Um jornal sério sempre incomodou os poderosos. A trajetória histórica mostra que o periódico guarda nas páginas o grito dos massacrados, o silêncio dos heróis, a marca dos embates. Muitas vezes, a ousadia de escrever custou um preço alto, pela vingança. Os envolvidos em escândalos, geralmente exercendo mandatos eletivos, tinham contas a ajustar com a opinião pública. Contrariaram a moral, os bons costumes, os desvios de conduta e os valores éticos.
Julgar jornais, jornalistas e, principalmente, a validade de um diploma que lhe garante absorver conhecimentos acadêmicos, com o interessado ávido em inteirar-se com detalhes sobre os problemas globais, de modo a clarear a mente da sociedade, para que prossiga na busca dos direitos conquistados, é um ato de grandeza, reservado aos escolhidos para essa missão.
Julgar uma profissão seja ela qual for, no caso, a de jornalista, sem o preparo devido, sem ouvir e aprender com os mestres os segredos das palavras, um instrumento precioso de trabalho, é uma temeridade. A pontaria é perigosa. Distorcer os fatos é um erro fatal. Daí a necessidade de se saber penetrar fundo na história dos periódicos que marcaram épocas destacando-se em nome de uma causa nobre.
Basta aplicar algumas regrinhas
Não é para qualquer intérprete da Constituição, decorador dos números frios dos artigos dos códigos ou da lei substantiva e adjetiva, da jurisprudência, acórdãos e para impressionar o emprego do juridiquês e aforismos surrados, como ab irato (num impulso de raiva), que reproduz bem o estado de espírito dos julgadores na questão do diploma. É preciso mais, muito mais. Foi por esse motivo, e não tenho dúvidas a respeito, que os ministros – tendo como relator o presidente do STF, Gilmar Mendes, que pelos antecedentes me pareceu o mais interessado na demanda judicial – foram induzidos a seguir um guia irado, pelos erros alheios e cometido por alguns, com relação a grampos.
Fico me questionando quanto aos oito votos contra um, não haver mais um, para pedir vistas do processo, como é comum, para estudar melhor e reavaliar as considerações, carentes de estudos, maiores análises, aprofundamento quanto ao mérito ou mesmo consulta a quem conhece e tem familiaridade com esse universo do saber. Julgar precipitadamente um processo dessa natureza, que envolve milhares de interessados, sem a devida competência especializada e suporte intelectual, é um acinte e uma agressão sem precedentes. Toda essa gente fez sacrifícios e sangrou as economias, para realizar um sonho que lhe garantisse espaço no mercado de trabalho. Décadas depois qual o preço do trabalho? Um zero à direita e outro à esquerda. Não valeu. Essa do diploma não passou de um conto do vigário. Todos saíram enganados.
Por que a Justiça, e logo a Justiça, nas diversas esferas, levou todo esse tempo para tomar a decisão? Não poderia antecipar a sentença? Evitaria novos esforços e enganações, com o Estado e o Legislativo sendo cúmplices, pela falta de providências que cabia a cada um desses poderes.
Pelo que disse o relator do processo, ministro Gilmar Mendes, com apartes e colocações de seus colegas detectamos erros no julgar a história. Os desacertos foram notórios de alguns meritíssimos que escorregaram nos desvãos de equívocos estapafúrdios. Tudo não passou de deslize. Dizer que para ser jornalista não precisa passar por uma escola de nível superior; insinuar maliciosamente que o decreto que regulamentava o exercício da profissão não vale, pela sua origem, o regime militar, é no mínimo polêmico; que basta ter vocação e saber aplicar algumas regrinhas ou que o diploma impede a livre manifestação de pensamento, conforme interpretação da Constituição, é um absurdo.
Lições de sabedoria
Não negamos o valor dos grandes jornalistas, que deixaram lições de saber e experiência e que não tinham diploma de jornalismo. Foram autênticos, e muitos, reconhecidamente cultos. Mas, os tempos mudaram. E as redações exigem uma formação especializada. A própria ABI há cem anos reivindicava estudos sólidos e sistematizados para os que trabalhavam nesse setor.
É entendimento de uma boa parte de juristas de fama internacional que a Lei não se aplicará, quando o lado humano a ela se sobrepõe, principalmente por envolver um contingente expressivo da sociedade. É o caso do diploma, sobre o qual os juízes deveriam olhar com outros olhos, com mais sensibilidade, menos desprezo e ódio a uma profissão que soube merecer o respeito geral. Desvios há em todas as áreas profissionais. Por que só os jornalistas são os visados pela justiça para merecer sentença condenatória? Só porque defendem um dos princípios basilares da democracia, a livre manifestação de ideias? Vida particular, óbvio, não interessa, e quem abusa pode ser enquadrado em delito de injúria, calúnia ou difamação.
Nem todo mundo aceita ser denunciado, mesmo à luz das provas. Há quem se vingue ao mandar ou fazer justiça com as próprias mãos. A estes, sim, cabe um julgamento severo, rápido e uma sentença rigorosa. Lembram-se do caso Tim Lopes? Assassinado por bandidos envolvidos na exploração de menores em morros cariocas… (Tim Lopes / Fantástico IBOPE, Mário Augusto Jakobskind, edit. Europa, 158 pp., 2003).
Voltemos à aplicação da lei pelo juiz. Cabe-lhe, na melhor doutrina, fazer justiça e em busca dessa justiça deve até julgar contra a lei que está sob o seu exame. E para tanto encontrará amparo no ordenamento jurídico. A injustiça em qualquer grau merece o repúdio coletivo. Essa sentença tem alguma coisa a ver com Plutarco: ‘O mais alto grau da injustiça é não ser justo e, todavia, parecê-lo.’ Outro que nos socorre em nossos argumentos é o mestre dos mestres, padre Antônio Vieira, que esteve no Maranhão e deixou belas lições de sabedoria. O caso é mesmo. Ele nos ensina que as decisões dos tribunais que não atendam aos clamores do povo, não produzem um resultado efetivo e útil para a sociedade, são ‘tiros sem bala; atroam, mas não ferem’. Discordo de Vieira: as ‘balas’ do STF não apenas atroaram como feriram, profundamente.
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Professor universitário e jornalista