Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Uma pedra no meio do caminho

Outro dia, um assessor de imprensa me disse que a concessão de uma entrevista com seu chefe ‘depende do tamanho do veículo’. De outra vez, solicitaram documentos que não costumam pedir a jornalistas da mídia corporativa. Houve ainda a assessora que ignorou meu e-mail com algumas perguntas e outra que afirmou não haver mais credenciais para cobrir um evento num local onde cabem quase cem mil pessoas.

Esses são apenas alguns exemplos das inúmeras dificuldades de quem insiste em fazer jornalismo fora da imprensa hegemônica. Há outros, muitos outros. Mas por enquanto gostaria de comentar os exemplos acima, sem pressa.

Em primeiro lugar, é bom deixar claro que, ao agirem desta forma, esses assessores de imprensa estão agredindo a democracia e a liberdade de imprensa. O cidadão tem todo o direito de escolher seu veículo de informação. Ele não é, de forma alguma, obrigado a se informar pela mídia grande. Porque é exatamente isso que está acontecendo. Ao negar uma credencial, uma entrevista ou um documento aos jornalistas da imprensa alternativa e aos jornalistas independentes, esses assessores estão negando que o público tenha acesso às informações divulgadas pela mídia não-alinhada ao pensamento único.

Nos países ditos desenvolvidos isso não acontece. Pouco importa se o jornal é distribuído gratuitamente nas estações de metrô de Londres, ou se um jornalista estadunidense tem apenas um blog para divulgar informações. Os assessores de imprensa – sobretudo em empresas públicas – são obrigados a atender a todos com a mesma presteza. Isso não significa, claro, que nunca haverá vazamento de informação privilegiada para uma ou outra publicação. Mas aí estamos diante de uma ação ilícita, o que não justifica o procedimento-padrão adotado por inúmeras assessorias de imprensa no Brasil.

‘Depende do tamanho’

Muitas vezes ouço colegas da mídia alternativa lamentarem: ‘Ah, deixa pra lá. É assim mesmo’. Ou ainda: ‘Claro que o jornal X vai ter mais acesso a informações’. Pois eu digo que não. Amigos da imprensa alternativa, não aceitemos esse estado de coisas! Quando isso acontecer, vamos protestar publicamente! Não podemos ser coniventes com esse atentado à liberdade de imprensa (isso, sim, é um atentado à liberdade de imprensa, e não aquilo que a outra mídia afirma ser).

Mas há também a legitimação pela outra ponta. Às vezes alguns jornalistas não percebem que só conseguem informações porque estão numa determinada empresa. Em vez de rejeitarem essa ‘vantagem’, acabam se aproveitando dela. Até o dia em que não mais estiverem na tal empresa e as assessorias não lhes sorrirem como antes.

Um órgão de comunicação não é mais importante pelo tamanho de seu público. Pode ter mais força política, mas não será mais importante. O que adianta falar para milhões de pessoas se, na mensagem transmitida, está a criminalização da pobreza, a legitimação de invasões militares e genocídios, o pensamento único do modelo econômico e a aceitação de outros absurdos naturalizados (como salário mínimo, atual estado da saúde e educação, saneamento etc.)? No fundo, esses assessores de imprensa, ao privilegiarem certos veículos (‘depende do tamanho do veículo’), estão contribuindo para a manutenção da iniqüidade vigente.

Engano perigoso

Na verdade, há uma total inversão de valores. Carlos Drummond de Andrade já dizia: ‘Meu Deus, como nesse mundo tão grande falta espaço para os pequenos’. Falta espaço, poeta, porque são os pequenos que buscam transmitir os valores que o tal mercado não aceita. Nós, da mídia alternativa, é que veiculamos as informações que são censuradas na outra mídia. No Brasil é assim: os pequenos é que lutam para que os direitos humanos básicos sejam estendidos a todos os segmentos do povo, independentemente de sua conta bancária ou cor de pele.

É verdade que existem jornalistas bem intencionados e competentes na outra imprensa. Ainda bem que eles existem – e às vezes até conseguem conter o avanço neoliberal nas redações. Mas é preciso deixar claro que eles não podem tudo. Lá dentro, há um limite para a dissidência. No final, predominarão sempre os grandes interesses da empresa. Esta é a condição básica de sua existência.

Assim, um jornalão pode começar a fazer uma boa série de reportagens denunciando, por exemplo, empresas do ramo imobiliário que estão construindo na Barra da Tijuca sem licença ambiental. Alguns podem argumentar que este trabalho será tão importante quanto uma série de reportagens sobre o mesmo tema, só que publicada na mídia alternativa. Engano perigoso: na empresa regida pelo lucro, a oferta de algumas páginas de anúncio pode calar o jornalão. Já no veículo pautado pelo interesse público, será mais um motivo para a continuidade das reportagens.

É lamentável que a categoria não tenha um Conselho para denunciarmos esses abusos cometidos por certos assessores de imprensa.

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Jornalista, editor do FazendoMedia