Há sempre um pressuposto por trás da edição de um jornal? Sim, mas nem sempre é fácil descobrir a intenção que se dissimula num conjunto de notícias e textos opinativos. Eventualmente, a notícia se revela como um mero artifício para que seja publicada uma opinião existente a priori. No entanto, para a maioria dos leitores, ouvintes ou telespectadores, o produto jornalístico não passa de entretenimento, substrato para conversas de botequim, o que torna superficial sua interpretação.
Na imprensa brasileira, o partidarismo passou a dominar de tal maneira a atividade jornalística que as intenções vêm quase sempre adiante da informação propriamente dita. Nos dias em que um ou mais acontecimentos importantes distraem a atenção do público, é mais fácil fazer passar opinião por notícia, como aconteceu na quinta-feira (18/12), data em que se anuncia o reatamento histórico de relações entre Estados Unidos e Cuba.
Mesmo nas extensas reportagens especiais preparadas para anunciar a decisão, os três diários de circulação nacional apenas registram um dos aspectos econômicos do acordo entre americanos e cubanos mais interessantes para o Brasil: a importância que passa a ter o porto de Mariel, cuja reforma e expansão é financiada pelo governo brasileiro. Os jornais só citam o acerto da iniciativa brasileira porque a presidente Dilma Rousseff fez uma declaração sobre o valor estratégico dessa obra.
Apenas o Estado de S. Paulo deu maior destaque aos possíveis benefícios que a reaproximação entre Estados Unidos e Cuba poderá trazer ao Brasil, anotando, entre opiniões negativas, que o fato de o governo brasileiro ter procurado amenizar os efeitos do bloqueio americano à ilha terá grande peso nas futuras importações dos cubanos.
Pode-se apostar que não apenas as viagens turísticas de brasileiros, como as compras de medicamentos cubanos e o acordo que trouxe profissionais daquele país para trabalhar no programa Mais Médicos, têm consolidado uma relação que deverá trazer resultados conforme se ampliar a abertura de negócios em Cuba.
Jornais falsos
Esses aspectos do provável fim do bloqueio imposto a Cuba durante 53 anos estão ausentes ou escondidos em meio ao noticiário e às análises sobre o evento histórico – alcançado, em grande parte, pela intermediação do Vaticano.
Mas não é apenas e principalmente nas grandes coberturas que se pode constatar a manipulação de informações em favor de uma opinião dos editores. Apanhemos, por exemplo, uma reportagem da Folha de S. Paulo, publicada na véspera, que dá sequência à divulgação dos gastos do governo brasileiro e suas estatais com publicidade (ver “A mão que alimenta a mídia”). Na edição de quinta-feira (18), a Folha traz uma continuação desse relato, intitulada “Estatais destinaram R$ 1,3 milhão para jornais-fantasmas”.
À primeira leitura, passa-se a ideia de que foi a iniciativa do jornal paulista, ao exigir na Justiça mais transparência para os gastos oficiais com publicidade, que permitiu descobrir o golpe perpetrado por um empresário, que registrou cinco títulos fictícios para receber verbas oficiais. A Folha publica como novidade que “as principais estatais federais” direcionaram, de 2004 a 2012, verba de propaganda para jornais que não existem.
Na verdade, a fraude foi descoberta em 2012 e naquela ocasião a Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República pediu instauração de inquérito na Controladoria Geral da União e na Polícia Federal para apurar as atividades da Laujar Empresa Jornalística Ltda. Lá pelo meio da reportagem, o leitor fica sabendo que a empresa recebeu em 2012 um total de R$ 135,6 mil reais dos cofres federais; se prestar atenção, vai tomar conhecimento de que a empresa dos jornais fictícios também recebeu publicidade do governo paulista, durante a gestão de José Serra, no total de R$ 309,1 mil.
Não foi a ação judicial movida pela Folha, que obrigou o governo federal a adotar mais transparência nos seus gastos com publicidade, que expôs o falsário, mas ela produz como efeito colateral não apenas a possibilidade de revelar desvios na esfera federal e no âmbito dos estados e municípios, mas também cria a possibilidade de investigar as relações de todos os poderes com a imprensa brasileira.
Mas será que as empresas de comunicação querem toda essa transparência? Não poderia ser um tiro pela culatra?