Thursday, 28 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1316

Um choque de renovação

A Gazeta de Notícias, um dos melhores jornais já publicados no Brasil, mudou a imprensa de sua época. Foi fundada em 1875, no mesmo ano que A Província de S. Paulo. Era uma folha popular, vendida a 40 réis, preço menor que o dos outros diários e muito inferior aos 100 réis cobrados pelo Jornal do Commercio, porta-voz das classes conservadoras. Em lugar de depender quase exclusivamente das assinaturas, como os outros diários, foi o primeiro jornal do Rio, e talvez do Brasil, a vender os exemplares na rua, diretamente ao público, por meio de jovens jornaleiros e colocando-o em pontos de fácil acesso. O prospecto de lançamento dizia que o jornal seria vendido nos principais quiosques, estações de bondes, barcas e em todas as estações da Estrada de Ferro D. Pedro II. O francês Bernard Grégoire, um desses vendedores de rua, usaria a experiência assim adquirida para, no ano seguinte, apregoar o jornal A Província de S. Paulo.

A linguagem do jornal era direta. Henrique Chaves, o redator-chefe, orientava por carta a Mariano Pinna, futuro correspondente em Paris: “Não deves perder de vista que a Gazeta é uma folha popular. Não deveis, pois, ter preocupações de escola na maneira de escrever. Escreve de modo que possas agradar ao maior número. Melhor do que eu, deveis saber que tudo se pode dizer, sem sacrifício de opiniões. Se te dou estes conselhos, é porque desejo e espero que tenhas um magnífico êxito nesta empresa”.

Barato, habilmente promovido, escrito de maneira inteligível, o novo jornal tinha um forte apelo para as massas. Em sua primeira página gritava: “Água, água, água” e dizia: “Já ninguém pensa em lavar-se, e se pede água é para beber. Deem-nos água pelo amor de Deus”. Registrava em reportagens, ao longo de vários meses, um surto de febre amarela e mostrava que tinha chegado ao Brasil por um navio procedente de São Tomé, na África. O jornal também reclamava da precariedade da lagoa Rodrigo de Freitas. Anos depois, publicava reportagens policiais em forma de verso. Era também uma folha corajosa, que não duvidava em enfrentar o poder em momentos em que isso era perigoso, e foi pioneira na campanha para abolir a escravidão.

Fim do século

O jornal dedicava tanta atenção ao entretenimento como à informação. O prospecto prometeu um conteúdo atraente: “Além d’um folhetim romance, a Gazeta de Notícias todos os dias dará um folhetim de atualidade. Artes, literatura, teatros, modas, acontecimentos notáveis, de tudo a Gazeta de Notícias se propõe trazer ao corrente os seus leitores”. Na verdade, publicaria até dois folhetins diários e seria mais pródigo em ilustrações, desenhos, vinhetas e atrativos visuais do que os outros jornais. Tudo isto contribuiu para sua rápida aceitação.

Segundo escreveu o vespertino A Notícia, “no dia em que a Gazeta entrava triunfalmente em cada tílburi, invadia os cortiços e as estalagens, espalhava-se pelos ‘bonds’ e pelas barcas e abria-se na boleia de cada carroça, nesse dia iniciava-se nesta capital, de hábitos tão conservadores e tão rotineiros, uma reforma cujo alcance talvez nem mesmo previssem aqueles que eram seus diretos fatores”.

Além de ser uma folha de grande aceitação por um público amplo, com seções e colunas leves, de fácil leitura, conseguiu também desenvolver um jornalismo de alta qualidade, atraindo os melhores escritores da língua portuguesa, e incentivando a cultura.

A Gazeta chegou a alcançar a mais alta tiragem da imprensa diária durante o Império. Embora as informações sejam precárias, aparentemente chegava a 6 mil exemplares já nas primeiras edições e no primeiro ano alcançou uma média de 12 mil, com picos de 18 mil. Em 1880, anunciava uma tiragem de 24 mil copias diárias, número extremamente elevado para um jornal brasileiro. De acordo com o Almanack Litterario de São Paulo de 1885, aos domingos tirava de 26 mil a 28 mil e no centenário de Camões teria chegado a mais de 40 mil, mantendo alguns dias 30 mil. Em 1890, com uma nova máquina, dizia imprimir 35 mil exemplares diários e, cinco anos depois, 40 mil.

A alma da Gazeta de Notícias era seu diretor, José Ferreira de Sousa Araújo, um dos melhores diretores de jornal que já teve este país. Ele foi um dos fundadores, junto com Manuel Carneiro e Elysio Mendes, portugueses. Os redatores-chefes eram Henrique Chaves e Lino de Assunção. No começo, a Gazeta foi dirigida por Manuel Carneiro, o idealizador do jornal; quando este vendeu suas ações para os outros sócios, dois anos depois, foi substituído na direção por Ferreira de Araújo. Ele não parecia ser a pessoa apropriada para dirigir um jornal diário importante. O jornalismo, no fim do século XIX, costumava atrair advogados ou escritores; ele era médico e clinicava ativamente em seu consultório. Sua principal experiência anterior na imprensa era a de escrever para jornais humorísticos, como O Mosquito, uma publicação semanal extremamente popular.

Primeiras charges

Uma opinião sobre o jornal e seu diretor foi publicada pelo Journal des Débats, de Paris. Seu correspondente, Max Leclerc, escreveu que os dois maiores jornais do Brasil eram o Jornal do Commercio e a Gazeta de Notícias. Segundo ele: “A Gazeta de Notícias é muito diferente, sua imparcialidade não consiste em registrar passivamente os acontecimentos; tem como redator-chefe o doutor Ferreira de Araújo e nisso está sua força. O doutor Araújo é um excelente jornalista: julga os homens e os acontecimentos com condescendente malícia, escreve com uma precisão, uma elegância e uma sobriedade raras; eu o coloco nessa elite de brasileiros muito cultos, muito superiores aos seus concidadãos; ele tem temperamento, caráter, espírito elevado, a inteligência amplamente aberta. Julgou de pé o Império, declarou-se republicano por uma questão racional; proclamada a República, estabelecida a ditadura, conservou sua independência de julgamento. Nas questões de que ele trata, sua opinião é em geral decisiva. Ele é talvez o único em seu jornal e em seu país a ter uma ideia, e uma ideia justa, da verdadeira missão do jornalismo, mas, sozinho, não conseguirá levar a cabo a tarefa”. Para Leclerc, a Gazeta ostentava certa independência, um certo ceticismo trombeteiro semelhante ao do Le Figaro na França.

Ele também disse que, num momento em que a imprensa, atemorizada pelo fechamento da Tribuna Liberal, se abstinha de criticar o governo provisório, instalado na proclamação da República, foi “um corajoso e brilhante jornalista, Ferreira de Araújo, quem deu a voz de ataque na Gazeta de Notícias contra as medidas econômicas de Ruy Barbosa, no que foi seguido pelo resto dos jornais”. Num gesto de cortesia, Francisco Antônio Picot, o principal executivo de seu maior concorrente, o Jornal do Commercio, o diário mais influente da época, escreveu numa carta que dava a razão a Leclerc “quando chama Ferreira de Araújo brilhante e corajoso”.

Segundo escreveu o Jornal do Commercio, vários jornais tentaram imitá-lo, mas a única folha que sobreviveu foi a Gazeta de Notícias, por seguir uma “direção totalmente diversa à do Jornal, pois colocou-se sempre em antagonismo, em oposição sistemática a todos os governos”. A Gazeta, de tendência liberal, era muito mais crítica do poder público.

No Jornal do Commercio, pode perceber-se uma preocupação com o avanço e a crescente influência do concorrente. Picot escrevia desde Paris: “Não me admira o aumento (da tiragem) da Gazeta, a qual, pelo simples fato de fazer oposição, numa quadra tão melindrosa como a que atravessamos, deve ser mais procurada, embora a impressão seja péssima e as caricaturas medonhas”. Ele também reconheceu, por ocasião de uma reforma ministerial, que “a Gazeta explicou a seus leitores o motivo das mudanças”, e acrescentou: “A Gazeta atira-se mais; ferra as suas alfinetadas profundas e repetidas. Sei que o Jornal obedece a outras preocupações, e não o incrimino”. Em outra ocasião, ele comentou: “A Gazeta de Notícias foi mais audaz”, um tipo de observação que repetiria com frequência. Estas observações deixam evidente o contraste entre o Jornal do Commercio, mais prudente e neutro em seu noticiário e nos editoriais, e a Gazeta de Notícias, mais explicativa e interpretativa. Picot sentiu falta no Jornal destas qualidades do concorrente.

Como observou Picot, nos primeiros anos, a impressão da Gazeta de Notícias era extremamente precária. Teve que modernizar-se. Encomendou uma rotativa Marinoni, a primeira da América do Sul. Em 1890, o jornal se orgulhava da grande capacidade de seus novos equipamentos, que possibilitavam tiragens superiores a 40 mil exemplares, e que “nenhuma outra tipografia da capital ou do Império pode tão rapidamente imprimir”. Mais tarde, importaria a primeira rotativa de quatro cilindros da América do Sul, que lhe permitiu a publicação de ilustrações coloridas.

A Gazeta inovou graficamente a imprensa brasileira. “Lulu Sênior”, pseudônimo de Ferreira de Araújo, escreveu que o jornal tinha iniciado na imprensa do Rio o serviço de zincografia, “os bonecos, como o público lhes chama”. Anteriormente, em 1896, tinha sido o pioneiro na publicação dos “portraits-charges”, de políticos e figuras da atualidade. Eram as “Caricaturas Instantâneas”, com texto de Lúcio de Mendonça e desenho de Julião Machado, extremamente populares, embora posteriormente fosse superado nessa área pelo Jornal do Brasil.

Folhetins populares

O prestígio da Gazeta entre os intelectuais se deveu à qualidade da colaboração literária, remunerada, como enfatiza Álvaro Santos Simões Júnior em sua obra A Sátira do Parnaso. A nova folha foi uma grande incentivadora das artes e da cultura. Uma coluna coletiva de forte apelo, na qual colaborou cerca de uma dúzia dos mais destacados escritores do momento, todos com pseudônimo, foi “Balas de Estalo”, de assuntos variados da atualidade, leves e absurdos, sérios ou pitorescos, publicada entre 1883 e 1886. Machado de Assis assinava como “Lelio”.

Possivelmente, as mais destacadas colaborações de Machado de Assis na imprensa tenham sido para a Gazeta de Notícias, onde herdou de Ferreira de Menezes o folhetim dominical “A Semana”. Também escrevia uma das colunas de maior prestígio, “Bons Dias!”, sobre a vida do Rio, com humor benévolo e zombeteiro, que encerrava com “Boas noites”, como se fosse a assinatura. Em sua longa colaboração, Machado de Assis escreveu mais de 500 crônicas e folhetins para a Gazeta de Notícias. O que não impediu que o jornal publicasse em 1908 uma carta aberta atacando sua obra e sua vida pessoal.

O sonho do poeta parnasiano Olavo Bilac, quando jovem, era colaborar regularmente na Gazeta de Notícias. Ao completar 13 anos como colaborador do jornal, lembrou “…o tempo em que, desconhecido e feliz, com a cabeça cheia de versos, eu parava muitas vezes aí defronte, naquela feia esquina da travessa do Ouvidor, e ficava a namorar, com olhos gulosos, essas duas portas estreitas que, para a minha ambição literária, eram as portas de ouro da fama e da glória. Nunca houve dama, fidalga e bela, que mais inacessível parecesse ao amor de um pobre namorado: escrever na Gazeta! Ser colaborador da Gazeta, ser da casa, estar ao lado da gente ilustre que lhe dava brilho! Que sonho! (…). Era uma linda rapariga amada e querida por todos, alegre como um canário, fresca como uma madrugada, e servida por um bando de admiradores. (…)

E adiante: “Quando as minhas mãos abriam a Gazeta e os meus olhos liam os nomes de alguns desses mestres, assinando um soneto, uma crônica, uma novela, parecia-me estar vendo um ídolo, uma ara de ouro puro, incensado pela admiração e pelo aplauso de um milhão de homens. É que a Gazeta, naquele tempo, era consagradora por excelência”.

O sonho, aparentemente inacessível, começou a tornar-se realidade aos 18 anos, com a publicação do poema “Nero”, por intermediação de Alberto de Oliveira, em 1884. “Nunca esquecerei, em cem anos que viva, a manhã do ano 1884, em que vi um dos meus primeiros sonetos na primeira página desta amada folha. (…) Doce e clara manhã! – talvez fosse, realmente, uma agreste manhã, feia e chuvosa; mas a minha alegria, o meu orgulho de rimador novato, a minha vaidade de poeta ‘impresso’ eram capazes de acender um sol de verão na mais nevoenta alvorada de inverno.”

Mas isso não era suficiente. Como escreveria: “O que eu queria era ter aqui o meu lugar marcado, o meu cantinho de coluna, o meu lugar de posse. (…) Esta satisfação tardou, mas veio”. Ela se concretizou a partir de 1890, quando Bilac passou a escrever todas as semanas, praticamente sem interrupção. Na Gazeta ele escreveria colunas, reportagens, crítica, versos fesceninos, poemas satíricos. Diz Elói Pontes que, com a presença de Bilac e de Pardal Mallet, a Gazeta de Notícias se tornou mais inquieta e audaciosa. Bilac substituiu Machado de Assis no folhetim “A Semana”, em 1897, mudando depois seu nome para “Crônica”, das quais publicou mais de 500, além de críticas e poesia no jornal. Confessa o fascínio que o jornalismo exerce sobre ele:

“Um pobre rabiscador de crônicas principia a escrever uma seção diária, numa folha, por necessidade ou por desfastio; dentro de poucos meses, já a escreve por gosto; e dentro de menos de dois anos, escreve-a por paixão – por uma dessas paixões que são feitas ao mesmo tempo de amor e de hábito, de prazer e de vício, de revolta e de ciúme – cativeiro voluntário, que o cativo às vezes amaldiçoa, mas do qual não se quer libertar”.

Mas sua paixão pela crônica e pelo jornalismo não impediu que o poeta parnasiano, sempre escasso de dinheiro, também arriscasse umas tentativas como publicitário. Chegou a escrever, embaixo de sua crônica dominical “A Vida Brasileira”, anúncios como este:

“Aviso a quem é fumante

Tanto o príncipe de Gales

Como Campos Salles

Usam fósforos Brilhante”

Segundo escreveu Simões Júnior, “na Gazeta de Notícias (Bilac) defendeu as qualidades insuperáveis da Vela Brasileira e do Sabão da Luz e garantiu a eficácia dos medicamentos da Casa Werneck. Na festa da reinauguração da Casa Colombo, que havia sido destruída por incêndio, Bilac declamou ‘primorosas quintilhas’ em louvor do caráter diligente de Antônio Portela, proprietário do estabelecimento especializado em tecidos, aviamentos, roupas e artigos de papelaria”.

Bilac também tinha sólidas convicções políticas e suas crônicas o colocaram em confronto com o governo. Áspero crítico do presidente Floriano Peixoto (1891-94), contra quem chegou a conspirar, foi preso três vezes e teve que esconder-se em Minas Gerais para evitar uma nova prisão. Em 1908, desgostoso com as críticas recebidas ao organizar a Agência Americana de notícias, com ajuda do Itamaraty, ele parou de escrever nos jornais.

O romancista Raul Pompeia publicou um de seus melhores romances, O Ateneu, na Gazeta, onde também apareceram os folhetins populares de França Júnior e o folhetim “Semana Política” de José do Patrocínio, assinado com o pseudônimo de Proudhomme. Na Gazeta ele começou sua carreira como repórter e iniciou sua campanha pela abolição da escravidão. Arthur Azevedo era o crítico de teatro.

“Brilhante reformador”

A Gazeta de Notícias manteve estreito relacionamento com os principais escritores de Portugal, no final do século XIX. Publicou algumas das melhores páginas da literatura desse país. O intermediário foi Ramalho Ortigão, correspondente do jornal em Lisboa, de onde mandava as “Cartas Portuguesas”. O historiador português Oliveira Martins foi responsável, durante vários anos, por balanços sobre a situação da Europa. Fialho de Almeida pediu a intermediação de Ramalho Ortigão: “Eu tinha grande interesse em colaborar na Gazeta de Notícias do Rio – motivos vários – já pelas compensações materiais que ela faculta, já pela liberdade de ação que oferece aos escritores, já pela esfera do público…” Mais tarde, quando foi lançado o Jornal do Brasil, Fialho seria seu correspondente em Lisboa.

O principal colaborador português da Gazeta de Notícias, e onde publicou algumas de suas melhores páginas, foi Eça de Queiroz, que, ao lado de Machado de Assis, é considerado o melhor escritor em língua portuguesa do século XIX. Ele começou a escrever na Gazeta também por intermediação de Ramalho Ortigão, depois de uma tentativa fracassada de colaborar no Jornal do Commercio. Suas primeiras crônicas, escritas de Londres, onde era cônsul de Portugal, foram publicadas com o nome de “Cartas da Inglaterra” (1880-82). Continuou escrevendo para o jornal quando foi morar em Paris.

Além das crônicas, Eça de Queiroz publicou na Gazeta, como folhetins de rodapé, o romance A Relíquia, em 1887, os dois últimos capítulos de Os Maias, vários contos e algumas das Cartas de Fradique Mendes. Escreveu também O Defunto, uma obra-prima, segundo Olavo Bilac, “que bastaria para dar, em qualquer literatura, antiga ou moderna, ao escritor o bastão de maioral das letras”. Eça também coordenou em 1892 uma seção à que deu o nome de “Supplemento Litterario da Gazeta de Notícias”. Foi o primeiro suplemento literário publicado pela imprensa brasileira.

Simões Júnior observa que a irreverência era uma característica da Gazeta de Notícias, cujo humor se refletia em quase todas as seções. Quando a censura eclesiástica proibiu a representação da obra Os Lazaristas no Conservatório Municipal, o jornal protestou e, como não conseguiu anular a decisão, resolveu publicar o texto, em forma de folhetim. O jornal publicou várias colunas satíricas diárias. “O Filhote”, a mais leve e irreverente, uma paródia da Gazeta, era escrita por Olavo Bilac, Guimarães Passos, Coelho Neto e outros jornalistas. Tornou-se tão popular, que a empresa decidiu transformá-la em jornal com esse mesmo nome, O Filhote – uma espécie de edição vespertina da Gazeta, em formato menor. O preço dos dois jornais era o mesmo, 100 réis. Mas, quando foi cortado o cordão umbilical e publicado como jornal separado, O Filhote ficou mais sisudo e perdeu o humor. Durou cinco meses. Morto O Filhote, a Gazeta voltou a publicar uma seção de humor, “O Engrossa”, que na época significava bajulação; não teve o mesmo apelo do seu antecessor. Outra coluna irreverente foi “Casa de Doidos”.

Embora independente de partidos, politicamente seguiu uma linha liberal. Foi o primeiro jornal a fazer campanha a favor da abolição da escravatura e se bateu pela liberdade de religião. Desenvolveu uma excelente cobertura internacional, montando uma rede de correspondentes de alto nível na França, Alemanha, Itália, Inglaterra, Portugal, com um custo elevado, e contratando agências telegráficas.

Ao completar os 23 anos, a Gazeta escreveu:

“Começamos sem pretensões, e quase sem programa. Queríamos fazer uma folha diversa das que então havia, e que eram de um lado o Jornal do Commercio, sério e grave, sem se envolver em polêmicas, sempre sistematicamente posto ao lado do governo, por amor da ordem, e do outro, folhas partidárias, com todas suas paixões mais ou menos violentas, mais ou menos intolerantes. Queríamos ser, e fomos, e temos sido imprensa neutra (…). Quanto às instituições então vigentes, o nosso papel consistiu, se assim podemos nos exprimir, em faltar-lhes ao respeito. Um velho prestígio as cercava, que fazia parte dos costumes, e esta imprensa neutra, que não tinha compromissos, permitiu-se achar alguns desses costumes anacrônicos e ridículos, e como éramos moços, levamos a cousa a rir”.

Em 1900, seis dias depois de Eça de Queiroz, morreu Ferreira de Araújo, o artífice do jornal, que segundo Nelson Werneck Sodré, era o melhor da época. Olavo Bilac disse que “era de uma superioridade intelectual, ao serviço de uma superioridade moral”. Cinco anos mais tarde, ele escreveu:

“Se já temos – nós, os que escrevemos – um público, pequeno, mas inteligente, devemo-lo, em grande parte, a esse mestre exemplar, que, num tempo em que a imprensa diária ainda era um luxo caro, decidiu colocá-la ao alcance de todos, barateando-a, e popularizando-a. Foi ele quem chamou ao jornal a gente moça, que se ensaiava nas letras. Na Gazeta de Notícias, que possuía a colaboração preciosa de Machado de Assis, de Eça de Queirós e de Ramalho Ortigão – começaram a aparecer os rapazes cheios de talento, mas ainda sem nome, que daquelas colunas se impuseram ao público […] Foi também na Gazeta que os pintores, os escultores, os músicos encontraram sempre defesa, amparo, propaganda. Ferreira de Araújo adorava todas as artes.”

Ainda segundo Bilac, “o jornalismo, compreendido como o compreendeu Ferreira de Araújo, é arte, e é poesia. Esses dois serviços prestados por Ferreira de Araújo: a democratização da imprensa diária e o apoio dado a uma geração literária e artística, cujo talento não tinha campo onde se pudesse exercitar, já bastariam para tornar inesquecível o seu nome, na história da inteligência brasileira”.

Para o Jornal do Commercio, Ferreira de Araújo foi “o brilhante reformador dos antigos moldes jornalísticos do Brasil”. E, segundo Gondim da Fonseca, “Ferreira de Araújo foi um sujeito notável, um renovador. E o seu jornal, a Gazeta de Notícias, o melhor dos melhores – onde França Júnior e dezenas de outros cronistas cintilaram. Quintino Bocayuva admirava muito Ferreira de Araújo”. Sem ele, o jornal perdeu seu principal animador e a malícia condescendente mencionada por Leclerc.