O episódio ocorrido com o jornalista Alberto Dines em relação ao JB termina por se apresentar como mais um desmentido dos fatos a uma visão romântica que vem sendo perpetuada pela maior parte dos que se debruçam sobre a chamada liberdade de imprensa, visão romântica, esta, cuja contestação mais forte na literatura jurídica, até hoje, foi feita pelo professor Mário Lúcio Quintão Soares, da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, em artigo publicado na Revista de Informação Legislativa do Senado Federal, nº 115: a informação, mais do que nunca, recebe o tratamento de mercadoria, dirigida a determinado público. O jornalista que desejar ser um pesquisador dos fatos, trazendo-os ao conhecimento da população, para continuar a ter o seu espaço assegurado, por vezes, não pode ir além da sua condição de assalariado.
Tal é o entendimento que, muitas vezes, conduz as empresas jornalísticas a podarem a publicação de matérias que contenham verdades não lucrativas, estimularem a publicação de matérias que contenham versões potencialmente lucrativas, ainda que não verdadeiras, e, acima de tudo, a adularem os respectivos anunciantes.
Destarte, o episódio ocorrido com Alberto Dines mostra bem qual a visão que permanece nos meios midiáticos, em termos de ética: um jornalista é um assalariado como outro qualquer, e não um profissional que desempenha uma importante função social no sentido de rastrear os fatos. Fato é o que a empresa quiser que seja fato. Algo como, por exemplo, a guerra declarada pelos EUA à Espanha, por motivos fabricados por William Randolph Hearst, a inspiração na vida real para o fictício Cidadão Kane, de Orson Welles.
E é claro que, com isto, torna-se cada vez mais problemática a busca, por parte dos historiadores, da reconstituição dos fatos pela pesquisa dos jornais da época: estes só se tornam, quando muito, o documento das simpatias dos titulares da respectiva direção, o documento, enfim, das lutas de paixões da época, mas não o documento dos fatos como ocorreram.
Testemunha crível
E lembro de Aristóteles proclamando que a Verdade se colocava acima até mesmo da amizade de Platão; de Cícero, que ensinava que o valor da Amizade somente sucumbiria diante da necessidade de se dar a cada um o que lhe fosse devido; de Girolamo Savonarola, que, em nome de suas convicções, que iam ao ponto, mesmo, da iconoclastia, no combate ao poderio dos Médicis em todos os sentidos, preferiu ser excomungado e queimado a ser feito cardeal por Rodrigo Bórgia, o papa Alexandre VI; de Thomas More, que preferiu ser decapitado a admitir a mudança de religião do Rei Henrique VIII apenas para atender a fins bem pouco espirituais deste último; de Giordano Bruno, que preferiu ser queimado no Campo de Flores a retratar-se de seus posicionamentos, dentre eles, a teoria heliocêntrica do Universo, e tantos outros.
Não são as minhas concordâncias ou discordâncias com o mérito da opinião dos personagens que acabei de citar que estão em discussão, mas sim a minha defesa das respectivas atitudes que bem se podem comparar, como demonstração de integridade, ao jornalista que se quer algo mais que um mero assalariado, como uma testemunha crível da História.
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Advogado em Porto Alegre, doutor em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais