Friday, 15 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Um fenômeno emergente

Considero que o jornalismo narrativo produzido hoje na América Latina está num patamar tão alto quanto o dos Estados Unidos. A maior diferença entre eles é de tom. O padrão de qualidade da escrita está lá, assim como a abrangência e a profundidade. Mas não existe ainda um ‘estilo’ latino-americano amplamente reconhecível, o que é um reflexo do fato de ser um fenômeno emergente. Ainda se notam nele marcas de influência do jornalismo narrativo americano e europeu traduzido para espanhol e português, que tem sido muito estudado em universidades latino-americanas nas últimas duas décadas. Penso, obviamente, nos mais aclamados mestres do Novo Jornalismo, Truman Capote e Tom Wolfe, e também em Ryszard Kapuscinski.

Destaco, além deles, a enorme influência de Alma Guillermoprieto, colaboradora das revistas The New Yorker e The New York Review of Books e autora de vários livros elogiados de jornalismo narrativo, uma rara figura de trânsito entre o universo anglófono do jornalismo de qualidade e o latino-americano. Com dupla cidadania do México e dos Estados Unidos, e como alguém que fez seu nome no jornalismo americano mas sempre buscou publicar simultaneamente em espanhol, ela tem um impacto extraordinário como mentora e inspiração para jovens latino-americanos aspirantes a uma carreira (e uma voz) no jornalismo narrativo.

Nova geração

Alma Guillermoprieto é co-fundadora da Fundación Nuevo Periodismo Iberoamericano (FNPI) e hoje faz parte de seu conselho diretor. Criada em 1995 por Gabriel García Márquez, a FNPI tem aberto novos canais para jovens jornalistas latino-americanos, oferecendo uma plataforma educacional através de oficinas, bolsas e prêmios. Ela também libertou as novas gerações da polarização ideológica típica do jornalismo latino-americano durante a Guerra Fria, que condenou o trabalho de escritores e pensadores respeitáveis aos escombros da História, junto com os panfletos que publicaram. Hoje há uma fome por jornalismo narrativo de qualidade na região, que acredito vir da percepção dessa marginalidade e do desejo da nova geração de se fazer ouvir, de dar uma contribuição original e singularmente latino-americana ao debate global de ideias.

Além de Alma Guillermoprieto, a FNPI reúne jornalistas talentosos e respeitados como Martín Caparrós (Argentina), Sergio Ramírez (Nicarágua), Juan Villoro (México), Héctor Abad Faciolince (Colômbia) e Hector Feliciano (Porto Rico), entre outros, além de ter contado com o apoio dos falecidos Tomás Eloy Martínez e Carlos Monsiváis. Todos eles têm contribuído com o crescente cânone do jornalismo literário latino-americano.

Na última década, a América Latina testemunhou um verdadeiro boom de publicações dedicadas ao jornalismo narrativo, impulsionadas em parte pela FNPI, mas também pelas mudanças econômicas e políticas que varreram a região desde o fim da Guerra Fria (por exemplo, hoje há mais latino-americanos viajando e vivendo no exterior, e frequentando escolas de jornalismo nos Estados Unidos, como Columbia e Berkeley). São revistas impressas e online, como piauí, Etiqueta Negra, Gatopardo, The Clinic, El Puercoespín, Prodavinci, El Malpensante, Marcapasos, El Faro, Letras Libres e Sexto Piso, para citar apenas algumas. Muitas editoras abriram espaço para acomodar esse boom no jornalismo literário: no Brasil, Objetiva e Companhia das Letras; na Colômbia, Norma; na Venezuela, Debate; no México, Seix Barral, Sexto Piso e Almadia; há inúmeras outras. A revista Granta ganhou edições em espanhol e português.

Essa nova geração de repórteres tem seus textos publicados em inglês também: a revista The Virginia Quarterly Review dedicou uma edição inteira ao jornalismo da América Latina há alguns anos, e foi indicada ao prestigioso National Magazine Award por isso.

Novas vozes

Entre as assinaturas incluídas naquele número estavam, entre outras, as de cinco notáveis peruanos cujos nomes ressoam em círculos jornalísticos de todo o hemisfério: Julio Villanueva Chang (ex-aluno da FNPI e editor-fundador da Etiqueta Negra, o exemplo mais consistente e original do gênero na América Latina); Daniel Alarcón, Daniel Titinger, Gabriela Weiner e Toño Angulo.

Com mais veículos nos quais publicar, e mais dinheiro sustentando essas empreitadas, é de se esperar que outros talentos da região terão suas vozes ouvidas também, e de forma mais consistente do que tem acontecido até agora.

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Repórter da revista The New Yorker, colaborador da FNPI e de diversas revistas latino-americanas