A imprensa francesa está em crise. A este diagnóstico ninguém tem nada a acrescentar. Jornalistas e grandes barões da imprensa (les patrons de presse) estão de acordo que é preciso fazer algo para sair da crise. O remédio prescrito é que pode não ser o mesmo.
E como quando se trata de tomar iniciativas para buscar soluções e se apresentar como aquele que age, que reforma, que moderniza o país, ele está sempre presente: foi o presidente Nicolas Sarkozy quem abriu os ‘Estados Gerais da Imprensa’, um fórum governamental que tem como objetivo salvar a mídia impressa. Sarkozy se disse pronto a agir, sobretudo porque todos os barões são seus melhores amigos.
Lançados no dia 2 de outubro, os ‘Estados Gerais da Imprensa’ vão se reunir durante dois meses para estabelecer políticas para salvar a imprensa francesa. Profissionais do jornalismo e escolas de Jornalismo e de gestão foram convidados a se juntar aos grupos que estudarão as soluções para a crise. Quatro grupos de trabalho foram instituídos: ‘Que futuro para as profissões do jornalismo?’; ‘Imprimir, transportar, distribuir, financiar: como regenerar o processo industrial da imprensa escrita?’; ‘O choque da internet: que modelos para a imprensa escrita?’ e ‘Imprensa e sociedade: como responder às expectativas dos leitores e dos cidadãos?’
A eficiência da ajuda pública
Os vilões citados pelo presidente em seu discurso são os que voltam sempre quando se trata de apontar responsáveis pela crise: a imprensa gratuita e a internet. A eles se somam o custo de impressão e distribuição muito elevado, uma rede distribuidora que encolheu nos últimos anos, a fragilidade financeira das empresas de mídia impressa, a perda de confiança dos leitores, com reflexo nas vendas por assinatura e nas bancas, além de queda das receitas publicitárias.
‘Creio no futuro do texto escrito, creio no futuro da imprensa paga. A gratuidade é a morte da imprensa escrita’, declarou o presidente no seu discurso de abertura. Para ele, o essencial não é proteger o suporte, mas a marca; não é proteger o papel, mas o texto escrito.
Na visão do presidente Sarkozy, a mídia impressa ‘não é nem será jamais um produto como os outros. E, por esse motivo, não será deixada à mercê das forças de mercado’. Como o Estado francês dedica muitos milhões de euros por ano em subvenções à mídia impressa, ele precisa se questionar a eficiência dessa ajuda pública, avalia Sarkozy.
‘Imprensa subvencionada perde independência’
Os ‘Estados Gerais’ vão também estudar uma forma legislativa de contornar a atual proibição de um mesmo grupo de mídia possuir ao mesmo tempo estações de televisão, de rádios, jornais e sites na internet. Os amigos de Sarkozy agradecerão mais esse presente, que virá se juntar à sua reforma do audiovisual que instituiu uma TV pública totalmente sem publicidade para o ano que vem.
Em artigo publicado no jornal Le Monde, o diretor do World Editors Forum, Bertrand Pecquerie, apontava erros de diagnóstico, de objetivos e de meios no fórum que pretende salvar a imprensa francesa. Para começar, ele diz que esse pas de deux entre o primeiro e o quarto poder é perigoso, já que o Estado ‘que distribui ajudas diretas e indiretas de mais de 280 milhões de euros à imprensa, exerce com relação a alguns títulos o direito de vida ou morte’. Para ele, a ação desse Estado-Zorro acarretará uma desconfiança ainda maior dos leitores em relação à mídia impressa. A solução deveria ter sido buscada numa iniciativa dos próprios jornais reunidos em um coletivo antes de apelar para o Poder Executivo.
Quanto à perda de leitores, a França não é o único país europeu a ver o número de leitores de jornais diminuir. Para Pecquerie, a verdadeira crise é da oferta, pois a França não tem mais de 80 jornais diários, enquanto a Alemanha tem 350. A Suécia também tem 80 diários para uma população sete vezes menor que a francesa. Além disso, ele se pergunta por que em quase todos os países europeus podem-se encontrar jornais que custam até 50 centavos de euros, menos na França.
Mas o principal pecado dos ‘Estados Gerais’ é, segundo o diretor do WEF, o fato de a imprensa participar como pedinte e, segundo sua visão, ‘uma imprensa subvencionada pelo Estado perde totalmente sua independência’.
Na opinião desse observador, é na internet e nas novas plataformas digitais que repousa a democracia do século 21.
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Jornalista