Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Último Segundo


CRISE POLÍTICA
Alberto Dines


A rumbeira, os piches e os truques de Palocci, 24/03/06


‘A deputada Ângela Guadagnin teve os merecidos 15 minutos de fama, foi
atalhada pelo ministro Antônio Palocci que não permitiu a continuação do
atentando ao pudor através da exibição dos seus dotes coreográficos. Palocci fez
bem a ela e mal a ele.


A fala do ministro nesta sexta-feira depois de 11 dias de silêncio é uma obra
prima de prestidigitação e malabarismo. Depois de descrever o paraíso econômico
que ajudou a criar permitiu-se resvalar para o clima de exacerbação política e
dele para o seu inferno pessoal. Não foi feliz embora a retórica sossegada fosse
idêntica à dos pronunciamentos anteriores.


Desta vez faltou-lhe a proverbial varinha de condão capaz de converter o
ceticismo ambiental em credulidade irrestrita. Está evidente que entre Palocci e
a sociedade brasileira cavou-se um fosso que será difícil de transpor: aquele
médico do interior (cujo charme era a combinação de um discreto caipirismo e
enorme dose de sensatez), simplesmente perdeu a credibilidade.


O ministro foi uma caricatura de si mesmo ao utilizar ostensivamente o
subterfúgio. Das vezes anteriores, encarou os problemas, deu nome aos bois.
Agora menciona ameaças à tranqüilidade, esquecido de que o seu ministério da
Fazenda através da Caixa Econômica e do Coaf são os protagonistas de uma
violência sem precedentes desde a redemocratização.


A quebra do sigilo bancário do caseiro Francenildo Costa e o vazamento dos
dados confidenciais através da Polícia Federal configuram uma sórdida violação
dos direitos políticos de um humilde cidadão que ousou contar o que sabia. E
como se esta aberração não fosse suficiente para mostrar o grau de ressentimento
oficial, outro órgão do mesmo Ministério da Fazenda, o Coaf (Conselho de
Controle das Atividades Financeiras), resolve transformar a vítima em vilão ao
iniciar uma investigação a pretexto de lavagem de dinheiro.


Esta investigação é ainda mais ilegal do que a quebra do sigilo bancário de
Francenildo: o Coaf tem por obrigação examinar os cheques acima de 100 mil reais
e o cheque que Francenildo recebeu do seu pai biológico não chega a 30 mil.
Escancara-se um caso de perseguição política que só tende a desdobrar-se e
agravar-se. Dias antes, num surto demencial inexplicável, a senadora Ideli
Salvati (PT-SC) pediu que fossem examinadas todas as gravações feitas pelas
câmeras do Senado para flagrar alguma visita do caseiro a um gabinete
oposicionista.


A exacerbação política a que se referiu o ministro Palocci não caiu do céu,
não aconteceu por acaso. É decorrência do esforço histérico e persistente do
governo e do seu partido em enxovalhar Francenildo Costa e, assim, desqualificar
aquilo que declarou. No momento é esta a única exacerbação visível no cenário
político e institucional.


Sobre ela o hábilissimo Palocci não pronunciou uma única palavra, ao
contrário do candente pronunciamento do seu colega da pasta da Justiça que
condenou com veemência o vazamento das informações bancárias do caseiro,
deixando a sua Polícia Federal como única responsável pela ilegalidade. Palocci
apelou para um ‘re-equilíbrio do processo [político] ‘ mas este re-equilíbrio
depende exclusivamente dele.


Enquanto o governo e o Ministério da Fazenda insistirem na perversa tentativa
de pichação do caseiro, o piche tende a espalhar-se. Este pegajoso subproduto do
alcatrão tem atributos diabólicos. É um visgo rebelde. Pode grudar no alvo, pode
grudar no alvejador. Palocci que se cuide.’


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