Virou notícia, no Estado de S.Paulo de terça-feira (4/4), a ousada sugestão do ombudsman da TV Cultura, Osvaldo Martins, de que a emissora deveria acabar com o seus telejornais, de tão ruins e incuráveis que são [‘O que falta mudar‘].
As críticas de Osvaldinho, como é conhecido o veterano jornalista e secretário de Comunicação do então governador Mario Covas, têm suficiente fundamento para serem levadas a sério.
Não é preciso ser nenhum expert em comunicação para concordar com a linha geral de seu argumento. Nessa mesma terça-feira, por exemplo, o apresentador do jornal da emissora, em horário nobre, brandia diante das câmaras um papel como se tivesse acabado de receber uma notícia de tirar o fôlego.
E anunciou que se suspeitava de que o assessor de comunicação do então ministro Antonio Palocci, Marcelo Netto, tinha sido o responsável pelo vazamento dos extratos da conta poupança na Caixa Econômica Federal, obtidos ilicitamente por determinação do ministro.
Essa suspeita, como se diz, era mais velha do que andar para frente.
Poucos assuntos
Mas será que a TV Cultura está fadada a levar ao ar um telejornal de segunda, igual aos das grandes redes na pauta e pior do que eles como produto – ou não ter telejornal algum?
Este leitor pensa que não. Há mais tempo do que gostaria de lembrar acostumou-se a admirar um modelo de jornalismo televisivo que compensa a escassez de recursos para competir com os forçudos do pedaço com uma capacidade admirável de levar o espectador interessado a um mergulho em profundidade em uma seleta de assuntos de interesse público.
O modelo se recusa a correr atrás do prejuízo que noite sim, a outra também, os poderosos da TV aberta impõem – em matéria de amplitude de pautas, impacto de notícias de apelo popular e furos – às emissoras que tentam ser o que as outras são, sem cacife para tanto.
A alternativa mais bem sucedida que este leitor conhece é o Jim Lehrer Newshour, o telejornal diário da PBS, a rede pública de rádio e televisão dos Estados Unidos.
O Jim Lehrer do nome do programa é aquele que os espectadores brasileiros puderam conhecer como mediador dos debates entre os candidatos à Casa Branca em 2004.
Ele é tão profissional, tão preocupado com a isenção, que não vota nas eleições de seu país para não se deixar contaminar pela paixão política.
Mas isso é detalhe. O importante é o formato do seu jornal. A pauta se concentra em um punhado de assuntos do dia apenas – meia dúzia, se tanto. Trabalha com as imagens que todo mundo tem, novas e de arquivo, e as recobre de inteligência: explicações, análises, controvérsias, contexto.
Questão de cacife
A hora de notícias de Jim Lehrer não apenas recorre a pessoas capazes de dar sentido (ou sentidos) aos fatos da hora. Não adianta você recorrer ao que os cronistas esportivos chamavam ‘os pais da matéria’, se não souber – a palavra é essa – ordenhá-los. Tirar deles o que eles talvez nem saibam que tem dentro de si.
Quando o programa termina, você terá aprendido muito sobre aquelas poucas coisas que, a cada dia, Jim Lehrer considera as mais valiosas do ponto de vista do interesse público.
Para o jornalismo de uma TV pública, que vive da mão para a boca, pode haver solução melhor? Sim, se o produtor-editor-apresentador do programa tiver cacife para ser um Jim Lehrer. Não, se ele tiver medo de ser diferente, mostre o que mostrar a cada noite o Jornal Nacional.