É impressionante a amargura da revista Veja. Numa edição normal dificilmente encontramos mais de umas três matérias que não sejam ácidas, destrutivas e sarcásticas. Seria eu que não notava isto ou a publicação de fato mudou?
Um exemplo: o número nas bancas traz matéria sobre a política externa do governo Lula. Ora, eis um assunto em que a administração vai bem, empreende lances ousados, perde algumas batalhas, mas lança a guerra contra antigas injustiças no relacionamento Norte x Sul. Pelo menos antes do surgimento do valerioduto e até que se confirmem as investigações, Lula tinha tudo para encarnar uma das lideranças do mundo emergente. Representa um país em desenvolvimento, potência econômica em ascensão, tropical, racialmente democrático. Nosso presidente não esconde de ninguém nem seu desacordo com a invasão do Iraque nem sua simpatia por Chávez, e ainda assim Bush, que de pluralista não tem nada, o trata com distinção. Mas a Veja dá nota zero ao Itamaraty. Uma das provas da revista é aquilo que considera o fracasso da missão de paz no Haiti comandada pelo Brasil, como se houvesse paz social possível num país de 80% de desemprego.
Quando penso no semanário vem-me à cabeça a revista na mesa da sala-de-estar em casa de meu avô Tristão de Athayde em Petrópolis, já lá se vão 30 anos, ao lado da meia dúzia de livros sempre a disputar o tempo do pensador. Ela concorria com o breviário lido nos fins de tarde enquanto ele sorvia uma dose de uísque em copo alto e bastante gelo.
Nunca perguntei a vovô sua opinião sobre a Veja, mas tomava por implícito seu respeito pela revista, a única no gênero que comentava a sociedade brasileira, seus corredores políticos, sua vida econômica, seu cotidiano. Eu estendia à publicação da Abril a consideração de todos na família pelo Time (assim mesmo no masculino, não me pergunte por que assim nos referíamos).
Superficial e plastificado
Pois é, noto que a meus olhos ambas as revistas despencaram. A americana impregnou-se do superficialismo do padrão CNN, muito destro em manejar imagens e cores, mas nitidamente tendo perdido conteúdo. ‘O’ Time evoluiu na direção do jornalismo raso de um USA Today e não mais concorre com a densidade editorial de uma Economist, por exemplo.
Seria a erosão na tiragem da Veja, provocada pela perda de poder aquisitivo da classe media brasileira e da concorrência de Época e IstoÉ, o motivo da agudização do processo de amarguramento da revista dos Civita? Veja torna-se mais escandalosa, mais implicante, menos sóbria é para agradar ao mercado consumidor?
Considero a possibilidade de ter a grande mudança acontecido é no meu íntimo, ao ultrapassar os 50 anos de idade quero textos mais espiritualizados, mais a discutir o sentido da vida. Mas, pensando em hebdomadários como The Guardian – uma súmula extraída do Washington Post, do próprio diário Guardian e do Le Monde – concluo que minha frustração lendo a Veja resulta do estilo superficial e plastificado com que escreve para leitores mais interessados em receitas de emagrecimento e consumo afluente.
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Dirigente de ONG, Salvador