Veja está revelando a inspiração lacerdista de suas ações e reações. Carlos Lacerda foi um brilhante jornalista, mas como tribuno e político foi o nosso protocarbonário – extremado, radical, ensandecido. Por isso intolerante, injusto, perverso. Foi nosso primeiro xiita em matéria política. Em troca, ganhou a solidão.
A equipe que dirige Veja tem o direito de pretender reeditar este paroxismo jornalístico. Mas falta-lhe o talento. A maneira tosca que escolheu para responder às ponderações de Luiz Weis [remissão abaixo] revela que, embora mirando em Carlos Lacerda, está, na realidade, imitando seu escudeiro Amaral Neto (que alguns chamavam de Amoral Nato).
Na vã tentativa de responder aos reparos deste Observador sobre a histeria com que apresentam as suas ‘denúncias’ (principalmente na matéria de capa que provocou a coletiva do ministro Palocci), os anônimos escribas de Veja disseram o seguinte:
‘A revelação de Veja provocou a ira dos provectos observadores da imprensa que entoaram seu lamento de analistas oficiais do regime.’ (edição 1921, de 7/9/2005, pág. 68).
Atrapalharam-se no vernáculo, coisa inimaginável num texto de Carlos Lacerda. Como mostrou Mauro Malin, neste Observatório, ‘provecto’ é elogio [ver abaixo link para ‘Contorcionismos de Veja’].
Analista oficial é a própria Veja, que logo na frase seguinte enfiou o rabo entre as pernas e saiu ganindo uma descarada bajulação ao mesmo ministro Palocci que na semana anterior pretendia derrubar:
‘O ministro simplesmente cumpriu com o seu papel e, em entrevista coletiva, com o carisma e a inteligência verbal de sempre, refutou os pontos principais da reportagem’ etc., etc., etc.
Esta foi uma das maiores exibições impressas de puxa-saquismo e sabujice desde que começou a presente crise política. Panfletários de araque, sem pedigree, costumam acabrunhar-se deste jeito – acontece.
Debate público
O que não pode acontecer num ambiente jornalístico dito moderno, sofisticado e calcado nos melhores paradigmas anglo-saxônicos, é a resposta-tipo-coice quando uma publicação é questionada.
Acusar este Observatório da Imprensa de estar a serviço do regime é exprimir a mais pura verdade. Este Observatório está, sim, a serviço do regime – do Estado de Direito, do pluralismo e da democracia.
O redator imberbe, mal pago, afoito e não muito afeito ao uso do dicionário, não sabe diferenciar regime de governo. Sequer sabe acionar o mecanismo de busca da internet para verificar como nos comportamos anteriormente diante de outros surtos denuncistas e irresponsáveis.
Estamos a serviço do leitor, o leitor que não tem o privilégio de ver as suas críticas publicadas na Veja. No governo passado, petistas arroxeados por um surto histérico não muito diferente acusavam alguns colaboradores deste Observatório de estar a serviço do governo de então. Este fogo cruzado a que estamos sendo submetidos há quase uma década é a consagração de uma coerência a serviço da sociedade.
A observação da mídia é um avanço político; o debate público e civilizado sobre os procedimentos da imprensa é prova de maturidade. Não são muitos os países que conseguiram estabelecer um contrapoder cidadão capaz de enfrentar o poder da mídia bonapartista. A prepotência, quando combinada ao jornalismo, produz distorções ainda mais perigosas do que a censura e o autoritarismo.
Veja insiste há exatos 30 anos em investir contra aqueles que ousam duvidar dos seus destampatórios. Neste exercício continuado e infame está ficando velha. Envilecida.
O efeito Severino
Por mais que se abomine a figura de Severino Cavalcanti (PP-PE), está claro que a matéria de capa da edição 1921 da Veja – ‘O mensalinho de Severino’ – segue o mesmo padrão de ligeireza investigativa das edições anteriores. Não adianta detestar ou indignar-se, é preciso investigar com competência. Sem afobação. Com mais uma semana de trabalho, hoje Severino poderia estar nocauteado e derrubado. Não está.
Se o semanário quer, efetivamente, livrar a nação brasileira do vexame de ver o parlamentar atuando abertamente a favor da corrupção e do tráfico de influência deveria seguir a linha do deputado-jornalista Fernando Gabeira, que resolveu enfrentar o presidente da Câmara de forma franca, aberta e incontestável – com a verdade. Uma capa com Gabeira, mesmo que apenas retórica, seria mais efetiva do que uma reportagem incompleta que termina com a seguinte confissão: ‘Buani [o acusador] pediu para voltar a falar com a revista passada a faina do almoço em seu restaurante. Não deu mais notícia’.
Se o acusador não deu mais notícia, pode-se afirmar na capa que Severino cobrava 10 mil reais mensais de propina?
Erro do repórter? Erro do(s) editor(es).
Aquela foto do restaurateur Buani enfiando um maço de papéis no bolso (pág. 54) está mal explicada. Diz a legenda que é dinheiro. Pode ser que seja. Mas não há nada de irregular ou ilícito no fato de um dono de restaurante embolsar um maço de notas. Mesmo que este dinheiro se destinasse a Severino. Espantoso seria flagrar Severino recebendo um maço de notas.
Erro do fotógrafo? Erro do(s) editor(es).
Recurso cascateiro, pura apelação.
Severino fortalece-se com acusações mal apuradas e apressadas. Sua origem política e moral é a mesma de Paulo Maluf, oriundos do território dos Cara-de-Pau. As denúncias precipitadas só servem para enrijecer a sua crosta de arrogância.
Por enquanto, Severino está fortalecido. O escândalo não foi comprovado. Havia cancelado a viagem a Nova York na sexta-feira (2/9), antes de publicação de Veja; agora, desafiador e petulante, voltou atrás e confirmou o embarque. Este é o serviço que Veja está prestando à causa da decência. [Texto fechado às 22h54 de 5/9/05]