TECNOLOGIA
O capitalismo segundo Steve Jobs
‘Quando Steve Jobs subiu ao palco para apresentar o novo iPhone, na semana passada, em São Francisco, esperavam-se melhorias empolgantes no aparelho. E elas vieram – na forma, por exemplo, de uma conexão mais veloz à internet. Inesperada era a exposição de uma nova filosofia de negócios, cujo impacto vai além da venda de um produto. Os mandamentos criados por Jobs estão inscritos nesta reportagem.
1. O dobro por metade do preço. Baixar uma página da internet por meio do novo iPhone, que opera na rede 3G, ficou duas vezes mais rápido. Ao mesmo tempo, a Apple cortou pela metade o preço do celular. O modelo com memória de 8 gigabytes sairá por 199 dólares. Antes, custava 399 dólares. Jobs comprometeu-se a manter o mesmo valor em todos os países onde o iPhone for lançado. Segundo ele, o ‘índice Big Mac’ (que costuma ser usado na comparação do custo de vida dos países) deverá em breve ser substituído pelo ‘índice iPhone’.
2. O caro sai barato. Para não repassar os custos da excelência tecnológica ao consumidor, a Apple firmou um novo acordo de parceria com a AT&T nos Estados Unidos. A empresa de Jobs vai deixar de receber um porcentual das contas mensais pagas pelos usuários. Em contrapartida, a telefônica americana concordou em subsidiar o celular para o consumidor – daí a redução de preço. O subsídio vai repetir-se em outros países, inclusive no Brasil.
3. O mercado é o mundo. Em 2007, a Apple anunciou que o iPhone somente seria comercializado nos Estados Unidos, em parte da Europa e, talvez, na Ásia. O plano mudou. Saltou de seis para setenta o número de países onde o iPhone será vendido até o fim deste ano. Na semana passada, as operadoras Vivo e Claro confirmaram que, antes do Natal, o telefone chegará oficialmente ao Brasil, onde já é um sucesso. Algumas estimativas apontam a existência de 300 000 iPhones em operação no país.
4. Falar é o de menos. Todas as novidades do iPhone 3G têm como objetivo explorar ao máximo sua principal vocação: facilitar o trabalho de navegação pela internet. O iPhone já havia dado um salto à frente com sua tela ampla e sensível ao toque, que simplifica e torna natural o manuseio do conteúdo da web. Na semana passada, Jobs apresentou uma série de aplicativos para a internet desenvolvidos especialmente para o iPhone 3G – e cujo uso seria impraticável num equipamento convencional.
5. O mundo conspira a seu favor. Enquanto Steve Jobs dorme, 250 000 pessoas estão bolando maneiras de criar programas para o iPhone. Esse não é o número de funcionários da Apple, mas sim o total de programadores independentes que hoje se dedicam a desenvolver softwares para o celular, como games ou serviços de localização por mapas. O negócio é tão promissor que a empresa anunciou que deve inaugurar, em 11 de julho, a AppStore, uma loja virtual (que não se confunde com o iTunes) especializada em programas específicos para o iPhone.
6. Os parceiros têm de lucrar. A facilidade de navegação pela internet faz com que os donos de iPhone usem um maior número de serviços na web. Por conseqüência, eles pagam mais para as operadoras de telefonia. A Telefonica, que vende o celular da Apple no Reino Unido, constatou que a receita mensal obtida com quem tem um iPhone pode ser 30% superior à dos usuários de outros celulares. Efeito idêntico foi registrado pela AT&T, que oferece o telefone com exclusividade nos Estados Unidos. Para completar, a empresa está ganhando novos clientes. Quatro em cada dez compradores do iPhone são novos assinantes da companhia.
7. Mire grande, mesmo começando pequeno. Atualmente, metade dos americanos que utilizam um smartphone no trabalho recorre ao BlackBerry. No entanto, desde que o iPhone foi lançado, 13% dos consumidores trocaram o BlackBerry pelo modelo da Apple. Mais ainda: 40% dos usuários de smartphones já migraram para o iPhone. Jobs não quer se contentar com menos do que atingir a primazia nesse setor. O modelo lançado na semana passada permite a sincronização de serviços de e-mail com a agenda eletrônica e os contatos telefônicos – uma função essencial para executivos.
8. Revolucione. O maior sucesso em vendagens na história dos celulares é o Motorola Razr. Desde seu lançamento, em 2004, foram vendidos 140 milhões de unidades do aparelho. Até o momento, as vendas do iPhone somam 6 milhões. O sucesso do Razr deveu-se ao seu design ultrafino. Mas ele não trouxe funções diferentes daquelas de um celular comum. O iPhone foi muito além. Como disse o colunista de tecnologia do jornal The New York Times, David Pogue, hoje há no mercado três plataformas de acesso à internet: a Windows, a Apple e a do iPhone, que não se compara a nada que já existe.
9. A internet é o computador. Em sua pré-história, a internet não era mais que um meio de facilitar a comunicação entre acadêmicos. Logo evoluiu para tornar-se um gigantesco banco de informações. Agora, é capaz de substituir funções do computador pessoal, como memória e capacidade de processamento. Muitos programas rodam na internet, nas chamadas ‘nuvens de computação’ (clouds). Quando dados estão numa nuvem, é possível consultá-los de qualquer aparelho em qualquer lugar. O iPhone explora, como nenhum outro celular, essa possibilidade. A Apple conta com um serviço de armazenamento de dados na web específico para usuários do iPhone – o MobileMe.
10. Minha língua é sua língua. Quase tudo que se faz no iPhone é intuitivo. Sua tela ampla e sensível ao toque simplifica e torna natural o acesso às informações guardadas no telefone e também a navegação na internet. Ao contrário do que ocorre com a maioria dos smartphones, que não têm mais que dois ou três de seus recursos explorados pelos usuários, no caso do iPhone 80% das pessoas usam mais de dez de suas funções. Seguindo essa mesma lógica, o novo modelo do aparelho exibe todos os seus comandos na língua do usuário e é capaz inclusive de trabalhar com ideogramas chineses. Se não for possível digitar um texto em chinês no teclado, basta desenhar os caracteres na tela.’
TELEVISÃO
Um perigoso precedente na TV paga
‘Há quinze dias, espectadores da MTV Brasil tiveram uma surpresa desagradável. Sem aviso prévio, a operadora de TV paga Sky suspendeu a transmissão do canal para boa parte de seu 1,7 milhão de assinantes – o sinal só continuou disponível em São Paulo. O contrato que a MTV Brasil mantinha com a Sky venceu em dezembro passado e, desde então, as duas empresas tentavam chegar a um novo acordo. Com base em seus investimentos na programação e no crescimento da audiência, a emissora – pertencente ao Grupo Abril, que também edita VEJA – reivindicava um aumento na remuneração paga pela Sky. A operadora rechaçou várias propostas e acenou apenas com a manutenção das condições do contrato anterior – agravadas por um mecanismo de reajuste da inflação que redundaria no achatamento dos ganhos da MTV. A emissora protestou. Então veio o ultimato: ou aceitava o que se propunha, ou o canal seria tirado do ar em 48 horas, como acabou acontecendo. ‘Estamos abertos a negociar, mas a Sky se recusa a sentar à mesa’, diz André Mantovani, diretor-geral dos canais Abril. Por meio de sua assessoria, a Sky alega que a proposta que recebeu é ‘abusiva’ e ‘teria impacto negativo’ no preço de seus pacotes. Segundo a MTV, a Sky não apenas rompeu com a ética empresarial como ainda se apropriou de maneira indébita do conteúdo que ela produz – uma vez que continuam as transmissões em São Paulo, mesmo sem um contrato para regulá-las.
Mais que um episódio circunscrito, o desacerto entre MTV e Sky reflete a tensão latente no mercado de TV paga (não por acaso, a MTV recebeu o apoio de emissoras como a Bandeirantes ao lançar uma campanha de protesto contra a suspensão de seu sinal). O mercado brasileiro de TV por assinatura é dominado por duas operadoras, a Net e a Sky, que respondem por 78% dos 5,3 milhões de assinantes no país. Isso significa que nenhum canal ou produtor consegue se dirigir à maioria do público sem a bênção de ambas. Do capital da Sky, 74% está nas mãos de uma empresa controlada pelo grupo americano Liberty Media, assim como 49% dos votos da Net (mas muito mais do capital) pertencem à mexicana Telmex, do bilionário Carlos Slim. Nos dois casos, o restante das ações está nas mãos da Globo. O grupo que controla a maior rede aberta do país é o mesmo que manda na distribuição dos canais da TV paga – e, mais relevante neste contexto, é o mesmo que produz os mais fortes canais nacionais para essa plataforma, como GNT e Multishow. Para outros criadores de conteúdo como a Abril, a Band e um conjunto de empresas menores reunidas na Associação Brasileira de Produtoras Independentes de Televisão (ABPITV), o que ocorre hoje em dia é uma espécie de bloqueio aos seus conteúdos. ‘Quando a Sky nos põe contra a parede, sinto-me seguro para dizer que o problema não é o preço que cobramos, nem a qualidade do que faz a MTV. O que há é uma tentativa de impedir o avanço de outros produtores de conteúdo nacional’, diz Mantovani. Frederico Nogueira, vice-presidente da Band, completa: ‘Se um único grupo dita quem pode e quem não pode participar do jogo, o que se tem é uma reserva de mercado’.
Encontra-se atualmente na Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara dos Deputados um projeto de lei que estabelece um novo marco regulatório para o setor, o PL 29. Ele busca fixar regras para a entrada das empresas de telefonia na TV paga – o que, por si só, deverá fomentar a concorrência. E também instituir mecanismos de incentivo à produção audiovisual brasileira. Prevê a criação de um fundo de 500 milhões de reais para o financiamento dessa produção. Outros remédios previstos com essa mesma finalidade são polêmicos. É o caso da criação de cotas para os programas nacionais na TV paga. Elas viriam em dois formatos. A imposição de um porcentual diário de shows nacionais nos canais estrangeiros de filmes e seriados é o tipo de solução que interfere na liberdade de escolha do espectador (se ele decidiu sintonizar um enlatado americano, é porque quer ver exatamente isso: um enlatado). Outro tipo de cota previsto é aquele que obriga as operadoras a oferecer certo número de canais brasileiros em seus pacotes, mas sem exigir que haja uma diversidade de produtores. Relator do projeto, o deputado Jorge Bittar (PT-RJ) acredita que esse seja um remédio amargo, mas necessário nas circunstâncias nacionais. ‘Vivemos num ambiente de restrição da concorrência. Com isso saem prejudicados o espectador e o mercado brasileiro, que não consegue deslanchar na produção de conteúdo local’, diz ele. O embate em torno do PL 29 é intenso – e o episódio Sky versus MTV pode ser visto como seu corolário. Se o projeto de lei já houvesse sido aprovado, a Sky jamais poderia ter feito o que fez.’
Marcelo Marthe
A máquina de fazer mutantes
‘Supervisor de efeitos visuais da novela Os Mutantes, da Record, Marcelo Brandão recebeu uma encomenda na segunda-feira passada, quando jantava na emissora. A pedido do diretor Alexandre Avancini, sua equipe terá de criar um robô para a história. ‘Ele disse: ‘Pense numa coisa meio C-3PO, meio Eu, Robô’, conta Brandão (as referências são o andróide da série Guerra nas Estrelas e os robôs do filme de Will Smith). Na rotina de Brandão, tarefas ambiciosas como essa são tratadas como se fossem banais já faz algum tempo. A Record descobriu as mil e uma utilidades dos mutantes com o folhetim Caminhos do Coração, cuja audiência se sustentava graças ao apelo desses personagens com crianças e adolescentes. Sua seqüência, que estreou faz duas semanas, vai mais longe. Quando Caminhos começou, contabilizavam-se dez mutantes e quarenta humanos. Agora, as criaturas são maioria: há 41 delas, contra 33 humanos. E o turbilhão criativo do noveleiro Tiago Santiago não dá sinais de esmorecer. Na trama anterior, ele transformou a ex-miss Natália Guimarães numa mulher-aranha com patas peludas e disposta a procriar com um homem-cobra? Pois a nova já exibiu um ataque de lobisomens nas ruas de São Paulo e a cidade sendo destruída por uma explosão atômica, no sonho de uma personagem.
Nunca uma novela foi tão longe no uso da computação gráfica e dos efeitos especiais. Mas a Record paga um preço por se aventurar nesse terreno sem experiência – e com a pretensão de copiar, logo de cara, expedientes do cinema americano. Apesar dos altos investimentos (só um dos equipamentos, o Inferno, custou 2 milhões de reais), sua estrutura ainda é pequena perto da que se utiliza para produzir um filme ou uma série nos Estados Unidos. Enquanto por lá uma produção dispõe de milhares de estações de trabalho em 3D para processar os efeitos com o máximo de realismo, a Record só tem seis computadores. É neles que se criam personagens virtuais como o velociraptor da trama. Ele é um primo pobre daqueles que se vêem no sucesso Jurassic Park: tem o aspecto de um boneco e movimentos artificiais. Há que reconhecer que o time de efeitos visuais se esforça: os vinte profissionais revezam-se em turnos ininterruptos para extrair o máximo dos equipamentos.
Eles enfrentam ainda uma batalha contra o tempo. Num seriado americano, produzem-se cerca de vinte episódios por ano. Sobra tempo para refinar os efeitos. Na linha de montagem de uma novela diária, é preciso pôr dez novas seqüências pirotécnicas no ar a cada capítulo. Em condições assim, é compreensível que se descambe para o mambembe. ‘Somos como uma padaria funcionando a pleno vapor: num dia o pãozinho sai quente, no outro fica murcho’, diz Brandão. Para sobreviver na selva mutante, a equipe criou gambiarras. A certa altura de Caminhos do Coração, a missão era dar vida a um sapo gigante. Chegou-se a pensar numa versão virtual do bicho. Mas, como o prazo era curto, o jeito foi filmar um sapo de verdade e depois ampliar sua imagem.
A equipe de efeitos visuais dobrou de tamanho desde o início de Caminhos do Coração. A novela é um belo desafio para esses profissionais. ‘A gente se diverte’, diz Brandão. Mas ter de fazer tanto com tão pouco também causa stress. Um técnico já pediu o chapéu por não agüentar a pressão. Não é para menos. Uma seqüência como a batalha dos lobisomens da estréia de Os Mutantes leva seis meses para ser feita nos Estados Unidos ou na Europa. Na padaria virtual da Record, saiu em uma semana.’
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