A publicação pela revista Época da denúncia envolvendo o ex-assessor da Casa Civil da presidência da República, Waldomiro Diniz, em um esquema de cobrança de propina do empresário Carlos Ramos, o ‘Carlinhos Cachoeira’, completou um mês no último dia 13. O episódio ainda repercute politicamente – na semana passada, por exemplo o governo, com ajuda de aliados do PMDB, conseguiu enterrar a tentativa da oposição de instalar a CPI dos Bingos –, mas há muitas questões obscuras e que precisam ser esclarecidas. Uma delas diz respeito aos procedimentos adotados para que os fatos chegassem ao conhecimento da opinião pública.
De acordo com a reportagem original contendo a denúncia, publicada na edição 300 de Época, com data de capa de 16/2 e que começou a circular em 13/2, duas fitas de vídeo contendo as gravações – uma delas apenas com imagens, gravada no aeroporto de Brasília, e a outra como áudio e vídeo da negociação entre Cachoeira e Diniz – foram entregues ao senador Antero Paes de Barros (PSDB-MT) ‘cerca de duas semanas’ antes da publicação da matéria. Ainda de acordo com o que está escrito na revista, ‘a fita foi entregue aos procuradores da República no dia 4 de fevereiro’.
Esta primeira matéria de Época sobre o caso, assinada pelo repórter Andrei Meirelles e pelo chefe da sucursal de Brasília, Gustavo Krieger, não informa explicitamente de quem a revista recebeu as fitas. ‘Recebi o material, não tinha como avaliar sua autenticidade, mas, diante da gravidade do assunto, encaminhei ao Ministério Público para investigação’, disse então o senador tucano à Época. Na Carta ao Leitor daquela edição, o diretor de redação do semanário, Aluizio Falcão Filho, escreveu:
‘Este caso (…) é fruto do esforço do repórter especial Andrei Meirelles. Goiano de 51 anos, jornalista há 33, Andrei é um puro-sangue da reportagem, dono de dois prêmios Esso. Ao descobrir a história, usou todo o seu talento para obter uma cópia da fita’.
‘Nas sombras’
No programa Observatório da Imprensa na TV que foi ao ar no dia 2 de março, Gustavo Krieger confirmou que as fitas foram entregues à reportagem de Época pelo senador Antero Paes de Barros. Entrevistado pelo OI, Krieger contou que Andrei Meirelles recebeu do tucano duas fitas, em formato VHS, no dia 4 de fevereiro, uma quarta-feira. No dia seguinte, foi iniciada a checagem para apurar a autenticidade da fita. Krieger informou que Meirelles viajou para Campinas, onde as gravações foram periciadas por técnicos da Unicamp. Confirmada a autenticidade, o repórter prosseguiu a apuração e entrevistou Waldomiro Diniz na quinta-feira, 12 de fevereiro.
Andrei Meirelles, também ouvido pelo OI, confirma os passos relatados por Krieger. Segundo ele, o senador Antero Paes de Barros é sua fonte desde a Constituinte de 1986-88, e encaminhou cópias das fitas em confiança no mesmo dia em que despachava o material para o Ministério Público Federal. Meirelles afirmou também que Antero não tinha conhecimento da origem das fitas, que teriam sido entregues anonimamente em seu gabinete.
O senador tucano, porém, é um pouco menos preciso nos detalhes. Questionado pelo OI sobre essas datas, Antero se atrapalhou. Disse que não se lembrava o dia em que recebeu as fitas nem exatamente quando entregou o material ao repórter da revista Época ou ao MPF. Paes de Barros também explicou por que não fez nenhum pronunciamento na tribuna do Senado denunciando os fatos que tinham chegado a seu conhecimento pelo menos ‘duas semanas antes da publicação da matéria’, de acordo com a versão impressa na revista, ou no dia 4 de fevereiro, segundo o relato de Krieger e Meirelles: ‘Eu não conhecia o Waldomiro e não sabia se a fita era autêntica’. O senador contou também que ‘não conhece’ Carlinhos Cachoeira e disse ser, ainda hoje, após a publicação das fotos dos dois na imprensa, incapaz de reconhecer Cachoeira se o visse pessoalmente. Sobre Waldomiro, afirmou ser possível que atualmente o reconhecesse. Perguntado se o ex-assessor não era uma personalidade constante no Congresso, Antero afirmou que pode ter trocado palavras com Diniz – ‘a gente fala com tanta gente’ –, mas argumentou que ele ‘agia nas sombras’ e não era uma figura pública na Casa.
Pelo que relatou Paes de Barros, é um tanto difícil entender as razões que o impeliram a entregar rapidamente ao repórter de Época e ao MPF uma gravação envolvendo pessoas que sequer era capaz de reconhecer.
Caminhos cinzentos
O OI apurou uma versão diferente da relatada por Krieger, Meirelles e Paes de Barros para os eventos envolvendo as fitas do já célebre ‘Caso Waldomiro’. Em julho de 2003, mês em que a revista IstoÉ (edição 1761, 2/07/03) publicou a primeira reportagem em que o ex-assessor é citado por envolvimento em atos ilícitos (foi então denunciado por suas relações com a máfia do jogo clandestino), muita gente em Brasília já teria conhecimento de que circulavam gravações sobre Diniz.
Essas fitas – as mesmas que apareceram na matéria de Época – teriam sido oferecidas recentemente à revista IstoÉ e recusadas pela sua direção em São Paulo. O fato foi negado pelo diretor da sucursal de Brasília. O OI não conseguiu, após seguidas tentativas, falar com o Diretor de Redação do semanário, Hélio Campos Mello.
Ainda de acordo com o que o OI apurou, todas as cenas foram gravadas por Carlinhos Cachoeira – no caso da que revela a negociação com Waldomiro Diniz, não há dúvidas, pois o próprio empresário já admitiu que fez a gravação ‘para se proteger’. A novidade é que as imagens registradas no aeroporto de Brasília também teriam sito realizadas por ordens de Cachoeira, que obviamente sabia a data e hora dos encontros que teria naquele local com Diniz.
Proprietário de material altamente comprometedor para o governo, Cachoeira manteve-se na sombra por longo período. O registro do aeroporto é de 5 de maio de 2002 e o da negociação, também de 2002. No começo deste ano, Cachoeira teria sido procurado por procuradores que investigam o seu relacionamento com o governador do Distrito Federal, Joaquim Roriz (PMDB). Se ajudou na apuração, não se sabe, mas teria decidido entregar algo mais explosivo.
Desta forma, as fitas teriam chegado em primeiro lugar ao Ministério Público. Ainda de acordo com esta versão, os procuradores ‘vazaram’ as gravações para Andrei Meirelles – reconhecido por colegas em Brasília como o repórter em atividade com as melhores fontes no Ministério Público. Ao senador Antero, por fim, coube o papel do que no jargão é conhecido por ‘lavar a fonte’ para a publicação de denúncias cujas origens a imprensa prefere não revelar – papel este que, ironicamente, já foi desempenhado pelo hoje ministro e então deputado federal José Dirceu em 1992, quando o investigado era Paulo César Farias.
Ironias à parte, as duas versões para a divulgação das gravações que abalaram o governo Lula revelam aquilo que este Observatório tem insistindo em debater: os caminhos muitas vezes cinzentos percorridos por uma denúncia que em última análise foi produzida nos porões da contravenção. Importa aqui menos a validade jurídica das peças produzidas nesses porões e mais o esclarecimento de um episódio do qual participam um senador e um dos poderes da República – o Ministério Público Federal.
Ao Observatório da Imprensa não cabe julgar as razões de cada parte, mas cobrar a transparência de todas.