No princípio, era um jornal libertário de esquerda, em 1973, quando Jean-Paul Sartre e Serge July, emblemáticos fundadores, o criaram. Com a invenção da internet, surgiu o site com equipe autônoma. Hoje, o Libération é definido pelo diretor de redação Laurent Joffrin como “um site que publica um diário”. Mudou o mundo e mudou o jornalismo.
Outros tempos começam para o jornal totalmente repaginado a partir de 1º de junho, inaugurando uma nova relação entre o jornal de papel e seu site. Na primeira página, o jornal resumiu em poucas palavras “o novo capítulo de sua história na defesa dos valores de um jornalismo livre, crítico e impertinente”.
O grupo Altice Media Groupe que adquiriu a maior parte das ações de Libération no ano passado, depois de longo período de crise, pertence ao bilionário franco-israelense Patrick Drahi, proprietário em Israel do canal de informação i24 News, que comprou na França também a revista semanal L’Express.
Não se sabe se o novo Libé vai agradar aos antigos e fiéis leitores que garantem vendas de cerca de 95 mil exemplares por dia, num mercado rico em ofertas de diários de todos os matizes políticos, entre os quais o jornal sempre se alinhou à esquerda.
Para Joffrin, o importante é reconquistar leitores para equilibrar as contas pois os novos acionistas, apesar de garantirem a total liberdade da redação, não querem perder dinheiro. Drahi espera um equilíbrio das contas até o fim de 2015, segundo informou o jornal Le Monde.
Problema principal
O novo Libération tem diante de si um desafio: manter os antigos leitores e conquistar novos fiéis. O problema é que os antigos talvez não se reconheçam num jornal tão diferente, feito por uma nova geração que se afirma “distante de todos os partidos políticos”, enquanto o diário de Sartre e July pretendia defender as causas e os valores da esquerda engajada.
Citado por Umberto Eco em entrevista ao Le Monde, Hegel dizia que a leitura dos jornais era “a prece cotidiana do homem moderno”. Mas o homem moderno lê cada vez mais em computadores, iPads ou smartphones. O jornal de papel é quase um OVNI para as novas gerações, que não parecem muito interessadas em aprofundar e analisar os flashes de notícias que tiveram na véspera em suas telinhas portáteis.
A diagramação “moderna” do novo Libé comporta duas páginas denominadas “Expresso”, que não passam de notícias expressas para leitores apressados. De um ano para cá, 108 assalariados deixaram o jornal que hoje é feito por 180 pessoas, entre as quais 130 jornalistas, muitos dos quais em início de carreira, sem ligação alguma com a mitológica história do jornal.
No caderno de quatro páginas publicado pelo próprio Libération na véspera da inauguração do novo look, uma delas era dedicada aos dez princípios que garantem a total independência editorial da redação em relação aos acionistas, o Código de Deontologia. Em resumo eles dizem:
- O jornal é totalmente independente dos poderes políticos e de seus próprios acionistas. A redação trabalha em condições que permitem uma informação confiável, livre e de qualidade;
- Acionistas e não-acionistas têm o mesmo tratamento jornalístico quando forem objeto de reportagens do jornal;
- O diretor de redação é proposto pelo gerente da Sociedade que dirige o jornal, SARL Libération, e deve ser aprovado em votação pelos empregados do jornal.
A nova fase do Libé foi inaugurada com uma capa que tratava do sucesso do filme La loi du marché, de Stéphane Brizé, que deu o prêmio de melhor ator a Vincent Lindon, no Festival de Cannes. Lançado em Paris na semana do festival, o filme enche as salas de entusiasmados espectadores que se deparam com uma performance extraordinária de Lindon na pele de um homem em busca de um emprego. Fiel a seu estilo, Libération analisa o fenômeno em que o filme se transformou com o título “Le chômage superstar” (O desemprego superstar). O desemprego, principal problema econômico da França, não para de crescer.
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Leneide Duarte-Plon é jornalista, em Paris