sua tranqüilidade me faz lembrar um xará seu chamado Daniel Boone, que nos anos 70 fazia o maior sucesso na TV.

Boone, com seu impecável chapéu de pele de castor, morava num lindo vale da região do Kentucky com sua esposa Rebecca, seus filhos e mais o índio Mingo. Ele sim, era um mocinho de verdade que botava pra quebrar em cima dos bandidos que ameaçavam a lei e a ordem do lugar.

Você deve estar se perguntando o que os dois têm em comum. Tenho pra mim que é uma certa machadinha. Quem conhece o seriado lembra que, na abertura, Boone a arremessava em direção a uma árvore, rachando-a ao meio. Exatamente como Dantas ameaça fazer com a República.

É por isso que a maioria dos parlamentares, tucanos à frente, está completamente quieta. Onde estão os valentões que ameaçavam CPIs por qualquer tapioca recheada ou caseiro violado? Escaldados, eles sabem muito bem o poder de corte dessa poderosa machadinha. Arremessada com destreza ela pode cortar, além de árvores, velhas cabeças coroadas que se equilibram sobre pegajosos pescoços há séculos e que sempre balançam, balançam, mas nunca caem.

Janio Ferreira Soares é consultor da Secretaria da Cultura de Glória (BA), nas margens do Rio São Francisco.’

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