Friday, 15 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Um tranco no barão da direita

Um episódio sem precedentes na história do moderno jornalismo: o fechamento do tablóide marrom News of the World (doravante designado como NOTW) e a prisão de duas figuras-chave, depois soltos sob fiança – sem qualquer passeata ou abaixo-assinado de protesto –, marcam uma espetacular virada nas relações mídia-midiados no mundo ocidental. O leitor-cidadão, afinal, percebeu o entupimento da rede de esgotos; a sujeira acumulada começou a escapar pelo ralo e macula o processo democrático, o sagrado direito de informar e, de roldão, a última profissão romântica.

Para avaliar as dimensões do acontecido convém anotar o seguinte:

** A imprensa não está no banco dos réus. Quem denunciou o escândalo não foi um governo autocrático nem uma polícia bolivariana: foi um jornalão de qualidade, o progressista The Guardian, secundado a sottovoce, meia voz, pelo conservador The Economist.

** Escândalo flagrado e denunciado, ninguém está clamando por mais controles sobre a imprensa. Em uníssono (até agora), todos exigem que a autorregulação saia da esfera do engodo e da fantasia para tornar-se real, efetiva, sobretudo rápida.

** É um equívoco considerar Rupert Murdoch como símile contemporâneo dos magnatas da imprensa do passado: sua linhagem não é a mesma de W. R. Hearst. Está mais para Joseph Goebbels. Murdoch é um caudilho da direita internacional empenhado em destroçar tudo o que o liberalismo político e o welfare state construíram ao longo do último século. O ex-premiê José Maria Aznar não faz parte de um dos Conselhos da News Corp. por seus méritos jornalísticos. Ele está lá por que é um expoente do reacionarismo espanhol até hoje empenhado em santificar Francisco Franco.

Bola de neve

** O fechamento do NOTW e seus inevitáveis desdobramentos não podem ser circunscritos às singularidades britânicas, nem sua associação com policiais eram exclusividade dos legionários de Murdoch. O editorial que introduz o especial do Economist sobre imprensa nesta semana deixa claro que outros tablóides usavam os mesmo métodos, talvez menos ostensivamente. Importa saber que Murdoch tem mais força política nos EUA. É o patrono da metade de um gigantesco país entregue a uma histeria conservadora que alimenta continuamente através do vale-tudo noticioso da Fox News (chamado de foxificação pelo Economist) que vence em audiência e faturamento as rivais CNN e MSNBC juntas.

** Na entrevista que concedeu à Folha de S.Paulo na segunda-feira (11/7), o antípoda de Murdoch, o fundador do El País Juan Luís Cebrian, lembrou que “jornais nasceram no começo do século 19… formam parte das instituições do mundo democrático… jornal é uma concepção de mundo. Da primeira à última página…” (ver “Google e Facebook são os concorrentes dos jornais”). Murdoch detesta os jornais-instituições, sua visão de mundo é diametralmente oposta. O jornal-instituição tende naturalmente para um processo decisório colegiado, minimamente consensual. É o que o déspota Murdoch mais detesta.

** Apostou na internet porque representava o fim da imprensa esclarecedora, iluminista. Preocupou-se mais em enfrentar a pirataria do Google (que se servia do conteúdo alheio para ficar com o total das receitas) do que em explorar vantagens digitais como ferramenta ou plataforma.

Há 20 anos que Rupert Murdoch ganha todas as paradas. Em algum momento o processo deveria ser barrado. Ou drasticamente revertido. Tudo indica que o momento chegou. A bola de neve pegou um dos mais perversos criadores de bolas de neve.

 

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