Reunidos em seminário da Associação Nacional dos Jornais (ANJ), executivos da grande imprensa trocaram ideias sobre o desafio que se coloca à mídia papel brasileira: como rentabilizar os conteúdos disponibilizados nos meios digitais. Demonstraram que têm pressa. A tendência observada no encontro de 29 de agosto é a da emulação da iniciativa do New York Times que, recentemente, começou a cobrar pelos conteúdos oferecidos pela web.
A pressa não me parece recomendável. Em comunicações, quando uma iniciativa inovadora malogra causa grande frustração em todo o setor e retarda o surgimento de muitas outras. Vários pontos, a meu ver, precisam ser considerados antes de ser dado o pontapé inicial desse jogo:
1.A crise enfrentada pelos grandes jornais brasileiros de “interesse geral”, a contar do início da década de 1990, provocou forte desinvestimento em conteúdos. Todos eles ainda se encontram desaparelhados para cobrir os mercados regionais mais dinâmicos, fortalecidos que foram pela descentralização do desenvolvimento econômico. Neste momento, por exemplo, a economia do Nordeste cresce em ritmo superior à do Sudeste.
2.A crise produziu um forte posicionamento dos jornais de “interesse geral” no chamado hard news, a notícia de acontecimentos do dia, conteúdo que tem sido publicado sem nenhum valor agregado em relação ao que produz a TV. Há mercados, como o financeiro, que têm interesse nesses conteúdos desde que transmitidos em “tempo real”. Se forem taxados na web, é improvável que haja interessados em comprá-los. Fora o hard news, presumivelmente, os jornais têm pouco a oferecer como conteúdos vendáveis. A chamada “análise da tendência da informação”, colocada alguns passos à frente do hard news, não teve evolução nos últimos anos.
3.A marca do “comprador de informações” é a do pragmatismo. Só compra um conteúdo na certeza de que lhe trará aspectos relevantes e inéditos sobre um acontecimento; de que poderá ser usado como ferramenta auxiliar de decisão na gestão de uma empresa; represente uma oportunidade de negócio ou maior clareza sobre um movimento empreendido pelo concorrente; contenha análises conjunturais realizadas por jornalistas especializados. Isto foi exaustivamente aferido pelas pessoas que, como eu, ajudaram a montar, nos anos 1990, a nova versão da Agência Estado, a primeira agência de informações do país.
Jornalistas deixaram de cultivar as fontes
O caminho das pedras para a venda de conteúdo pela web – ou por outro meio qualquer – segue por aí. Haverá compradores – quase com certeza – para uma bem organizada antecipação dos classificados dos jornais pela gama de oportunidades de negócios que oferecem; haverá compradores para um monitoramento firme das matérias que ganham prioridade nas comissões do Congresso Nacional; haverá compradores para análises bem elaboradas das tendências da política; para informações mais precisas sobre a dinâmica dos mercados regionais; para os assuntos relevantes da ciência e da pesquisa tecnológica; para análises setoriais da economia realizadas com abrangência, profundidade e esmero.
Pelo que é dado a conhecer aos leitores dos grandes jornais brasileiros – exceção dos especializados em economia e negócios – estes terão de partir, imediatamente, para uma profunda reestruturação de suas redações se pretenderem algum êxito na venda de conteúdos pelos meios digitais. O esforço não necessariamente deve requerer grande expansão dos investimentos, mas apenas inversão de certas prioridades, pela qual seja possível substituir conteúdos “não vendáveis” por “vendáveis”, usando-se a mesma base de captação, melhor distribuída espacialmente no país.
Nesse esforço, deveriam dar prioridade total à descentralização da cobertura, com a implantação de correspondentes e sucursais nos mercados mais dinâmicos deste novo Brasil. Há pesquisas que revelam uma tendência assustadora: mais de 70% das pautas definidas pelas redações dos jornais brasileiros são obtidas hoje em consultas à internet. Na prática, isto quer dizer o seguinte: os jornalistas deixaram de cultivar e visitar suas fontes para definir os assuntos que entrarão na pauta das próximas edições; abandonaram o contato presencial, insuperável no entendimento mais fino da importância dos assuntos.
Nada surpreendente, portanto, que o produto que fazem seja hoje frio, burocrático, provinciano e brasiliense. Imagino que os melhores conteúdos para venda na web sejam aqueles que mostrem a dinâmica dos mercados regionais e sejam produzidos sob a ótica e a percepção do jornalista que vivencie a problemática local.
Mercados distintos
Outro problema que terá de ser vencido é o da superficialidade, consequência do desaparecimento dos jornalistas especializados e da premência de tempo na produção de conteúdos, determinada pelo sistema industrial. Os jornais de interesse geral precisam apartar equipes de repórteres e apuradores da rotina diária de fechamento e criar núcleos de produção de conteúdos especiais que trabalhem livres da pressão dos prazos de fechamento. Não se pode, é claro, defender a radical verticalização dos conteúdos pelos jornais generalistas. O impróprio, diante do desafio de rentabilizar os conteúdos disponibilizados na internet, é não haver nenhuma verticalização.
Mesmo os jornais de interesse geral têm de estar mais bem preparados para cobrir, por exemplo, os assuntos da sustentabilidade; da ciência e da tecnologia; da educação; do urbanismo, do agronegócio, da macro-economia e mesmo da política. E isto não se faz sem jornalistas que sejam capazes de avançar em certas áreas de especialização. Os que têm interesse em se especializar, buscam hoje conhecimentos por livre iniciativa. As empresas têm sido exageradamente avaras em prover a capacitação de seus talentos.
Nunca acreditei na ideia de que as pessoas receberiam, de graça, pela internet, todas as informações de que necessitam. É uma falácia que perdura até os nossos dias. Descobre-se cada vez mais que o conteúdo de qualidade é um insumo caro e que é preciso pagar por recebê-lo. E mais: é preciso também pagar por sua organização, por seu destilamento, por seu tratamento especializado. Minha experiência na Agência Estado, dentro do projeto liderado por Rodrigo Mesquita, deu-me segurança em dizer que o investimento na qualidade da informação pode ser altamente rentável porque, quando identificam rigor jornalístico em certos conteúdos, os mercados os compram sem se importar com preço.
Como resumo desse raciocínio, diria que a venda de conteúdos pela web não é para quem quer; é para quem pode, ou seja, é para quem dispõe de conteúdos de qualidade. Não adianta simplesmente anunciar “Vende-se uma boa notícia”. O mercado da informação não se parece em nada com o mercado imobiliário.
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[Dirceu Martins Pio é ex-diretor da Agência Estado e da Gazeta Mercantil]