Os leitores não reparam e engolem, jornalistas resmungam e resignam-se, semiólogos batem palmas e, em breve, vai ser norma. Enfiar anúncios nos jornais e revistas até há poucos anos obedecia a certas exigências e limites – raros admitiam publicidade na primeira página ou capas e a diagramação dos anúncios separava claramente a publicidade da informação.
Mesmo em veículos que recebiam dinheiro por baixo do pano, havia uma certa compostura na colocação das mensagens comerciais. Afinal, era preciso manter as aparências.
Então veio ‘A Bolha’ e depois dela veio ‘A Crise’.
Agora vale tudo: jornais e revistas publicam capas (ou meias-capas) falsas, inteiramente tomadas por publicidade; agências e anunciantes impõem inserções com absurdos formatos e colocações. Ninguém ousa recusar porque sabe que o competidor não terá os mesmos escrúpulos.
Os quadradinhos amarelos da operadora TIM nos jornais dos últimos dias são o exemplo mais recentes da aberração. As dificuldades econômicas explicam tudo, mas quando superadas a praxe será irreversível: o mercado não recua.
Vale a pena estudar a trajetória das capas publicitárias de nossos jornais e revistas para entender o fenômeno e, sobretudo, a nossa capacidade de trambicar as inovações.
Tudo começou da forma correta: a New Yorker, a revista semanal mais sofisticada do mundo, precisava descobrir uma maneira de colocar chamadas nas suas maravilhosas capas, sem prejudicá-las. Mesmo os seus fieis leitores queriam saber o que havia dentro de cada edição.
Então apareceu uma editora muito talentosa, Tina Brown, que inventou uma meia-capa (ou sobrecapa) em papel vegetal, translúcido, onde eram impressas as chamadas para as principais matérias sem interferir nos magníficos desenhos e charges. Preservou-se a tradição gráfica e adicionaram-se as indispensáveis chamadas jornalísticas. Posteriormente, o papel vegetal foi substituído pelo couché e a meia-sobrecapa da New Yorker impôs-se até hoje.
Nossos revisteiros não dormiram no ponto. Aproveitaram a sacada de Tina Brown para faturar uma falsa-capa publicitária. Mas esqueceram que o logotipo da revista estava ali, inteiro, testemunha da prevaricação. Das revistas, a nova moda passou aos jornais e hoje ninguém estranha que, em cima da manchete e sobrepondo-se ao solene logotipo, um anúncio venda qualquer coisa.
Em 1956, a equipe que modernizou o Jornal do Brasil retirou os classificados da primeira página, deixando apenas um ‘L’ para lembrar que aquele era o jornal dos classificados. Meio século depois, o mesmo JB e a maioria dos jornalões e jornalzinhos não se vexam em vender a sua página mais nobre.
Há jornais e revistas que ainda resistem ao modismo degenerador. Agora o leitor está avisado: doravante será fácil identificar aqueles que preservam sua dignidade, honram os seus compromissos e não capitularam às imposições dos anunciantes.