Dá tristeza parar em frente a uma banca de revistas no Brasil. Diante de tanto papel impresso e de balas, doces e isqueiros, pouco há para escolher. Quando se trata de jornal, então, a pobreza é franciscana. Em São Paulo são dois títulos, com conteúdos quase iguais. No Rio, um e meio.
Num ano eleitoral como este a escassez de diversidade nas bancas chega a ser um atentado ao processo democrático. Muitos poderão dizer que os jornais, além de poucos, têm tiragens tão insignificantes que a influência no eleitorado beira o zero. É verdade, em parte. Somadas as vendas em banca e as assinaturas dos três jornalões, o total não chega a 1 milhão de exemplares diários. Num país com quase 200 milhões de habitantes, o número de vendas é mesmo irrisório.
No entanto, os jornais, apesar de pouco lidos, acabam servindo de munição para os veículos eletrônicos (rádio, TV e internet). No rádio, os chamados ‘comunicadores populares’ decodificam com seus critérios pessoais as notícias impressas para milhões de pessoas diariamente. Na TV pautam o jornalismo, as entrevistas e até os programas de auditório. E na internet servem para tudo, desde o abastecimento dos portais noticiosos até as infâmias e calúnias que capeiam pela rede. Reside aí a importância dos jornais, na potencialização do seu conteúdo realizada por outros veículos.
Nacionalismo de esquerda
Invejo argentinos, franceses e ingleses. Não passam pela mesma privação informativa. Além de disporem de jornais de melhor qualidade que os nossos, têm sempre à mão uma alternativa de leitura mais progressista. Refiro-me ao Página 12, na Argentina; ao Guardian, na Inglaterra e ao Le Monde e o Libération, na França. Que falta fazem por aqui jornais como esses.
Mas nem sempre foi assim. Antes do golpe de 1964 podia-se ver nas bancas de algumas cidades brasileiras jornais alinhados com diferentes correntes político-partidárias, claro que majoritariamente conservadoras. Com algumas honrosas exceções como a Última Hora, dirigida por Samuel Wainer.
É bem verdade que a opção Última Hora só surgiu graça ao impulso dado pelo governo Vargas. Wainer em sua autobiografia (Minha Razão de Viver, Editora Planeta, 2006) lembra a gênese do jornal. Eleito em 1950, Getúlio Vargas reuniu-se com o novo ministério no dia 2 de fevereiro. Ao final do encontro comentou com o jornalista: ‘Tu reparaste que hoje não veio ninguém cobrir a reunião?’ Concordando, Samuel acrescentou: ‘O senhor só vai aparecer nos jornais quando houver algo negativo a noticiar. Essa é uma tática normal de oposição, e a mais devastadora’. O presidente, segundo o relato, ‘andava de um lado para o outro. De repente parou e me disse (…): Por que tu não fazes um jornal?’
Estava dada a senha para a construção de um jornal comprometido com as mudanças esperadas do novo governo e manifestadas pelo povo, nas urnas. Enquanto durou, a Última Hora representou o que de melhor era possível se fazer no jornalismo da época, dando grandes furos, realizando reportagens históricas e congregando em suas páginas os mais competentes colunistas nas mais diversas áreas, da política ao esporte, passando pela economia e a cultura. Sem esconder sua posição nacionalista de esquerda, segundo o próprio Wainer.
Debate público
Hoje não temos nada disso. E com o poder da televisão as coisas pioraram. Uma nova Última Hora torna-se então imprescindível, além do fortalecimento constante da TV pública. Não é cabível que um governo popular tenha que se dirigir à sociedade somente através do filtro das empresas comerciais de jornalismo, com todas as distorções que conhecemos. Aqui ao lado, na Bolívia, o presidente Evo Morales já percebeu isso e criou o jornal Cambio, líder de tiragem em poucos meses de existência.
São jornais que permitem também dar voz aos que hoje não têm voz, além dos governos. Infelizmente não há como setores politicamente fortes, vinculados às camadas populares, mas economicamente frágeis, estabelecerem algum tipo de concorrência com as grandes empresas de comunicação.
A saída é a presença do Estado, ainda que de maneira apenas indutiva, estimulando novos meios de comunicação. A asfixia do debate público não é sentida apenas por aqui. Até na Alemanha, um pensador como Jurgen Habermmas, cultor da ideia do espaço público como arena do debate democrático, diz, por exemplo, que ‘quando se trata do gás, eletricidade ou água, o Estado tem a obrigação de prover as necessidades energéticas da população. Por que não seria igualmente obrigado a prover essa outra espécie de `energia´, sem a qual o próprio Estado democrático poderia acabar avariado?’. Por que não?
******
Sociólogo e jornalista, professor de Jornalismo da ECA-USP, autor, entre outros, de A TV sob controle – A resposta da sociedade ao poder da televisão (Summus Editorial)