Saturday, 02 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1312

Um olho no futuro e outro na vocação histórica



A autora foi selecionada em abril para atuar como pesquisadora do Observatório da Imprensa no rádio e do blogue Em Cima da Mídia em convênio com a Oboré Projetos Especiais, onde ela faz parte da turma de estudantes que participam do projeto Repórter do Futuro. Fica aqui o agradecimento ao jornalista Sérgio Gomes da Silva, diretor da Oboré, pela sugestão e pela ajuda concreta no processo seletivo.


Tatiane Klein participou do 2º Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo, promovido nos dias 18 e 19 de maio, em São Paulo, pela Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo), e escreveu o seguinte relato. (Mauro Malin)


Há sempre o que ser discutido sobre se o termo ‘jornalismo investigativo’ não é mais que uma redundância. Mas se a investigação é a condicionante primeira do bom trabalho jornalístico, é principalmente por meio da qualificação dela que se podem pensar as novas conformações para o cenário profissional do país. Este foi um dos papéis do 2º Congresso promovido pela Abraji: trazer para a ordem do dia valiosos questionamentos éticos, práticos e teóricos.


Nos elevadores e corredores da Faculdade Cásper Líbero espalhavam-se rodinhas de estudantes e jornalistas em discussão à espera do início dos debates que, nos dois dias de congresso, iniciavam-se às nove da manhã e se estendiam até o início da noite. A abertura havia ocorrido na quinta-feira, dia 17, na Universidade Presbiteriana Mackenzie com homenagem ao jornalista Joel Silveira. Somaram-se 60 mesas de cursos, palestras e debates.


O jornalista e professor da Escola de Comunicação e Artes da USP Cláudio Júlio Tognolli, integrante da comissão organizadora do Congresso, diz que talvez mais importantes que as próprias palestras foram as trocas de idéias em horários de almoço e jantar – e, segundo Tognolli, esta face informal do evento foi muito silenciada. Ele conta ter discutido muito com Rosental Calmon Alves, professor da Universidade do Texas em Austin (EUA), um dos jornalistas/palestrantes no Congresso, sobre o famigerado ‘fim do jornalismo impresso’.


‘O jornalista é uma raça muito arrogante’, lança Tognolli. Ele reitera falas como a da jornalista Angelina Nunes, do Globo, que testemunhou em sua palestra – ‘Investigação jornalística – Como trabalhar em equipe’ – um código de ação profissional pautado pela idéia de comunhão de informações. Angelina, que compara o trabalho da equipe investigativa ao exercício coral, fez parte do grupo de sete jornalistas que assinaram a série de reportagens ‘Os homens de bens da Alerj’, ganhadora do Prêmio Esso de Jornalismo de 2004.


Sujeito do processo


A idéia de que a democratização desenfreada do acesso à informação, propiciada pela corrente revolução tecnológica, gerou modificações expressivas nas formas de produção e recepção dos conteúdos jornalísticos já é quase um truísmo. Mais além, a discussão se dá no sentido da necessidade de o jornalismo impresso renovar seus valores deontológicos e, concomitantemente, os pragmáticos.


Para Tognolli, chegou a hora de o jornalista descer de sua torre de marfim e passar a dividir a cena com o leitor – aqui os blogues têm papel essencial e, segundo ele, também revolucionário. Fragmentar e plurificar lugares-de-fala jornalísticos, via internet, significa também minar o poder simbólico de um ideal de mídia que alimenta o poder real das grandes corporações: ‘Enquanto catalisadoras de informação, as corporações estão com os dias contados’, avalia.


E como fica a situação da vertente investigativa, nesse cenário? ‘O jornalismo investigativo vai passar a ser jornalismo instigativo.’ O professor depreende das conversas com Rosental que o papel do jornalista é agora, e será cada vez mais, o de agregar conteúdos, trabalhando com convites para que o leitor faça parte direta no recorte e desenvolvimento de pautas. O modelo é o do crowdsurfing: o jornalista ‘pergunta’ ao leitor como ele pode ajudar em tal apuração e, então, sensível à sua condição de sujeito nos processos produção jornalística, fica explícita, àquele que se restringia a passar olhos pela folha, a necessidade de coadunar perspectivas.


Discurso inócuo


No sentido prático, são os já tradicionais no Congresso os cursos de Reportagem com o Auxílio do Computador, com destaque para o trabalho do americano Steve Doig, e de organização de Bancos de Dados, que oferecem subsídios para a qualificação dessa postura plasmadora do jornalista. Essas ferramentas possibilitam a observação de índices e tendências a partir de dados coletados por pesquisas prévias – principalmente e inclusive as realizadas pelo próprio Estado. A partir daí, configuram-se novas plataformas de investigação cujo âmbito pode ser tanto o das políticas públicas e suas deficiências como o do jornalismo cultural – narrativa de um ‘cadáver’ em que vermes se escondem tal e qual nas gavetas escuras da administração pública.


Está revelado um movimento de desobediência ao estado de coisas da mídia tautologista, de discurso inócuo e sedutor – por sua facilidade de reprodução. Abriram a porta do canil e, pelo menos ao que parece, os cães farejadores querem reaprender a fórmula de incisão na História que só o jornalismo metologicamente rigoroso e rico em vigor vocacional pode propiciar.

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Estudante de Jornalismo, São Paulo, SP