A imprensa tem um discurso único para descrever a violência associada a torcidas organizadas: a de que bandos de criminosos usando uniformes de times de futebol combinam encontros para realizar suas batalhas, ou armam emboscadas para agredir os adversários.
Essa é a versão corrente nos jornais desde quinta-feira (4/6), quando se noticiou pela primeira vez o choque entre cerca de 450 torcedores do Vasco da Gama e perto de 50 torcedores do Corinthians, pouco antes da partida de quarta-feira (3) pela Copa do Brasil, no estádio paulistano do Pacaembu. Os jornais aceitam a tese de que 50 torcedores corinthianos provocaram uma briga com um grupo de vascaínos em número quase dez vezes maior.
Que o comportamento das hordas ultrapassa o limite do compreensível é tema de muitas dissertações, das quais talvez a mais densa esteja no clássico Massa e Poder, de Elias Canetti. Mas qualquer jornalista tem obrigação de desconfiar da tese de que um grupo minoritário se disponha a enfrentar em batalha uma força muitas vezes superior.
Versão oficial
Foi o que fez a repórter Leonor Macedo, da revista TPM. De dentro do estádio, ela ficou sabendo que teria havido um confronto entre torcedores corintianos e vascaínos, com graves consequências. Pelo telefone e, posteriormente, em conversas com testemunhas, ela reconstitui uma história que não está nos jornais.
Relata a jornalista (ver o texto aqui) no site da TPM que o confronto foi provocado por falta de coordenação entre dois grupos de policiais designados para acompanhar os movimentos das torcidas organizadas antes do jogo.
Um grupo de policiais teria parado o ônibus dos corintianos para uma revista nas proximidades do Clube Espéria, na Marginal do Tietê. Sem coordenação, outro grupo de policiais que escoltava os quinze ônibus de vascaínos também parou o comboio que vinha do Rio de Janeiro, a curta distância do local onde os corintianos esperavam terminar a fiscalização.
O confronto teria começado aí, provocado por um erro tático da polícia.
A versão oficial, defendida pelo promotor encarregado do caso, conta uma história quase inverossímil. Mas a imprensa compra a história sem ouvir testemunhas.
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O reizinho está nu
O Estado de S.Paulo noticia na edição de sexta-feira (5/6) que aliados do primeiro-ministro italiano Silvio Berlusconi estão indicando seu nome como candidato ao Prêmio Nobel da Paz, por sua atuação durante o conflito entre a Rússia e a Geórgia.
Mas o assunto que leva o líder à mídia mundial nesta semana é bem outro.
O jornal espanhol El País está publicando fotografias escandalosas feitas na Villa Certosa, a mansão da Costa Esmeralda onde Berlusconi recebe seus convidados particulares. As imagens, que circulam na internet desde a quinta-feira (4/6), depois de postadas no site do El País, mostram o premier italiano e convidados muito à vontade, com pouca roupa ou totalmente nus, e são acompanhadas de declarações feitas pela primeira dama italiana Verónica Lario, segundo as quais seu marido transformou a política italiana numa ‘lixeira sem pudor’.
A primeira dama pediu o divórcio há cerca de um mês, e nesse período o comportamento do dirigente italiano vem sendo motivo de noticiário escandaloso na imprensa internacional.
Direito à privacidade
As fotos publicadas por El País podem ser a pá de cal. Berlusconi tentou confiscar as fotografias, feitas por um jornalista profissional entre 2007 e janeiro deste ano, mas elas acabaram no jornal espanhol.
O autor das imagens tomou o cuidado de cobrir os rostos das pessoas que aparecem nas cenas, para evitar expor suas privacidades, exceto o rosto de Berlusconi, perfeitamente reconhecível.
A imprensa européia especula se o novo escândalo finalmente vai colocar um fim na carreira política do empresário que provoca controvérsias e coleciona gafes públicas desde que chegou ao poder.
O episódio também recoloca na ordem do dia os debates sobre limites na atuação da imprensa e sobre o direito à privacidade de certas figuras públicas. [Aqui, matéria de sexta-feira (5/6) do El País; aqui, editorial publicado na mesma edição.]