Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Veja vs. Globo: o retrato de um padrão

A Veja da semana passada desceu a lenha nos jornais que – em consequência de uma suposta ‘operação abafa’ – ou deixaram de dar a foto de Chico beijando uma mulher numa tarde de sexta-feira no mar do Leblon (O Globo), ou deram, mas a retiraram ainda durante a impressão (Folha de S.Paulo), e/ou não ‘repercutiram’ a história. As fotos saíram nas revistas Quem, da Editora Globo, e Contigo!, da Abril.

Citado na matéria da Veja como ‘freqüentador do campinho de futebol’ de Chico, o diretor de Redação do Globo, Rodolfo Fernandes mandou à revista, que não a publicou, uma carta de 766 palavras, reproduzida na edição de domingo, 13, do jornal.

Dos nove parágrafos da carta, os quatro últimos tratam da decisão de publicar, ou não, fotos do gênero. Um dos argumentos – que a este leitor parece altamente discutível – é que ‘no caso de Chico, que está separado há quase dez anos, nem mesmo uma notícia havia no episódio para justificar a publicação’.

Não havia uma notícia: havia várias.

1. Para uma legião de brasileiros, Chico é o nosso maior cantor-compositor-poeta vivo.

2. Para uma legião de brasileiras, é também o homem ideal de suas fantasias.

3. Por uma coisa e outra, ele é, mais do que uma ‘celebridade’, uma preferência nacional.

4. Desde que se separou da atriz Marieta Severo, ‘há quase dez anos’, a curiosidade sobre a sua vida afetiva só fez aumentar – principalmente por causa do extremo cuidado que ele sempre teve, até aquela tarde de sol, em proteger a sua privacidade.

A publicação da foto do Leblon na imprensa mainstream, nem tão destacada que parecesse sensacionalismo, nem tão escondida que parecesse vergonha, é portanto plenamente justificável. O mesmo não se poderia dizer da identificação da senhora a que Chico se referiu como ‘uma amiga’.

A foto – e nisso Veja tem razão – registrou uma cena em um dos mais públicos espaços que se possam conceber, a praia, e que nenhum dos seus protagonistas quis, ou deu a entender que tentava, esconder dos olhos alheios.

Já as informações sobre a ‘amiga’ não estavam à mostra, nem o par aceitou abri-las, nem ela era uma colunável ou coisa do gênero, cuja vida particular um certo tipo de jornalismo considera território de caça livre.

É razoável admitir, porém, que seria um contra-senso jornalístico contar o milagre e esconder o santo: dar a foto e não dizer depois quem é a fotografada.

De todo modo, o dilema – e nisso Rodolfo Fernandes tem razão –, longe de ser simples, ‘é bem mais complexo do que faz supor a vã aula jornalística da Veja‘, que é como ele trata as críticas da matéria ‘Operação abafa’.

‘Falta de tempo’

Agora, o que verdadeiramente interessa na carta de Rodolfo – mais até do que o necessário, mas não novo debate sobre os limites da imprensa diante da vida particular de famosos e anônimos – são as acusações de que se ocupam os seus quatro parágrafos iniciais.

O jornalista acusa a Veja de afirmar (ou ‘insinuar’) sem provas; de omitir duas informações importantes que lhe passara por escrito e que se contrapõem ao que sairia na matéria; de dar informações que não correspondem a fatos facilmente checáveis.

Numa passagem da carta, ele atribui a publicação de informações equivocadas à ‘falta de tempo, ou de vontade’ da Veja.

Em outra, atribui uma omissão provavelmente ao fato de que o omitido ‘ia contrariar a tese embutida na sua matéria’.

Como a revista tantas e tantas vezes deixa claro – a exemplo da capa sobre as Farc – ‘falta de tempo’ é muita bondade de Rodolfo. O problema é que o público só fica sabendo disso em situações excepcionais, como esta, em que pode ler em um jornal a verdade sobre o padrão Veja de, vá lá a palavra, jornalismo.

[Texto fechado às 15h30 de 13/3/05]