Bastante louvável e estimulante, a atitude da direção do Correio Braziliense de fazer, nas páginas do jornal, marketing com os profissionais da redação mais destacados nas áreas de política, economia, cultura, cidade, esportes etc., a fim de expô-los e bombar suas matérias impressas e, principalmente, seus blogs.
Os herdeiros de Assis Chateaubriand perceberam que a melhor mercadoria de que dispõem são seus recursos humanos. Valorizá-los, portanto, seria fortalecer o capital mais precioso que dispõem. Capital é trabalho, trabalho é capital.
Marketing do jornalista como mercadoria, eis a estratégia do Correio para vender jornal, remetendo seus leitores aos blogs dos profissionais-mercadorias devidamente marqueteados.
Chatô teria fugido, com a fórmula que bolou, da norma de deixar seu patrimônio para a posteridade fora da influência estritamente familiar. Preferiu abrir, de forma restrita, é claro, espaço aos trabalhadores da sua empresa. Assim, a história demonstra que o grupo foi sendo recheado de proprietários acionistas, denominados condôminos.
Propaganda para vender peixe
As mercadorias anunciadas seriam o designo secreto de Chatô, entendido agora pelos diretores da organização como necessidade de as transformarem, todas, em respectivos condôminos, como forma de dar força ao capital em seu conjunto, identificando-o, inteiramente, com o trabalho?
O lado positivo dessa estratégia de marketing, do ponto de vista do jornalista, é o reconhecimento de que o real concreto em movimento dialético da organização é o próprio trabalhador. A qualidade deste dá a indicação segura ao consumidor da credibilidade do produto apresentado para ser consumido, com data de validade permanente.
O que restaria ao profissional como compensação?
A liberdade de exercer a sua valorização explícita como mercadoria anunciada com toda a pompa? Ou a limitação dessa liberdade expressa na opinião do próprio jornal, não cabendo ao profissional nada mais do que concordar em ser mercadoria livremente manipulada pelo poder do marketing?
A era do marketing na política, em que tudo, politicamente falando, é, realmente, propaganda para vender peixe, chegou, finalmente, à arena do jornalismo, entendido como expressão do jornalista, e não da empresa jornalística?
Jornalista-acionista
Qual, então, seria a contrapartida para o jornalista como mercadoria que se auto-anuncia? Representaria completa subordinação à orientação da empresa? Ou se constituiria mercadoria autônoma, que põe senso crítico no trabalho que apresenta, para angariar maiores adeptos ao produto à venda?
É a notícia que tem de ser vendida ou o jornalista que precisa ser anunciado? Há identidade total entre a notícia e quem a noticia, para medir ambas pela ótica da propaganda meramente comercial? Ou haveria distinção entre uma coisa e outra, para preservar o direito do anunciado, o jornalista, quanto aos propósitos do anunciante, o dono do jornal? Em que ponto ambos convergiriam para que houvesse completa identidade de propósitos entre as duas partes?
Na economia do conhecimento sob o capitalismo, a evolução da relação capital-trabalho, no ambiente em que o poder do conhecimento se transforma em valorização do capital, dada pelo trabalho, certamente, impõe novo paradigma, para abertura de novas experimentações na produção da riqueza.
Nessa nova relação que o Correio Braziliense abre com o profissional que contrata, na tentativa de buscar identidade de opinião com a mercadoria que anuncia, de duas uma: ou teria que respeitar a divergência, para levar ao pé da letra a disposição de ver na mercadoria anunciada o próprio poder de transformação da sociedade, ou então seria aberta possibilidade no sentido de ampliar as relações capitalistas entre patrão e empregado, abrindo possibilidades de fazer do jornalista o principal acionista da empresa.
Excesso de dólares
Não é ele que está valorizando o capital dela? Por que não dar ao lucrativo insumo o seu verdadeiro sentido?
Marx destaca que o trabalho é valor que se valoriza, mas, na formação do lucro capitalista, a coisa não funciona como o pai do neoliberalismo, Jean Baptista Say, tentou configurar.
Quando o capitalista parte para a produção de sua mercadoria, diz Marx, joga na circulação capital variável, trabalho (V), mais capital constante (C), máquinas, equipamentos, matérias-primas, insumos etc., ou seja, C+V. No entanto, ressalta, retira dessa circulação não apenas C+V, mas C+V+S, sendo S o lucro. De onde vem S? Não vem, diz o autor de O Capital.
A totalidade do valor que o trabalhador recebe em forma de salário é inferior à totalidade do valor que produz em forma de mercadoria, de forma que ocorre, segundo Marx, crônica insuficiência relativa de demanda global que acompanha o capitalismo desde o seu nascimento, fator de origem das crises de realização do capital tempos afora em forma de sobreacumulação que se desvaloriza.
O excesso de dólares acumulados nos Estados Unidos e na Europa, neste momento expresso em inflação materializada na escalada incontrolável do preço do petróleo, que repercute, por sua vez, na alta dos preços dos alimentos, não seria mera coincidência…
Produtor de lucro
Vale dizer, não se materializa nunca, na prática, a pregação de Say de que toda oferta gera demanda correspondente. Se toda a mercadoria que vai para as prateleiras dos supermercados fosse vendida pelo seu preço de custo, sem margem de lucro, ou seja, sem ‘S’, o empresário não renunciaria à liquidez que engorda seu capital no juro, como destaca Keynes.
O lucro, que ele obtém, jogando na circulação de C+V, é o atrativo que o faz renunciar ao juro sobre o capital obtido na especulação, na esperança de faturar retorno maior optando pela produção. Caso contrário, por que o capitalista iria gastar 100 para produzir 100 e vender por apenas 100, fazendo graça para o trabalhador?
Se o Correio Braziliense resolve agora fazer essa ‘graça’, dando publicidade ao trabalhador, ao jornalista, que dá prestígio ao produto jornalístico empresarial, é porque move tal intento a consciência de que o lucro, isto é, ‘S’, deve ser igualmente repartido entre capital e trabalho, ou é apenas uma enganação?
O desafio estaria na transformação do assalariado em acionista da empresa, com aquele erguido pelo marketing à condição de produtor de lucro desta.
Nova realidade não está longe
Por trás dessa jogada empresarial pode estar inconscientemente reconhecida a função fundamental de construção de nova relação capital-trabalho, cujo preço a pagar, pelo trabalho, seria a sua identificação com o capital.
Haveria uma unidade entre ambos e, certamente, o jornalista incorporaria, sem resistência, o conteúdo ideológico que está por trás das posições do jornal? Essa identidade seria fundamental, para que o produto anunciado, a Coca-Cola, não se visse no exterior da realidade da própria direção da Coca-Cola?
Como ocorreria isso senão por meio da identidade ideológica entre os dois coadjuvantes de uma mesma produção econômico-jornalística? A saída apaziguadora na relação das duas categorias sociais distintas – patrão/empregado – seria o jornalista transformar-se em acionista da empresa. O empregado vira patrão e o patrão, empregado, na medida em que o dono reconhece que é dono porque o empregado é o maior valor de sua mercadoria posta nas prateleiras.
Essa realidade está longe ou perto? A internet está demonstrando que não está tão longe.
Um mundo inexplorado
Se o conjunto dos competentes repórteres do Correio Braziliense formasse um jornal na internet, com o poder de fogo qualitativo-libertário superior ao que faz, escrevendo no espaço empresarial online do próprio Correio, não teria em mãos, como empreendedor de peso, produto de valor superior ao produto que realizam na condição de assalariados?
Os donos do produto, ao anunciarem os construtores desse produto como a matéria-prima essencial do empreendimento, são, no ato da ação de marketing que empreendem, os primeiros a reconhecerem tal potencial de fogo. Do contrário, por que fariam propaganda de um produto no qual descrêem?
O jornalismo online abre espaço para que os anunciados, assalariados, transformem-se em anunciantes, empresários capitalistas, despendendo investimento relativamente baixo, pois que já devidamente dado, em forma de capacidade de trabalho disponível. Disponível e suficiente.
Os donos dos jornais, ao promoverem, o seu principal produto, mostram o que esse produto pode realizar se deixar de ser mero produto, mas produtor consciente de sua própria forma – e devidamente autônomo.
Os novos tempos da tecnologia da informação on line são um vasto mundo inexplorado que abre espaço para novo desenvolvimento do próprio capitalismo midiático, alterando, qualitativamente, a relação C+V, na busca de S.
Alguém duvida?
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Jornalista, Brasília, DF