Os jornais continuam cobrindo mal as questões de comércio e diplomacia, quando os debates estão no Congresso. O esforço do governo para incluir a Venezuela no Mercosul poderia ter rendido histórias mais interessantes e muito mais informativas, se repórteres e pauteiros tivessem descoberto mais cedo o foco do problema.
Na quinta-feira (29/10), a Comissão de Relações Exteriores do Senado aprovou por 12 votos a 5 a admissão da Venezuela no bloco. A polêmica havia crescido nos dias anteriores, e na sexta-feira, pela primeira vez em muito tempo, jornais deram alguma ênfase, na cobertura, a um detalhe raramente valorizado: o Mercosul é uma união aduaneira, uma forma de integração muito mais ambiciosa e mais complexa do que uma zona de livre comércio. Esse era o miolo da questão. Mas durante a maior parte do tempo o destaque foi dado a outro ponto: o compromisso do presidente Hugo Chávez com a democracia. O projeto, depois de aprovado na Câmara, já tramitava no Senado havia dez meses.
A maior parte da escassa cobertura foi centrada no debate entre os críticos e os defensores do projeto político de Chávez. A questão era relevante por causa da chamada cláusula democrática do Mercosul, mas não só por isso. Para um bom tratamento do assunto seria preciso cuidar de pontos mais prosaicos e muito mais importantes para o funcionamento do bloco.
Textos à mão
Numa união aduaneira, os sócios adotam uma tarifa externa comum para produtos de fora da área. Não podem negociar separadamente acordos de livre comércio com parceiros externos. Não podem, sequer, numa negociação global como a Rodada Doha, oferecer concessões sem levar em conta a opinião dos sócios do bloco. Além do mais, no Mercosul os poderes de voto e de veto são iguais para todos os sócios (Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, atualmente).
A ampliação do Mercosul envolverá, portanto, muito mais que a inclusão de um parceiro comercial. Com esse parceiro o bloco já estabeleceu um acordo de livre comércio, em vigor desde fevereiro de 2005, mas o detalhe foi aparentemente esquecido na maior parte da cobertura. Esse acordo, firmado em 2004, incluiu também Colômbia e Equador. A questão central – o funcionamento da união aduaneira e a sua política de inserção global – ficou quase sempre na sombra.
Na sexta-feira (30/10), um dia depois de encerrado o assunto na Comissão de Relações Exteriores do Senado, a cobertura do Estado de S.Paulo foi complementada com um artigo do embaixador Rubens Ricúpero. Nesse texto, o assunto foi devidamente enquadrado. A Folha de S.Paulo mencionou no sétimo parágrafo da reportagem os direitos de voto e veto dos sócios do bloco.
Mesmo repórteres pouco familiarizados com a diplomacia comercial poderiam ter descoberto a questão central, bem antes, se houvessem procurado conhecer as características do Mercosul. Poderiam também ter descoberto o miolo do assunto se tivessem dado maior atenção ao relatório do senador Tasso Jereissati, concluído algumas semanas antes da votação. Talvez tenham lido, mas o resultado da leitura não apareceu no material noticioso.
Esse é um velho e recorrente problema. Longas coberturas são feitas apenas com base em declarações a respeito dos projetos, como se os textos de projetos e relatórios fossem inacessíveis a repórteres, editores e pauteiros. Não são. Em geral é possível capturá-los pela internet. Uma ida ao gabinete dos autores ou relatores também pode resolver o problema sem grande esforço e sem muita despesa.
Marcha lenta
Banco Central e Ministério da Fazenda prometem mudanças na área cambial, mas até o fim de outubro só um jornal havia engatado a cobertura. Os outros jornais continuavam acompanhando o assunto à distância. Na quarta-feira (28/10), o Globo publicou no alto da primeira página uma boa chamada: ‘BC estuda liberar aplicações no exterior’. No dia anterior, o presidente do BC, Henrique Meirelles, havia anunciado ‘um projeto de modernização do mercado de câmbio’. Não deu muitos detalhes, mencionando apenas o possível fim de restrições aos fundos para investimentos no exterior. O jornal procurou ampliar a informação. Um dos pontos em estudo, segundo a matéria, é a permissão para investidores estrangeiros no mercado de derivativos possam depositar suas garantias no exterior.
O assunto não parece haver emocionado a maioria dos pauteiros e editores, embora os problemas do câmbio sejam quase sempre destacados nos cadernos de economia. Na sexta-feira (30) o assunto ocupou toda a coluna semanal de Claudia Safatle, no Valor. A matéria apresentou medidas em estudo no BC para liberalização das operações cambiais e as dificuldades de cada inovação. Mostrou, além disso, o contraste entre as ações discutidas no BC – todas liberalizantes – e as tendências dominantes no Ministério da Fazenda – mais voltadas para o controle.
No mesmo dia, em Buenos Aires, o presidente do BC, Henrique Meirelles, confirmou os estudos para mudanças nas normas cambiais. No sábado, enfim, todos os grandes jornais deram bom espaço ao assunto. O Globo voltou a oferecer o tratamento mais amplo e mais detalhado. Também isso é frequente: informações de autoridades brasileiras ganham mais destaque nos jornais quando apresentadas no exterior. Muitas vezes, são só repetições de notícias já fornecidas no Brasil. É um dos mistérios da imprensa nacional.
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Jornalista