A retrospectiva fotográfica de 2006 (edição 1989, págs. 49-97) do semanário Veja produz sensações simultâneas e contraditórias:
a)
aquelas magníficas fotos não apareceram ao longo do ano;b)
também alguns assuntos, temas ou ângulos;c)
a sensibilidade para escolher imagens tão tocantes nada tem a ver com a utilização abusiva de infográficos enganosos, em geral a serviço de matérias que não se sustentam;d)
aquelas páginas fortes e serenas são capazes de prender os leitores mais tempo do que o picadinho estilo almanaque que hoje domina nossas revistas. Mesmo quando as legendas são insuficientes.Dupla viagem ao passado: a mais recente, documental, sobre o ano que se encerrou. A outra, remota, nostálgica, sobre um jornalismo que teima em sobreviver a despeito da impaciência dos seus algozes.
Infelizmente sempre aparece um amigo-da-onça para subverter um trabalho sério e coerente: a abertura, ‘O Ano do Apagão’ (págs. 50-51), não é propriamente uma foto, é uma ilustração para um destoante editorial político. O apagão aéreo produziu milhares de fotos, mais fortes e verazes.
As celebridades que aparecem a partir da pág.98, têm apenas uma função – lembrar o leitor que o sonho acabou.
SALDOS & BALANÇOS – 2
Rancor no lugar de crítica
Exemplo perfeito do espírito de linchamento que começou a prevalecer entre os novos praticantes do media criticism pode ser encontrado na carta de uma leitora da Folha (sexta-feira, 29/12, pág. A-3) que não gostou do balanço de Danuza Leão sobre o primeiro mandato do presidente Lula.
Maria Izabel Brunacci, de Belo Horizonte, tem suas razões para detestar o artigo ‘Mais quatro anos; socorro’ (Folha, quinta, 28/12, pág. A-8, ver reprodução abaixo) e está no seu direito ao contestar a autora. Lamentável foi o estilo que escolheu para manifestar-se:
‘Danuza Leão é, intelectualmente, o mais bem acabado retrato de certa colônia de parasitas – que Machado de Assis tão bem identificou em seus romances – que vive colada à elite brasileira, cuja visão de mundo reproduz, dissemina enquanto usufrui da complacência de seus mantenedores.’
A leitora não discute, não contesta, não argüi, nem tenta rebater os argumentos apresentados por Danuza Leão. Simplesmente apela para a ofensa pessoal – é a sua maneira de dizer que existe.
A cólera, certamente, é alheia: a leitora é uma vítima das suas leituras e dos seus gurus em matéria de crítica da mídia. (A.D.)
***
Já que o OI clamou pelo óbvio…
Crítica à crônica ‘Mais quatro anos; socorro’, de Danuza Leão
Maria Izabel Brunacci*
[incluído às 15h40 de 3/1/2007]
Escrevi protestando contra a crônica de Danuza Leão e a Folha de S. Paulo, para minha surpresa, publicou meu texto, enviado por correio eletrônico. Entretanto, o observador Alberto Dines repercutiu a Folha, para apoiar a cronista, ao mesmo tempo em que, taxativo, rotulou-me: ‘a leitora é uma vítima das suas leituras e dos seus gurus em matéria de crítica da mídia’. Ora, sou mineira descendente de italianos: dou um boi para não entrar numa briga e uma boiada para dela não sair; e muito me apraz uma polêmica intelectual. Daí minha disposição de, neste ensaio, responder tanto ao violento achaque do Sr. Dines quanto à referida crônica ‘danuziana’.
Começo por dizer que possuo autonomia intelectual suficiente para não depender de gurus que me digam o que pensar. Leio tudo que me procura e que procuro. Inclusive os textos do Sr. Alberto Dines e da cronista em pauta. Sempre fui refratária a dizer o óbvio, principalmente para os que se identificam como intelectualizados, informados, instruídos. Mas aprendi com um bom mestre na UnB que o óbvio também precisa ser dito, quando menos para não sermos acusados de escamotear verdades. Talvez meu erro tenha sido não ter dito o óbvio sobre a crônica de Danuza no restrito espaço da Coluna do Leitor da Folha de S. Paulo. Talvez por isso tenha sido eu o alvo privilegiado da ira santa do observador…
Minha carta sofreu alguns ‘cortes de edição’. Em um trecho cortado eu observava o claro problema na pontuação utilizada no título da crônica, mostrando que, do alto de sua arrogância, Danuza também comete erros gramaticais. Em outro, evoquei a saudosa Nara Leão – aquela que se apresentou ao lado de João do Vale no show ‘Opinião’, defendeu e praticou a aproximação da classe-média-zona-sul-carioca com a cultura produzida nos morros e grotões –, para mostrar que, assim como em qualquer família, também a de Danuza foi capaz de gerar irmãs ideologicamente opostas. Mas eu não o disse assim, com todas as letras, porque isso me parecia óbvio demais para o perfil de leitor da Folha de S. Paulo.
Percebi o preconceito de Danuza logo no primeiro parágrafo da crônica, em uma expressão aparentemente desimportante colocada entre parênteses: ‘(os mais ingênuos)’. Ou seja, a autora se coloca desde o início do texto dicotomicamente posicionada entre os não-ingênuos da sociedade brasileira, aquela minoria que não votou em Lula. É assim que funciona: o texto revela o lugar ideológico de seu emissor e este não escapa ao leitor atento, capaz de ler os mais inocentes fragmentos. Se bem que a crônica de Danuza não é assim tão sutil, ela explicita estrondosamente o preconceito de classe que enforma a visão de mundo da autora. Para isso, recorre a expressões populares como ‘o buraco é mais embaixo’, ‘fala sério’ e ‘liberou geral’ ou a provérbios como ‘quem nunca comeu melado quando come se lambuza’, procedimento textual típico de quem procura conferir artificialmente legitimidade social a um discurso autoritário.
Contradições escamoteadas
A par desse artifício, Danuza vai tecendo sua teia de preconceitos, todos eles reproduzidos do noticiário do último ano e meio, quando teve início a ‘crise’ do governo Lula – e esta crise, sua fabricação pela mídia e o uso eleitoral que dela se fez é assunto que outros ensaios já trataram, vários deles na insuspeita revista semanal Carta Capital. A cronista recupera os lugares-comuns utilizados pela imprensa para (des)qualificar Lula e o PT, lembrando episódios exaustivamente explorados e apregoando a falência do ‘proprietário único da ética e da verdade’, em sonoro eco aos mais conservadores jornalões, que por sua vez ecoaram falas dos mais conservadores políticos brasileiros, do PFL e do PSDB. De eco em eco, o discurso vai se reproduzindo, mas, para o mal e para o bem, chega um momento em que esse eco bate e volta, diretamente na cara do último que o (re)produziu.
Danuza, assim, oferece-nos bem acabados exemplos dessa reprodução discursiva: quando fala da ‘compra do avião’ não há como a gente não se lembrar do discurso político de Geraldo Alckmin durante a campanha à eleição presidencial. O mesmo acontece com os exemplos de Chirac e do Papa, que constituem o espelho invertido da eterna mania brasileira de copiar os países do ‘primeiro mundo’. De sua perspectiva de classe, a autora não digere o atrevimento dos pobres, que segundo ela deixaram de ‘passar a impressão de que não havia gastança’. Mas seu mais ferino verbo se dirige à primeira-dama, Marisa, que ‘não larga do pé’. Será que ela preferia alguém como a D. Ruth Cardoso, que tanto ‘largou do pé’ de FHC que obrigou a solidária imprensa brasileira a esconder um filho ilegítimo do ex-presidente com uma jornalista da Globo? Pobre D. Marisa, quem mandou ser atrevida a ponto de usar um ‘ridículo maiô branco com uma estrela vermelha na barriga’? Para quem sabe que a primeira estrela na bandeira do PT foi cerzida a mão pela primeira-dama, nada a estranhar. Já para os que sequer sabem o significado do verbo cerzir…
O desfecho da crônica é exemplar, resume brilhantemente a tendência de certos autodenominados ‘formadores de opinião’, quando insinua o viés tirânico de Lula, como se no Brasil as instituições democráticas encarnadas nos poderes legislativo e judiciário estivessem falidas e apenas sobrasse o poder executivo. Mas isso, por outro lado, revela o viés udenista que presidiu a imprensa no último ano e meio, o qual Danuza tão bem encarnou.
Eco discursivo
Estudiosos da cepa de Sergio Buarque de Holanda, Florestan Fernandes, Caio Prado Júnior, Antonio Candido, Darcy Ribeiro e outros identificaram, na vida social brasileira, o lado perverso da reprodução das tradições de mando, encarnadas nas figuras do agregado e do capataz. São duas espécies de parasitas sociais, produtos da política do favor, desde sempre utilizada pela elite brasileira para se perpetuar no topo dessas relações. Machado de Assis traz-nos a representação dessas figuras em seus romances e crônicas – estas sim, verdadeiras crônicas da vida dos brasileiros. Euclides da Cunha traz-nos a representação do horror à possibilidade de que os pobres queiram tomar nas mãos os próprios destinos. Por isso essa matéria social foi, ao longo dos últimos quinhentos anos, domesticada – pela cooptação ou pela repressão pura e simples. Mas tudo sempre revestido pela famosa cordialidade brasileira, escamoteadora das contradições e das tensões sociais delas decorrentes.
Hoje, nos tempos dos autodenominados pós-modernos, essas figuras continuam existindo e cumprindo sua função de reproduzir incessantemente a visão de mundo da elite. Muitas delas se abrigam na instituição imprensa, protegidas por uma escandalosa imunidade. Em nome da liberdade de imprensa e de expressão podem desferir discursos golpistas a torto e a direito. E também à direita, como se viu com freqüência nos últimos meses. Não é à-toa que, em enquete do próprio Observatório da Imprensa, grande maioria de leitores decretou que a imprensa brasileira, em 2006, foi muito ruim, abaixo da crítica. É preciso que o Sr. Dines saiba articular as duas coisas: os leitores não mais aceitam que se lhes empurrem goela abaixo os lugares-comuns consagradores do preconceito social e do ódio de classe.
Sem ódio no coração, afirmo não ser portadora do ‘espírito de linchamento’ a que se refere Dines, embora reconheça que, no calor da indignação, também o fígado contribui para a crítica. Julgo que apenas encarnei a rocha que devolveu o eco discursivo diretamente na cara de quem reproduziu o preconceito. E mais: contribuí para que se desvelasse o caráter corporativo que aflora em alguns textos desse jornalista. [Belo Horizonte, 03 de janeiro de 2007]
* Professora do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais, em Belo Horizonte; mestre em Teoria Literária e doutora em Literatura Brasileira pela Universidade de Brasília
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Mais quatro anos; socorro
Danuza Leão # copyright Folha de S.Paulo, 28/12/2006
[incluído às 18h02 de 2/1/2007]
Quando foi eleito pela primeira vez, Lula encheu de esperanças os 00°0000corações da maioria dos brasileiros (os mais ingênuos). Foi bonito um torneiro mecânico chegar à Presidência pelo voto direto. Lula tem grande facilidade para discursar de improviso e diante de uma fábrica poucos falam melhor do que ele. Mas para ser presidente o buraco é mais embaixo, e com a mesma facilidade Lula é capaz de dizer grandes besteiras, como aliás tem dito.
Não dá para compreender como um presidente, após tantos escândalos surgidos dentro do próprio Palácio do Planalto, consegue ter a aprovação popular que tem Lula. Mas é elementar: quem recebe R$ 50 por mês do Bolsa Família deve se achar abençoado por Deus, e no interior do Nordeste, onde não há trabalho mesmo, R$ 50 dá para comprar um saquinho de farinha e um pedacinho de carne-de-sol para botar no feijão -melhor do que nada. E dá-lhe Lula mais quatro anos.
Mas o mal que ele está causando ao país é tão grande que ainda nem dá para avaliar. Todos os seus auxiliares e amigos mais próximos foram indo embora -por vontade própria ou por terem se metido em algum escândalo, mas ele nunca soube de nada. E o PT ficou tão só que seu maior aliado é o PMDB.
Lembra o dia da posse, quando milhares de pessoas se emocionaram com a chegada de Lula à Presidência? Era um novo tempo, um tempo de fraternidade, em que o Brasil iria, enfim se transformar num país justo. Deu no que deu, logo com o partido que era o proprietário único da ética e da verdade.
Lula é, quem diria, muito vaidoso e gostaria de se tornar um líder mundial. Mas é também -quem diria, de novo- indeciso, covarde, enfrenta mal os fracassos e tem uma tendência autoritária. Vide o caso do correspondente americano Larry Rohter, que, por ter escrito o que todo mundo estava cansado de saber -que Lula exagera na bebida-, quase foi expulso do país, e da tentativa de criar um conselho para ‘disciplinar’ os jornalistas. Fala sério.
No início do governo, o casal queria passar a impressão de que não haveria gastança. Nos jantares que ofereciam, os homens chegavam com uma garrafa de bebida, e as mulheres, com um pratinho de alguma coisa. Durou pouco, e logo liberou geral. Começaram as farras no Alvorada, com amigos dos filhos sendo levados pela FAB para o fim de semana, e chegou à compra do avião. Nem o presidente Chirac nem o papa têm um. Quando têm uma viagem oficial, alugam. Mas Lula precisava, até porque viajar é a coisa de que ele mais gosta, e quem nunca comeu melado quando come se lambuza.
Agora, reeleito, ele não tem quem o aconselhe; pede para Gil ficar, consegue que o ministro da Justiça fique mais um mês, mas decidir, mesmo, não decide nada. E ainda tem d. Marisa, que não larga do pé. Pinta os cabelos cor de mel, bota uma estrela vermelha nos jardins do Alvorada, e ainda inventa aquele ridículo maiô branco com uma estrela vermelha na barriga. Ao menos já se sabe sua função no governo: controlar quanto ele pode beber.
Estamos mal, mas não vamos perder a esperança: as coisas podem piorar. Já pensou se ele inventa uma lei, imitando o Chávez, pela qual ele possa ser reeleito indefinidamente?