Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Todos os furos do Congresso em Foco

Foi furo atrás de furo. O site Congresso em Foco, especializado na cobertura do legislativo federal, está colhendo agora os frutos de um investimento iniciado há pouco mais de meia década. A farra das passagens aéreas na Câmara Federal vem obrigando os jornalões a imprimir, quase diariamente, o nome do site em suas matérias sobre o assunto. Afinal, foi na internet que primeiro apareceu a lista dos deputados que voaram para o exterior com passagens pagas com dinheiro público, logo depois de duas outras reportagens exclusivas – uma revelou as viagens de artistas, entre as quais Adriane Galisteu, às custas do gabinete do deputado Fábio Faria (PMN-RN); a outra provou que Roseana Sarney (PMDB), ainda senadora, antes de assumir o governo do Maranhão, também ofereceu bilhetes a amigos e familiares.


Em pouco mais de um mês, foram três tiros certeiros. O Congresso em Foco, porém, já tem muita história para contar. Em fevereiro de 2004, o site estreava na rede mundial de computadores com o objetivo de acompanhar o dia a dia do Congresso Nacional e suprir as lacunas da cobertura tradicional da imprensa sobre os assuntos do legislativo federal. O jornalista Sylvio Costa, diretor do site, explica que antes do lançamento do Congresso em Foco, já editava um boletim eletrônico chamado ‘Congresso na Tela’, preparado para clientes da agência de comunicação da qual é sócio, a Oficina da Palavra.


Com o tempo, Costa percebeu que havia um interesse grande em uma cobertura especializada dos assuntos do Congresso e decidiu investir na ideia, tomando o cuidado de criar um novo nome para o site, hoje hospedado no portal iG, com quem tem um contrato que ajuda a pagar as despesas da redação. Sylvio Costa adianta que o Congresso em Foco não é lucrativo – o jornalista, que ainda trabalha na agência e também dirige o Espaço Cultural Brasil Telecom, diz que ainda está investindo no projeto, mas trabalha para torná-lo sustentável logo. Para tanto, a aposta é que a audiência qualificada seja uma vitrine e convença o mercado publicitário a anunciar no site.


Se o modelo de negócios ainda não está totalmente resolvido, a linha editorial já estava na cabeça do jornalista em 2004 e pode ser sintetizada na expressão ‘jornalismo político de serviços’. ‘Queríamos mostrar quem são os parlamentares, o patrimônio deles, como votam em questões chaves, enfim, fazer um acompanhamento quase individual dos parlamentares’. Para isto, explica Sylvio Costa, a internet é a melhor plataforma, uma vez que não oferece o empecilho do espaço físico limitado das publicações impressas. ‘Nosso pressuposto era o de que a qualidade de representação política no Brasil é muito baixa, mas poderia melhorar com o acompanhamento sistemático dos congressistas’, revela Sylvio, em consonância com editorial publicado na segunda-feira (27/4) no site e reproduzido ao final deste texto.


O levantamento minucioso dos dados dos 513 deputados e 81 senadores deu origem ao livro O que esperar do novo Congresso – perfil e agenda da legislatura 2007/2011, editado em parceria com o Diap (Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar). Sylvio Costa explica que a base de dados que o Congresso em Foco já conseguiu acumular a partir de diversas fontes, sobretudo oficiais, permite aos 9 jornalistas que hoje trabalham na redação do site cruzar informações, levantar pautas e descobrir histórias que os parlamentares certamente prefeririam manter ocultas.


Apesar da redação sempre muito enxuta – no começo eram três jornalistas e dois estagiários –, o site foi ganhando respeito e conquistando fontes antes exclusivas dos grandes veículos. Além disto, diz Costa, o Congresso em Foco sempre apostou na pesquisa cuidadosa das fontes públicas e oficiais, muitas vezes desprezadas no trabalho de quem acompanha o legislativo. Os levantamentos de assiduidade apresentados pelo site, por exemplo, são feitos a partir dos dados do próprio Congresso, bem como a lista dos parlamentares processados é fruto de pesquisa nas páginas do Judiciário na internet, explica o diretor.


Apesar de ter se notabilizado pelos furos e denúncias importantes de corrupção no Congresso Nacional, Sylvio Costa afirma que não pretende fazer uma página eletrônica de ‘escândalos’, e sim ‘um veículo a favor do Congresso’. ‘Queremos aumentar o conhecimento das pessoas sobre o Congresso para que ele seja melhor. Queremos discutir saídas para o Congresso e não passar a ideia de que está tudo perdido’, explica o jornalista.


Bastidores de uma reportagem


No episódio que levou o Congresso em Foco para as primeiras páginas de praticamente todos os jornais do país – em muitos casos sem o devido crédito, conforme reclama o diretor do site –, a apuração começou muito tempo antes da publicação da lista dos deputados federais que viajaram para o exterior com suas mulheres, namoradas e familiares usando bilhetes de seus gabinetes. O repórter Lúcio Lambranho, que integra a redação desde 2006, conta que começou a investigar o tema em agosto de 2008. ‘Descobrimos que um assessor parlamentar estava sendo processado por desviar passagens da cota de um gabinete de um ex-deputado federal’, revela o jornalista. A partir da denúncia, explica Lambranho, descobriu-se que o assessor havia sido contratado por um outro deputado, este da atual legislatura. Confrontado com o processo, o parlamentar demitiu o assessor.


A partir daí, os fios foram sendo puxados e a apuração chegou em um colaborador de Fernando Sarney, filho do presidente do Senado, que teria viajado com passagens do gabinete da então senadora Roseana, irmã de Fernando. A história repercutiu e permitiu a abertura de novas fontes. ‘Foi como montar um grande quebra-cabeça’, diz Lambranho. No final, três jornalistas participaram da investigação (além de Lúcio, Edson Sardinha e Eduardo Militão), que levou algumas semanas entre checagens e rechecagens até que o quadro estivesse completo. Lúcio Lambranho garante que não há furo: todas as viagens para o exterior dos nobres deputados estão computadas na lista publicada no site. Foram exatos 1881 voos internacionais entre janeiro de 2007 a outubro de 2008, a um custo de exatos R$ 4.765.946,91.


Motivações políticas: não há fontes desinteressadas


Questionado se a guerra política aberta com a eleição de José Sarney (PMDB-AP) para a presidência do Senado ajudou os repórteres do site na obtenção de informações, o diretor do Congresso em Foco é cauteloso. ‘Toda fonte tem algum tipo de interesse. Se imaginarmos que vamos fazer jornalismo com fontes desinteressadas, não vamos, não se faz jornalismo’, diz Sylvio Costa. Ele nega, no entanto, que o Congresso em Foco tenha recebido ‘pronta’ a lista das viagens ou que a informação tenha partido de uma única fonte com interesse na divulgação da denúncia. ‘Houve apuração. Claro que pode ter havido alguma plantação, mas acho que nenhuma história se sustenta se não houver veracidade’, diz Costa, que se diz espantando quando alguém pergunta ‘quem é a fonte’ da reportagem das viagens internacionais. ‘Tivemos uma preocupação grande em ouvir o ‘outro lado’, ligamos para os gabinetes para que todos pudessem se pronunciar’, lembra Lúcio Lambranho.


Cobertura diferenciada e focada, um banco de dados amplo, muito esforço na investigação e permissão para apurações longas parecem ser os ingredientes que estão fazendo do Congresso em Foco um caso particular na cobertura da política nacional. ‘Há muito tempo que a imprensa de Brasília é pautada pelo Congresso em Foco’, diz, orgulhoso, o diretor Sylvio Costa. Para quem está cansado do estilo copy-paste vigente na internet, especialmente nas agências de notícia e sites jornalísticos dos grandes portais, não deixa de ser uma boa notícia saber que existe, sim, jornalismo inteligente e bem apurado na rede mundial.


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Editorial: o Congresso que queremos


‘Intensamente repercutidas por toda a mídia, as reportagens publicadas nas últimas semanas pelo Congresso em Foco sobre a farra das passagens aéreas no Congresso Nacional chocaram o país.


Revelamos descaminhos desse quilate não porque queremos destruir o Congresso, como chegaram a afirmar em plenário alguns deputados na última quarta-feira (22). O teatro e as grosserias dos supostos ofendidos por nosso conteúdo não podem enganar ninguém. Ora, eles sabem que, se acaba o Congresso, acaba a razão de existir deste site. E sabem que, desde 2006, cometemos a ousadia de premiar os melhores parlamentares federais, numa eleição na qual os jornalistas políticos de Brasília têm total autonomia para definir os nomes dos congressistas que, numa segunda etapa, são submetidos à votação dos internautas.


Os constantes ‘furos’ deste site e o prêmio são faces diferentes de uma mesma aposta: a aposta na ampliação do conhecimento sobre o Poder Legislativo, no incentivo ao acompanhamento de suas atividades por parte da sociedade e, sobretudo, a aposta na elevação da qualidade da representação política no país.


Defendemos com unhas e dentes a existência do Congresso, com a plena garantia de suas prerrogativas constitucionais. Batalhamos por um Parlamento forte. Mas, sim, queremos um Congresso muito melhor do que o atual ou do que os imediatamente predecessores. Um Congresso que tenha compromisso com a nação, jamais com interesses menores de parlamentares, assessores, amigos ou parentes que perdem a noção do limite dos privilégios que a população considera aceitável.     


A farra das passagens aéreas não é uma exclusividade da Câmara dos Deputados, como já mostramos. Aquela Casa paga um alto preço por estar hoje – por incrível que pareça – mais próxima do que o Senado Federal das aspirações de moralização da política, reiteradamente expressas pelos brasileiros. A Mesa Diretora provou isso ao propor ao Plenário na última sexta-feira a redução do valor da cota em 20% e restrição do uso do benefício pelo próprio parlamentar para viagens nacionais. A iniciativa merece reconhecimento, e oferece à Câmara a possibilidade de se reconciliar com os eleitores. Apelamos para que os deputados tenham bom senso e aprovem a medida nesta terça-feira, dia 28.


Em número crescente, deputados produzem outro fato alvissareiro: muitos já admitiram ter errado ao usar a cota de passagens para pagar viagens pessoais, de si ou de terceiros, e afirmam que ressarciram ou irão ressarcir os gastos indevidamente pagos pela Câmara. Apoiamos tais gestos e reconhecemos neles o que pode ser o germe de uma mudança profunda na política brasileira. Também felicitamos os parlamentares que, convencidos da necessidade de virar o jogo, abrem suas contas, possibilitando a total transparência dos pagamentos feitos pela Câmara de viagens aéreas.


Gastos com deslocamentos aéreos, ou qualquer despesa pública feita para os deputados e senadores exercerem adequadamente seu mandato, só se justificam pela ótica do interesse público. O dinheiro é do povo, não do parlamentar, e muitos congressistas parecem ainda não ter compreendido isso. Doença na família, visitas a filhos que moram no exterior, necessidades circunstanciais de amigos não podem servir de amparo à utilização de verbas públicas. Quando enfrenta situações semelhantes, o cidadão comum banca a conta, ele não concorda que a regra para os parlamentares federais seja tão generosa quanto foi nos últimos anos.


Por isso, defendemos que todos os gastos do Congresso Nacional sejam públicos e transparentes. O Senado precisa seguir o exemplo da Câmara e abrir a assustadora caixa preta em que se transformou.


Também não aceitaremos que sejam escondidas debaixo do tapete as irregularidades que revelamos. A afirmação de que ‘a farra das passagens pega todo o Congresso’, insistentemente ouvida em Brasília, não pode servir de pretexto para a hipocrisia. Se todos usaram mal, o que ainda está por se confirmar ou não (nossa lista aponta 261 deputados até agora), nem todos usaram do mesmo jeito.


Não podem ser tratados igualmente os que usaram a cota de passagens para obter recursos criminosamente, vendendo os créditos aéreos no mercado paralelo ou transportando artistas para reduzir os custos de negócios privados, e aqueles que, baseados em uma interpretação errada da lei, acreditaram que poderiam custear com o dinheiro dos contribuintes viagens não relacionadas diretamente com o exercício do mandato. O episódio traz, portanto, duas dimensões, uma ética-legal e outra criminal, que devem ser enfrentadas separadamente.      


A crise do Congresso traz uma oportunidade única para mudar os costumes políticos no Brasil. Não venham dizer que sempre foi assim e sempre será. Não é verdade. Políticos são seres humanos e, como tal, estão sempre sujeitos a erros. Mas é imensa a quantidade de parlamentares que chegaram às duas Casas do Congresso, ontem e hoje, e que se destacaram por terem produzido muito mais acertos do que erros. A luta heróica de Ulysses Guimarães e tantos outros no enfrentamento da ditadura militar, a ação coletiva do Parlamento na elaboração da atual Constituição Federal e o comportamento de diversos congressistas durante o processo de impeachment do então presidente Collor são exemplos de que, em vários momentos da história, o Poder Legislativo brindou as aspirações democráticas dos brasileiros com um sopro de alívio e esperança.


No passado, e durante décadas, repetiu-se que o Brasil jamais teria capacidade para se tornar um país com inflação baixa. Quebramos esse tabu. Precisamos quebrar outro, o de que é impossível reduzir os níveis de corrupção, assistencialismo e desfaçatez que se verificam nos três poderes. É possível, sim! Para isso, é fundamental a vigilância permanente da sociedade.


O Congresso em Foco, cioso do peso de suas responsabilidades, continuará a fazer a sua parte, produzindo bom jornalismo, sem as amarras de quaisquer interesses que não sejam o de cobrir o Congresso e a política de forma competente, exclusiva, criativa e ética.


Mas, confiantes na credibilidade e na imensa audiência deste site, queremos ir além. Sabemos que a internet é o maior fórum de debates públicos do Brasil democrático, mobilizando mais de 60 milhões de pessoas que já acessam regularmente a rede. Essa força pode ser usada não apenas para constatar problemas, proferir xingamentos ou, o pior dos equívocos, manifestar-se pelo fechamento do Congresso. Pode ser a semente de uma discussão madura sobre os caminhos que podemos dar ao Parlamento no país.


Com humildade, porém consciente da influência que hoje tem, o Congresso em Foco conclama todas as forças políticas democráticas a se unirem naquilo que elas puderem convergir, de modo a encontrar um rumo transformador, e dentro do Estado de Direito, para a crise do Legislativo. Nesse aspecto, queremos nos dirigir a todas as entidades que nos ajudam a viabilizar a cada ano o Prêmio Congresso em Foco, mas dirigimos uma palavra em especial a uma delas, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). A OAB valente do inesquecível Raymundo Faoro foi fundamental para nos trazer a democracia. Ela tem agora a chance de contribuir para dar à nossa democracia legitimidade e decência.


Convidamos leitores, entidades de representação profissional, líderes populares, empresários, intelectuais, artistas e formadores de opinião a darem sua cota pessoal – esta sim, cota digna de admiração – para virar a chave da política brasileira. Podemos não fazer tudo, mas podemos fazer muito. O primeiro passo nessa direção é acreditar nisso. O Congresso em Foco acredita e quer a companhia de quem deseja mudar o Brasil para melhor. Vem você também, manifestando-se como puder, inclusive por meio deste site. Sem a pressão popular, as alterações no Congresso e na política serão superficiais.


Entendemos, também, que há um amplo espaço para os próprios parlamentares nesse movimento de renovação do Congresso. Mesmo que tenham incorrido em erro no passado, os congressistas podem agora acertar o rumo, convencendo seus pares a se render à voz das ruas (e da rede). 


Mudar o Congresso é possível, desde que cada um – inclusive nós, eleitores – tente desempenhar melhor o seu papel. O que estamos esperando?’

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Blog do autor: Entrelinhas – Mídia e Política