Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

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MÍDIA & POLÍTICA
Alberto Dines

O álcool é nosso, Maluf é deles, 09/03/07

‘A visita do presidente George Bush Jr. reviveu um adjetivo que a hipocrisia vigente retirou do glossário político. Marta Suplicy o empregou publicamente pela primeira vez num debate eleitoral contra seu adversário Paulo Maluf (Outubro de 1998), classificando-o com o sonoro ‘nefasto’. Não ganhou a eleição, mas lavou a alma dos milhões de brasileiros que consideram Paulo Maluf, epítome do populismo corrupto e corruptor.

No mesmo dia em que militantes contratados faziam uma baderna anti-Bush no coração da Paulicéia Desvairada (quinta-feira), uma corte de Nova York, livre e soberanamente, enquadrou o ex-prefeito paulista como autor de um roubo. Esse é o termo exato que consta da sentença do júri popular que examinou o processo de lavagem de quase 12 milhões de dólares oriundos de superfaturamento de obras que Maluf utilizou na campanha eleitoral de 1998.

O nefasto Maluf já enfrentou os rigorosos tribunais da Suíça, Inglaterra e França, mas foi um procurador do Ministério Público ianque que teve a coragem moral para designá-lo com a qualificação apropriada: ladrão. Veio da terra do odiado Bush, a garantia legal para que nós, delirantemente anti-Bush, possamos doravante dar nome aos bois.

Caprichos do destino: há duas semanas, através de um representante qualificado, a mesma Marta Suplicy selava um pacto eleitoral para o pleito municipal de 2008 com o mesmíssimo Maluf, agora branqueado pela participação na base aliada. Uma década depois, impõe-se uma pergunta: quem é nefasto na interminável novela malufista da qual não conseguimos nos livrar?

No mesmo dia, o presidente Lula designou como ‘nefastos’ os subsídios concedidos pelo governo americano aos seus agricultores. Lula tem toda a razão: as tarifas cobradas pelos EUA para proteger os produtores de milho do qual será extraído o etanol inviabilizam a exportação em alta escala do nosso álcool produzido a partir da cana. Num mundo imperial e imperiosamente globalizado, este protecionismo é uma aberração.

O governo brasileiro sabe que os americanos terão que encontrar uma saída política ou aritmética para contornar a questão dos subsídios agrícolas, a não ser que desistam de diminuir em 20% o consumo de gasolina e, neste caso, admitam ficar a mercê dos Chávez, Qadafi e demais petro-caudilhos.

Se os americanos estão condenados a entregar os pontos em matéria de combustíveis alternativos, nós assumimos a condição de entreguistas em matéria vernacular. De repente, por modismo e mimetismo, começamos a falar em etanol, inclusive em discursos oficiais, completamente esquecidos do Pró-Álcool iniciado em 1975 pelo ministro Severo Gomes no mandato do presidente Ernesto Geisel.

Álcool etílico, etanol (em inglês, ethanol) e o genérico álcool são rigorosamente a mesma coisa, mas se defendemos nas cortes internacionais nosso inalienável direito de garantir a propriedade de nomes como o guaraná e açaí, por que razão abdicamos do álcool, palavra de origem árabe universalizada no fim do século XV por Paracelso e que no Brasil representou uma extraordinária revolução verde?

A questão pode ser considerada irrelevante num momento de tamanha fúria anti-americana. Impossível imaginar manifestantes na Avenida Paulista empunhando faixas ‘O Álcool é Nosso’, muito menos as senhoras deputadas federais levantando no plenário cartazes ‘Viva Nova York: Maluf no xadrez’.

Quando em 2000 — um ano antes do atentado ao WTC — Bush Jr. venceu Al Gore numa trapaça avalizada pela Suprema Corte, a esquerda brasileira deu de ombros alegando que eram farinha do mesmo saco. Al Gore hoje lidera uma cruzada mundial contra o aquecimento global e Bush é obrigado admitir no Memorial de Entendimento assinado com Lula nesta sexta feira que alguma coisa precisa ser feita para salvar a humanidade do apocalipse ambiental.

Neste filme o caubói e o delinqüente perderam a parada. Em algum momento teremos que reparar nestas sutilezas.’

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