O Jornal do Brasil precisava castigar o colaborador que ousou criticá-lo publicamente. Mas não poderia usar o verbo demitir porque isso implicaria o reconhecimento de um vínculo trabalhista.
Decidiu então recorrer ao verbo suspender. Duplamente perigoso porque o ato de suspender sugere uma interrupção e, não, um corte definitivo; e também porque a palavra suspensão pode confundir aqueles talentos empresariais menos afeitos ao exercício da escrita.
Enviado do computador de José Antônio do Nascimento Brito, presidente do Conselho Editorial do Jornal do Brasil, às 14h11 de 11/6/2004, o e-mail punitivo [veja nesta rubrica o texto da mensagem] tinha como assunto as palavras ‘Resposta e Suspenção’.
Não foi resposta, nem suspenção. Foi vexame.
Flagrante dos predadores em ação no momento que estão liquidando, sem qualquer escrúpulo, parte da imprensa brasileira. A cedilha e o atentado à gramática são irrelevantes, compõem a face visível, o lado patético de um processo de degradação que não atinge apenas uma secular instituição jornalística, mas fere a sociedade brasileira porque compromete suas referências morais.
José Antônio Nascimento Brito não tem qualquer função executiva no jornal que pertenceu à sua avó, a Condessa Pereira Carneiro, e foi dirigido durante algumas décadas pelo seu pai. Não tem poder de decisão sobre a admissão, demissão ou corte de salários de funcionários, jornalistas ou não. Sua função é abrir portas e fechar os olhos para o que entra. Não é sequer figura decorativa, tanto que não foi convidado a comparecer à missa pelos 113 anos do jornal [oficiada em 19/4/2004 pelo cardeal e arcebispo-emérito do Rio de Janeiro, dom Eugênio Sales, na igreja da Candelária]. O anfitrião da cerimônia foi o proprietário do espólio do Jornal do Brasil, o empresário Nelson Tanure [veja remissão abaixo].
Mas, na hora de castigar um colaborador, Nelson Tanure tem poder para converter em capacho o seu parceiro de expediente e obrigá-lo a assumir publicamente o ônus da violência.
Tranqüilo ou atormentado, sofrido ou lépido, José Antônio do Nascimento Brito assinou um feixe de mentirinhas e desculpas desconexas para encobrir o seu indisfarçável desrespeito ao jornalismo, mas, principalmente, driblou a questão principal: o JB está a serviço do governo do Estado do Rio de Janeiro.
Não apenas as manchetes mas o jornal inteiro está submetido ao casal-governador. Por amor às suas causas, crenças ou qualquer outra razão mais concreta, a verdade é que o JB abriu mão da sua obrigação de ser isento e objetivo na cobertura dos assuntos estaduais, sobretudo na questão que mais aflige os cariocas, fluminenses e ameaça a tranqüilidade do país: a segurança pública no Rio de Janeiro.
Lauto banquete
As provas desta submissão foram mostradas na artigo publicado neste Observatório, quando evidenciou-se que a cobertura do jornal sobre o massacre em Benfica foi viciada e viciosa [veja abaixo remissão para o artigo ‘A mídia sob custódia’]. E não por culpa dos jornalistas que fazem o jornal, mas por opção exclusiva dos proprietários.
O texto do Observatório foi apenas um pretexto. O casal Garotinho já tinha conseguido na segunda-feira, um dia antes que a nossa edição nº 280 entrasse na web, que o jornal acolhesse sem réplica uma contestação do governo do estado ao artigo semanal deste Observador no JB, no qual ficou claro que as omissões do governo fluminense no caso de Benfica justificariam um pedido de impeachment.
Ao desprezar o comezinho dever jornalístico de acompanhar uma crítica com a defesa do criticado, o JB já antecipava a sua disposição de atender aos interesses dos clientes instalados no Palácio Guanabara. Não foi esquecimento, como alegou o encarregado da seção de cartas – foi subserviência determinada pelo principal acionista do jornal.
A dupla de governadores fluminenses até o momento conseguiu iludir o governo federal e vem escapando sistematicamente de qualquer acerto para o envio de forças federais para o Rio de Janeiro, como aconteceu na semana passada em Belo Horizonte e Teresina. Mas a simples menção de uma ação popular para iniciar o processo de impeachment num jornal que consideravam seu, assustou-os. O resto é conseqüência.
Na carta de José Antônio Nascimento Brito há duas afirmações que devem ser esclarecidas:
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Os vice-presidentes jornalistas Augusto Nunes e Cristina Konder continuam demissionários. Fizeram questão de manter-se distantes do episódio. Tanto que uma cópia da mensagem eletrônica anunciando a suspensão (agora com a grafia devidamente corrigida) foi também enviada pelo endereço de editora que, vexada, sequer o assinou. Outro profissional está sendo importado para substituí-los.**
O JB esqueceu de anunciar a aposentadoria do vice-presidente e jornalista Wilson Figueiredo depois de mais de quatro décadas no jornal. A entrevista publicada no dia seguinte à sua saída foi uma forma de remediar o descaso [veja remissão].O JB não tem e jamais teve respeito pelos profissionais que ajudaram a fazer dele um grande jornal.
Em outras palavras: o JB não tem respeito pelo seu próprio passado. O nome é o mesmo, mas o Jornal do Brasil não é jornal e nada tem a ver com o Brasil – é apenas uma carniça na qual banqueteiam-se, impávidos e impunes, esfomeados urubus.