Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Um direito novo em 90 anos

Os nove decênios vividos pela Folha, comemorados hoje, assinalam no campo do direito uma curiosidade: nenhuma lei importante válida em 1921 continua em pleno vigor. Começando pela Constituição de 1891, quando o nome oficial de nosso país era ‘Estados Unidos do Brasil’, mantido até a de 1946.

A Carta de 1934 teve vida curta, substituída pela de 1937 no chamado Estado Novo, revogada pela de 1946. A sobrevivência desta foi cortada em 1961, quando a renúncia de Jânio Quadros gerou o Ato Adicional que instalou o parlamentarismo sob o Conselho de Ministros. Retornou ao presidencialismo sob João Goulart, cassado pela ditadura de 1964. Sob as Forças Armadas, predominou sucessiva escolha de generais ou marechais do Exército para a Presidência, imposta ao Legislativo. Originaram modificações constitucionais em 1967 e 1969 (chamada de emenda nº 1). Foram tempos de censura e de perseguição a quem fosse tido por inimigo do regime.

No rol das codificações, o Código Comercial de 1850 foi exceção, editado por Pedro 2º. Em 1921, já havia recebido modificações até a revogação dos arts. 1º a 456, em 2002, com mudanças nos demais. No direito comercial, a Lei de Falências veio em 1945, até que substituída em 2005; a das sociedades por ações, de 1940, foi trocada em 1976 (lei nº 6.404), também muito emendada desde então. O Código Civil modificou a lei da sociedade por quotas (decreto nº 3.708, de 1919).

O crescimento populacional nestes 90 anos espalhou-se por todo o território, com novos aglomerados urbanos. Inovaram usos e costumes na troca do campo pela cidade. Estimularam a miscigenação.

Compromissos do jornalismo

Em 1916 não se falava de prédios em condomínio, de alienação fiduciária. A organização integral dos registros públicos se compôs em 1939, com inovação extensa em 1973, na dinâmica das atualizações. No direito penal, o código de 1940 teve substituída sua parte geral entre 1984 e 1998. O Processo Penal de 1942 sofreu dezenas de acréscimos em variados campos de sua aplicação, aí incluídos processos por crimes de imprensa, cuja lei nº 5.250/ 67 foi julgada inconstitucional pelo STF (Supremo Tribunal Federal), em acórdão do ministro Ayres Britto.

O direito apanhou da inflação. Abandonou o mil réis (1942) pelo cruzeiro, abrindo a confusa nomenclatura subsequente: cruzeiro novo (1967), voltou a cruzeiro (1970), cruzado (1986), cruzeiro novo (1989), cruzeiro outra vez (1990), cruzeiro real (1993) e, até hoje, real (1995).

Mesmo com tantas mudanças, o direito não acompanhou as variantes sociais. Demorou para reconhecer a participação da mulher na atividade remunerada fora do lar (Consolidação das Leis do Trabalho, em 1943). A Lei do Condomínio e da Incorporação, em 1964, sucedeu o fraco decreto de 1928. O divórcio veio em 1977, o Código do Consumidor, em 1990. A lei de águas é de 1934 e reclama emendas consolidadas. A longevidade do ser humano deu atenção tardia ao legislador, com o Estatuto do Idoso (2003), antecedido no polo da criança e do adolescente pelo ECA, de 1990.

As alterações ou inovações parecem um turbilhão, mas há muito que fazer para ajustar direito e realidade. Nessa tarefa, os compromissos do jornalismo crescem de significado, a exigirem redobrada atenção para a liberdade de manifestação.

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Advogado, colunista da Folha de S.Paulo