Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Um ano sob censura

Ainda bem que a USP vai lembrar o tema neste agosto, em seminário internacional. A censura voltou sorrateira e ameaça instalar-se em seus nichos habituais. O preferido é o da mídia. As proibições e outros recursos da censura servem a quem tem medo dos que pensam e se expressam de modos discrepantes – quando não conflitantes – com aqueles que querem controlar a sociedade, submetendo-a a seus interesses.

Semana passada, o Estado de S.Paulo completou um ano sob censura, imposta por via judicial. No dia 31 de julho de 2009, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal proibiu o jornal de divulgar dados da Operação Boi Barrica, da Polícia Federal, que investiga o empresário Fernando Sarney, filho do ex-presidente da República e atual presidente do Senado, José Sarney.

O Estadão, em vista do pedido de desistência da ação feito por Fernando Sarney no dia 18 de dezembro de 2009, reagiu de um modo cujas razões poucos leitores entendem: o jornal não aceitou o arquivamento. O advogado Manuel Alceu Affonso Ferreira quer ver julgado o mérito da ação. Este pomo de discórdia não está infelizmente sendo discutido com a profundidade e o alcance que a questão requer. E devemos a Manuel Alceu Affonso Ferreira o combate que prossegue.

Será que a mídia está entendendo direito essas lutas do exército de um homem só, o advogado solitário que recusa perdão do mal que seu cliente não fez? Ele insiste em que o mérito seja julgado. Afinal, não se pode conferir a um indivíduo o poder de autorizar ou desautorizar um jornal a publicar o que bem querem seus editores. Naturalmente, eles e o jornal responderão por seus atos diante das leis da República, mas nunca poderão se submeter ao indivíduo, pois se assim procedessem, estariam traindo a confiança dos leitores. Esses têm o direito de ler o que quiserem e tirarem disso as suas conclusões.

Quem perde? A sociedade

A tarefa de interpretar não é do jornal, é do leitor. É esse direito que a censura tira dos leitores.

O caso ficou ainda mais complicado depois que o Conselho Especial do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, por 10 votos a 2, reconheceu que o desembargador responsável pelo veto era suspeito. Ainda assim, ao nomear novo relator, manteve a proibição por ele baixada.

E complicou-se de vez ao chegar ao Supremo Tribunal Federal. O ministro Carlos Ayres Britto, vice-presidente do STF, deixou claro que ‘não há no Brasil norma ou lei que chancele poder de censura à magistratura’. Ainda que a honra e a privacidade das pessoas imponham limites ao direito de imprensa, o ministro destacou que ‘não é pelo temor do abuso que se vai proibir o uso’.

Então, por que a censura ao Estadão continua? Não são apenas os incultos que não entendem a Justiça no Brasil. Não bastasse o juridiquês, que dificulta a leitura de peças jurídicas, frequentemente ocorre este imbróglio das instâncias.

Quem ganha com a confusão? Aquelas forças que a censura beneficia. Quem perde? A sociedade. É por isso que a questão não é do Estadão apenas e de seus leitores. É de todos os brasileiros.

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Escritor, professor da Universidade Estácio de Sá e doutor em Letras pela USP; seus livros mais recentes são o romance Goethe e Barrabás e De onde vêm as palavras