Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Venda para Bezos é uma boa notícia

Marco final de uma era gloriosa da grande imprensa dos EUA, a venda do ‘Washington Post’ para Jeff Bezos é um desfecho a ser celebrado, e não lamentado, quando se consideram as alternativas que os jornais tradicionais enfrentam em todo o mundo na era da internet. A boa e importante notícia está no segundo parágrafo da mensagem que Bezos enviou ontem aos jornalistas e funcionários do ‘Post’, momentos depois de Philip Graham anunciar a venda do jornal que sua família conduziu durante oito décadas e sua mãe, a venerável Katherine, com invulgar coragem, transformou em ícone quando os abusos cometidos pelo presidente Richard Nixon exigiram expor seu governo ao poder desinfetante da verdade dos fatos, 40 anos atrás.

“Os valores do ‘Post’ não precisam mudar”, escreveu Bezos, depois de prestar a devida homenagem aos Graham. “O compromisso do jornal continuará a ser com seus leitores e não com os interesses particulares de seus proprietários. Continuaremos a buscar a verdade onde quer que ela nos leve, e trabalharemos duro para não cometer erros.” O fato de o bilionário Bezos ter comprado o jornal com dinheiro da fortuna pessoal que acumulou no negócio do varejo eletrônico e sua decisão de mantê-lo como uma empresa independente da Amazon preservam a identidade jornalística essencial à viabilidade do ‘Post’ como veículo independente de apuração e distribuição de notícias de interesse da sociedade, bem como de transmissão e debate de ideais, essencial ao exercício da liberdade e da democracia.

Bezos informou que continuará a viver “no outro Washington”, referindo-se ao Estado da costa do Pacífico, de onde opera o império da Amazon, e não se intrometerá no dia a dia do jornal. Nisso, ele segue a tradição dos Graham. Em entrevista que fiz com Kay Graham nos anos 90, perguntei-lhe se ela interferia no conteúdo do jornal. “O poder do dono do jornal reside em escolher um bom editor e confiar nele e em sua equipe”, respondeu ela.

Novas plataformas

“O jornalismo desempenha um papel essencial numa sociedade livre e o ‘Washington Post’, como o jornal da capital dos EUA, é especialmente importante”, escreveu Bezos, afirmando seguir “os dois tipos de coragem que os Graham demonstraram como proprietários e e que eu espero emular”: a de ser cauteloso e a coragem de seguir os fatos, independentemente do custo. Nos momentos difíceis, ele disse que se pautará pelo exemplo de Kay Graham.

Bezos manteve o conselho de diretores e a equipe de profissionais responsáveis pelo conteúdo editorial do ‘Post’. Os céticos dirão que se trata de uma declaração elegante calculada para aliviar a dor da separação dos Graham e dos leitores do único jornal digno do nome na capital americana desde o ocaso do ‘Washington Star’, no anos 70. Talvez seja.

Única unidade da Washington Post Company que perdia dinheiro, o ‘Post’ precisará encontrar um caminho viável como negócio, para, mesmo que continue a ser um jornal de qualidade, não ser reduzido a um dispendioso hobby de um capitalista bem intencionado. Mas nesse desafio pode residir outra boa notícia. O fato de Bezos ser produto e uma das maiores e melhores expressões do mundo online encerra a promessa de ele vir a abrir novos caminhos na obra já em curso de reinvenção, em novas plataformas, do jornal e dos meios de comunicação de massa. Como ele lembrou, a mudança viria mesmo se ele não tivesse comprado o ‘Post’.

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Paulo Sotero é jornalista e diretor do Instituto Brasil do Woodrow Wilson International Center