Tuesday, 03 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1316

Veículo da imprensa operária é alvo de hackers

(Foto: Darwin Laganzon/Pixabay)

Em suas reflexões sobre o conceito de hegemonia, o filósofo italiano Antonio Gramsci concluiu que o surgimento de uma nova forma de organização social que supere o sistema capitalista requer ir além de apenas modificar a propriedade dos meios de produção. É preciso que a classe operária tenha sua própria imprensa, para que assim possa criar mecanismos de expressão contrários à ideologia burguesa difundida pelos veículos de comunicação hegemônicos.

No Brasil, um exemplo emblemático desse tipo de imprensa pleiteada por Gramsci pode ser encontrado no jornal eletrônico Diário Causa Operária (DCO), que desde 2003 traz matérias com temáticas de interesse da classe trabalhadora.

Nos últimos anos, o DCO tem se destacado como um veículo combativo que vem denunciando todos as manobras políticas feitas pela elite econômica com apoio da grande mídia.

Em suas edições, advertiu sobre as tentativas de setores conservadores de se apropriarem das jornadas de junho de 2013; posicionou-se contra o movimento político que culminou no impeachment de Dilma Rousseff e, recentemente, ao contrário da maioria da esquerda, criticou a chamada “Frente Ampla”, que nada mais é do que uma capciosa maneira de colar a imagem de “democrata” aos responsáveis, justamente, pelos recentes ataques à democracia no Brasil.

Como é de se esperar, este tipo de liberdade editorial desagrada a muita gente. Não por acaso, o DCO é alvo constante dos discursos raivosos dos haters, de amplos espectros ideológicos.

No entanto, no dia 18 de julho, esses ataques tomaram proporções criminosas: o DCO sofreu uma invasão de hackers, que destruiu a estrutura do site e apagou mais de quatro mil artigos (escritos por cerca de quinhentos colaboradores). “Os artigos apagados correspondem a cerca de 100 dias e oito mil horas de trabalho dedicado e militante de redação, fotografia, revisão etc. Representa também um enorme prejuízo financeiro, dado que milhares de horas de centenas de pessoas foram aí empregadas, tanto para redigir os artigos como para montar o site, que havia recebido uma nova estrutura recentemente e terá que ser reconstruída do zero”, apontou um editorial do DCO.

Pelo menos em âmbito nacional, podemos afirmar que a ação dos hackers contra o DCO representa um caso sem precedentes de ataque a um sítio de internet de esquerda, uma prática semelhante ao Index na Idade Média, à queima de livros na Alemanha nazista ou à censura durante a ditadura militar no Brasil.

Segundo a colunista do DCO Izadora Dias, os responsáveis pelos ataques não suportam a existência de uma imprensa independente, construída por militantes conscientes que não precisam de verbas do grande capital para lutar por sua ideologia. Trata-se, portanto, de uma prática totalmente antidemocrática, não somente contra o DCO, mas contra os trabalhadores de maneira geral e, em última instância, à tão aclamada liberdade de expressão (que ultimamente já tem sido constantemente ameaçada).

Também é importante frisar que, em um país que apresenta uma vergonhosa concentração midiática como o Brasil, veículos alternativos como o DCO cumprem a imprescindível função de garantir a mínima pluralidade de ideias na esfera pública nacional. Concordar ou não com seu conteúdo é outra história; o que, diga-se de passagem, é uma prática absolutamente salutar em um ambiente democrático.

Porém, tentar calar o DCO, ou qualquer outro tipo de imprensa (independentemente de viés ideológico), é uma prática que jamais deve ser admitida.

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Francisco Fernandes Ladeira é mestre em Geografia pela UFSJ. Autor dos livros 10 anos de Observatório da Imprensa: a segunda década do século XXI sob o ponto de vista de um crítico midiático (Editora CRV) e Crônicas no Jornal O Tempo: o olhar de Francisco Ladeira sobre o mundo contemporâneo (Vicenza Edições Acadêmicas).