Wednesday, 13 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1313

Tudo como no melhor dos mundos

Estranha, muito estranha, a reação dos nossos combativos jornalões ao
atentado terrorista contra o Diário de Marília, do interior de São Paulo.
A ação dos gangsteres ocorreu na madrugada de quinta-feira (8/9).


Considerando as circunstâncias (assaltantes armados, dispostos a destruir o
prédio) e considerando a dimensão (foram atacados três veículos jornalísticos da
mesma empresa numa cidade de porte médio no interior paulista), o episódio não
tem precedentes desde a redemocratização. Apesar disso nem a Folha de
S.Paulo
, Estado de S.Paulo ou Globo levaram o assunto para a
primeira página da sexta-feira.


Neste mesmo dia, fim da tarde, o presidente Lula recebeu no Planalto uma
imponente delegação de 16 representantes da Associação Nacional de Jornais
(ANJ). Visita agendada há alguns dias, aproveitou-se para tratar do
atentado.


A nota oficial da entidade jornalística divulgada foi um primor de concisão –
111 palavras:




A Diretoria e o Conselho de Administração da Associação Nacional dos Jornais
(ANJ) estiveram hoje com o excelentíssimo senhor presidente da República,
atendendo a convite por ele formulado.


No encontro, o presidente expôs sua visão do momento político e econômico do
País. A ANJ, por sua vez, manifestou sua confiança no funcionamento das
instituições, incluindo a imprensa livre, que vêm cumprindo seu papel dentro da
normalidade.


Entre outros temas, foi abordada a importância dos jornais como instrumento
de construção da cidadania e na formação de novos leitores.


O presidente comentou o atentado sofrido ontem pelo jornal ‘Diário de
Marília’ e informou que a Polícia Federal foi instruída a acompanhar as
investigações. [Brasília, 9 de setembro de 2005 – Nelson P. Sirotsky –
Presidente da ANJ ]


A reação dos jornalões no dia seguinte ainda foi mais estranha:


** A Folha destacou a notícia da audiência em matéria nos
confins do primeiro caderno (pág. A 14) com um título onde não se fala em
atentado nem no papel da imprensa na crise política (‘Câmara deve resposta à
sociedade, diz Lula’). Grande parte do espaço concedido à notícia foi ocupado em
nomear os 16 representantes da ANJ e os respectivos jornais.


** A matéria do Estadão foi encaixada num pé-de-página (A 13)
sem nenhum referência à reunião com Lula: tratou apenas das diligências
policiais e da captura de um suspeito.


** O Globo remeteu a notícia do encontro com a ANJ para o fim
do primeiro caderno (pág. 13, parte inferior) com um título ‘Lula defende
liberdade de imprensa’ e um entretítulo muito suspeito – ‘Lula não criticou
imprensa na cobertura da crise’.


Satisfação suspeita


Tanto no sábado como no domingo, o G-3 da mídia diária absteve-se de comentar
o atentado em suas páginas de opinião. E evaporou-se o noticiário sobre as
diligências policiais para identificar/prender criminosos e/ou mandantes.


Acontece que dias antes, em pelo menos duas ocasiões, o presidente da
República criticou abertamente a imprensa justamente por causa da cobertura da
crise política. E não foi de passagem, foi para valer.


Acontece que não foi o presidente Lula quem formulou o convite à ANJ, foi a
ANJ quem solicitou a audiência (no regime democrático o governo não convoca os
donos de jornal).


Acontece que a morna repercussão do audiência não foi acidental, foi
combinada.


Acontece que um atentado terrorista contra uma empresa jornalística costuma
provocar reações mais veementes das entidades e dos veículos de comunicação.


Acontece que tudo isso está parecendo uma grande encenação – o governo finge
que está satisfeito com o desempenho da mídia, a mídia finge que está satisfeita
com o respeito do presidente pela imprensa e, sendo assim, todos vão para casa
curtir o fim de semana como se vivêssemos no melhor dos mundos.


***




Jornal acusa ex-prefeito


Em e-mail enviado recebido por este Observatório às 21h44 de
segunda-feira (12/9), a direção do Diário de Marília aponta Abelardo
Camarinha, ex-prefeito de Marília (SP), como um dos principais suspeitos de ser
o mandante do atentado sofrido pelo jornal e suas duas emissoras de rádio, na
madrugada de quinta-feira (8/9). Camarinha foi vereador, duas vezes deputado
estadual e três vezes prefeito municipal da cidade, a última entre 2000 e
2004.


A principal evidência apontada pelo jornal é a prisão de Amaury Campoy, que
confessou ter participado do ataque e é muito ligado ao Camarinha, a quem serviu
como motorista do gabinete do então prefeito. A seguir, a íntegra da mensagem.
Na seqüência, nota publicada no site do jornal na
terça-feira (13/9). (Luiz Egypto)




—– Original Message —–


From: ‘Diario de Marília’


To:


Sent: Monday, September 12, 2005 9:44 PM


Subject: Ex-prefeito apontado como suspeito em atentado


A direção do jornal Diário de Marília e das rádios Diário FM e Dirceu
AM divulgou de forma oficial que o ex-prefeito Abelardo Camarinha figura entre
os principais suspeitos de ser mandante do atentado contra prédio das empresas.
O crime aconteceu a madrugada de quinta-feira. As empresas apresentaram as
suspeitas ao comando da investigação. A suspeita é fundamentada em alguns
fatores:


1) Amauri Campoy, único suspeito preso até o momento, é amigo pessoal, do
círculo de convivência do ex-prefeito. Preso por envolvimento no crime,
confessou sua participação e diz ter sido contratado para cometer o crime e
receberia R$ 10 mil.


2) Abelardo Camarinha tem sido alvo principal das reportagens investigativas
e críticas do Diário e das emissoras.


As empresas esperam que as próximas prisões possam dar mais detalhes sobre
grupos envolvidos no caso para rever suas suspeitas e, eventualmente, formalizar
acusações.




Acusado preso é ex-assessor de Camarinha


Copyright Diário de Marília, 13/9/2005
(http://www.diariodemarilia.com.br/ver_noticia.php?noticia=32384)


A cidade descobriu ontem mais uma ligação do ex-prefeito Abelardo Camarinha e
Amaury Campoy, o bandido confesso que participou no atentado ao jornal Diário e
as rádios Dário FM e Dirceu AM.


Campoy, amigo pessoal de Camarinha e dono de clube de jogatina no centro,
ocupou por quatro anos a função de motorista do gabinete do prefeito, um
privilégio que manteve mesmo depois de Camarinha deixar o cargo. Pior. Sem
trabalhar junto ao gabinete.


Campoy manteve o cargo público com a posse do prefeito Mário Bulgareli, que
foi vice de Camarinha no mandato anterior. Ele ficou na função até dia 9, quando
foi exonerado em função de seu envolvimento no crime. Ou seja, quando cometeu o
crime era ainda funcionário público de confiança.


A confirmação de que Amaury ocupou cargo tão próximo do ex-prefeito reforçou
a indicação de Camarinha como principal suspeito de ser mandante do crime, que
destruiu de 70% a 80% do prédio onde funcionam o jornal e as rádios.


A identificação de Campoy não é o primeiro sinal de envolvimento do grupo
político de Camarinha e uso de estrutura vinculada ao poder público na
cidade.


A polícia já sabe que um monte de retalhos deixados sobre uma máquina para
agravar o incêndio é sobra de material de confecção usado para produzir
uniformes de servidores públicos da limpeza.


A empresa responsável pela produção já foi procurada, mas nega ter entregado
o material a qualquer pessoa.


Mais que envolvido no crime, o ex-motorista de Camarinha não só admitiu sua
participação no crime como revelou detalhes da execução, que permitem
identificar toda a forma de apuração do grupo.


Campoy foi preso quando tentava fugir da cidade em uma moto.