Pelo material fornecido por Cileide Alves, editora-chefe do diário O Popular, de Goiânia, parece evidente que o tradicional jornal goiano não olhou para o lado: depois do escândalo Waldomiro Diniz, divulgado pela revista Época em fevereiro de 2004, manteve sob vigilância as andanças de Carlinhos Cachoeira no mundo da contravenção.
A conclusão óbvia é que quem olha para o lado quando os jornais regionais põem a boca no trombone é a mídia nacional. Isso é ainda mais grave porque a esmagadora maioria desses veículos de porte médio pertencem a grupos jornalísticos cujo carro-chefe costuma ser uma emissora afiliada de uma rede nacional de TV.
Os regionais fazem o que lhes compete, os nacionais é que não cumprem a sua parte no contrato de fiscalização do poder público no país. Os grandes veículos adoram o PF, o prato feito, escândalos maiúsculos, de preferência flagrados por arapongas em fitas, vídeos e câmaras ocultas.
O trabalho dos repórteres-formiguinhas no Brasil profundo não tem charme. A impunidade e o descaso com a corrupção começam no descompasso cívico entre as metrópoles e os grotões. O combate solitário do Jornal Pessoal de Lúcio Flávio Pinto em Belém do Pará desvenda esta desastrosa desarticulação e desafinação entre as diferentes esferas midiáticas.
Oposição e situação
O problema maior, porém, é a incapacidade da mídia nacional de exercitar o metajornalismo, jornalismo sobre o jornalismo. Além do teor de uma denúncia é imperioso saber como ela chegou a ser transformada em notícia. Sobretudo quando inexiste um trabalho prévio e comprovado de reportagem e investigação.
A sucessão de flagrantes de corrupção desde o episódio Waldomiro Diniz revela a presença de espiões profissionais, arapongas, atravessadores do processo de buscar informações para o conhecimento público. Quando Época revelou o escândalo, poucos foram os jornalistas que se interessaram em saber como aquelas cenas chegaram à redação. Este observador vem tentando mostrar há alguns anos que este “jornalismo fiteiro” (de fitas e vídeos), cevado nos desvãos do poder na capital federal, é uma forma bastarda de investigação (ver “A mídia e o jornalismo fiteiro”).
No domingo (15/4), em apenas meia página compactada com informações a Folha de S.Paulo escancarou o sistema e seu principal operador, o ex-sargento da FAB Idalberto de Araújo, vulgo Dadá, que trabalha há anos para Carlinhos Cachoeira, depois serviu na operação Satiagraha e finalmente envolveu-se com a preparação de um dossiê para desmoralizar um dos candidatos na campanha de 2010.
O pretexto de preservar fontes de informação tem servido ao time de “fiteiros” como pretexto para esconder informações de capital importância. A denúncia de ilícitos não pode ser ela própria um ilícito.
As revelações da Operação Monte Carlo que enredaram o senador Demóstenes Torres na rede do crime organizado está produzindo uma sucessão de choques na sociedade justamente porque foram apuradas pela Polícia Federal com autorização judicial – e encaminhadas ao foro competente, o STF. E porque foram produzidas para defender o interesse público e não interesses escusos, seus desdobramentos são tão surpreendentes.
Pela primeira vez na “escandalogia” brasileira temos oposição e situação rigorosamente irmanadas na busca de culpados. E, como consequência, mídia e antimídia convertidos inapelavelmente em parceiros.
Esta faxina pode ser histórica.