Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Um jornal em busca de sua independência

O affaire Dominique Strauss-Kahn serviu de revelador de um mal-estar na imprensa francesa. Primeiramente, desencadeou uma violenta e salutar discussão sobre o machismo que impera na mídia. Ele explicaria a ormertà que, segundo as feministas, protegeu DSK, cujas aventuras circulavam em todas as redações.

Em seguida vieram reações como a dos jornalistas do Figaro, jornal de direita, alinhado ao sarkozismo. O proprietário, Serge Dassault, é conhecido por vender Rafales e outras armas pesadas mas também faz política. Eleito senador, ele foi durante vários anos prefeito da pequena cidade de Corbeil-Essonne (na França o cumul des mandats permite que um prefeito acumule o mandato com o de deputado ou de senador). Ora, ao comprar o jornal Le Figaro em 2004, Serge seguia os passos de seu pai, Marcel Dassault, que já fora proprietário do jornal Jours de France. Logo depois da guerra, a família Bloch se converteu ao catolicismo em 1950, já com o nome Dassault, e o velho Marcel vendia armas e tentava manter uma influência na mídia.

Ao assumir o controle majoritário do jornal Le Figaro, Serge Dassault talvez não esperasse encontrar um osso duro de roer. Esqueceu-se da tradicional independência dos jornalistas franceses em relação ao acionista dos jornais. Apesar de saberem que o jornal é um aliado natural da direita francesa e do partido do presidente Sarkozy em particular, os jornalistas do Figaro não aceitaram a ingerência do novo patrão bilionário e pretendem manter a independência editorial.

Na França, as redações não se sujeitam aos patrões, quem manda nos jornais é o corpo de jornalistas associado nas diversas Sociétés des Journalistes. Ora, a cobertura do affaire DSK feita pelo Figaro começou a tentar tirar partido político do caso (Strauss-Kahn, sendo socialista, é um adversário político de Dassault) e disso os jornalistas do diário da direita liberal não gostaram.

“Existe entre os jornalistas um certo cansaço. Os ângulos de cobertura são sempre os mesmos: bater com força na esquerda e na direita só criticar os inimigos pessoais de Sarkozy”, diz um jornalista que não quis se identificar. Nas conversas durante o cafezinho, os jornalistas são mais francos : a campanha eleitoral já começou e não vai poder durar um ano nesse ritmo. A maioria dos jornalistas do Figaro tem dificuldades em aceitar que o jornal se torne um boletim informativo da UMP (Union pour un Mouvement Populaire), partido de Sarkozy. Recentemente, o affaire DSK renovou o descontentamento dos jornalistas que defendem uma linha editorial independente dos interesses de Dassault. No ano passado, eles já tinham denunciado um mal-estar com o que consideravam excessivo: a cobertura sempre com um parti pris na defesa de Sarkozy.

Página interna

A história mais emblemática da independência do jornal em relação a Dassault foi a recusa dos jornalistas do Figaro de publicarem uma notícia com foto do patrão em um evento considerado sem grande importância. A foto não foi publicada na primeira página, como queria Dassault, e ganhou um pequeno espaço numa página interna. Obviamente, em nenhum outro jornal francês Dassault mereceu as poucas linhas laudatórias. Quando Le Monde ou Libération falam dele é para noticiar denúncias de manipulação eleitoral ou compra de votos que o bilionário faz para se eleger prefeito ou senador. Em setembro, o velho industrial será candidato ao senado mais uma vez pelo partido de seu amigo Sarkozy.

Um jornalista chega a comparar a direção do jornal (o diretor Etienne Mougeotte assumiu o jornal em 2007) a uma “ditadura mansa”, que tenta impor assuntos e enfoques do agrado do patrão Dassault, com quem o diretor mantém uma linha direta.

Uma das preocupações do jornal é o tratamento dado ao Brasil. Desde que a venda de Rafales das empresas Dassault foi dada como certa para logo depois ser colocada na lista de espera das prioridades do governo Lula e em seguida do governo Dilma, o Brasil é cortejado pelo jornal e o noticiário ligado ao “gigante da América Latina” se tornou assunto sensível.

Dizem as más línguas que o ex-redator chefe Nicolas Beytout teria deixado o jornal com uma coleção de faxes de Dassault pedindo modificações nas matérias a serem publicadas. Na França, esses faxes poderiam ser utilizados como prova de uma tentativa de ingerência do acionista principal, tentando anular a independência dos jornalistas responsáveis pelo diário.

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[Leneide Duarte-Plon é jornalista, em Paris]