Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Uma relação de amor e ódio




** ‘Sarkozy veut la paix avec la presse’ (Sarkozy quer paz com a imprensa)


A manchete de página do Journal du Dimanche (23/11) vinha se somar à matéria do Le Monde da semana anterior que comentava que o presidente francês não tem porta-voz desde 2008. Os jornalistas que cobrem o Palácio do Eliseu trabalham com dificuldade pela essa ausência de porta-voz e se contentam com encontros com conselheiros presidenciais, sempre off the records. O fato de reclamarem contra a ausência de um porta-voz não causou até hoje nenhuma reação no palácio. Essa anomalia que o jornal qualifica de ‘exceção francesa’ é um sintoma da difícil relação de amor e ódio que o presidente francês alimenta com a imprensa de seu país.


Deve-se perguntar para que um presidente que se vê como Luiz 14 (‘L’État c’est moi’, lembram?) precisa de porta-voz. Desde o início de seu mandato, Sarkozy quis estabelecer com a imprensa uma relação de controle: tenta influenciar diretamente os jornais de patrões amigos, nomeia pessoalmente os dirigentes de France Télévisions, a holding estatal que compreende cinco canais de TV, escolhe entre jornalistas coniventes os diretores das rádios que compõem o sistema RFI (Radio France Internationale) e tem conselheiros de comunicação para acompanhar todas as etapas da construção de sua imagem, o que não impede que sua popularidade não pare de despencar.


A independência de uma parte da imprensa pode ser limitada, mas o produto é difícil de ser vendido. A outra parte é feita de jornais e revistas independentes como o Le Monde, Libération, L’Humanité e de revistas semanais que não poupam o presidente e os erros de suas políticas interna e externa.


Le Monde ressaltava que a situação de um presidente sem porta-voz é totalmente impensável em Londres, onde no número 10 da Downing Street existem dois briefings por dia. Nos Estados Unidos, os do porta-voz da Casa Branca também são diários e em Berlim eles são feitos três vezes por semana e têm a presença do porta-voz da chanceler Angela Merkel juntamente com os porta-vozes dos principais ministérios. ‘Essas trocas on the records entre os porta-vozes e os jornalistas fazem parte integrante do exercício democrático’, ressalta sutilmente o Le Monde.


Proposta indecente


Na segunda-feira (24/1), o presidente Sarkozy recebeu em palácio 300 jornalistas para a terceira entrevista coletiva de seu mandato que começou em 2007. As duas coletivas anteriores não foram um grande sucesso, pois o presidente francês não é muito hábil em responder a perguntas que incomodam. Mostra-se agressivo e acaba derrapando e se excedendo no tom ou na linguagem. Por isso, quando quer falar aos franceses sempre escolheu dois jornalistas que vêm ao palácio e fazem uma entrevista bem enquadrada nas ‘normas eliseanas’.


Essa terceira experiência de coletiva era especificamente para que Sarkozy discorresse sobre os objetivos do G-20, que a França dirige este ano, ao mesmo tempo em que assume a presidência do G-8. Um ano caído do céu para o presidente, que quer aparecer aos olhos dos franceses como o melhor candidato à sua própria sucessão. Dessa vez, ele se mostrou controlado, mediu suas palavras, falou pausadamente.


A pauta do encontro com jornalistas em formato de entrevista coletiva era rígida e o presidente esquivou-se de todas as questões polêmicas, como as que giraram em torno da gaffe da ministra das Relações Exteriores propondo ao ainda presidente da Tunísia Ben Ali enviar a polícia francesa, de savoir faire reconhecido, para ajudá-lo a controlar as manifestações hostis em Tunis.


O presidente fez, como se esperava, um mea culpa da diplomacia francesa ‘que não avaliou na medida exata o grau de descontentamento do povo tunisiano’. Mas não respondeu ao diretor do jornal Libération que lhe perguntou por que a ministra Michèle Alliot-Marie continuava em seu posto, depois da proposta indecente de oferecer a polícia francesa para reprimir os manifestantes.


A morte de mais de 100 pessoas mostrou que o savoir faire da repressão não era o que faltava ao ex-presidente tunisiano Ben Ali.