A revista piauí é uma dessas evidências de que a vida inteligente não pode depender da imprensa diária. Poderia, porque em alguns lugares os leitores recebem o essencial para a vida contemporânea através de alguns diários, como o New York Times nos Estados Unidos. Mas, no Brasil, a distância entre o que oferecem os jornais e aquilo que pode ser chamado de jornalismo de qualidade ainda é um imenso abismo.
Não foi sempre assim.
O Estado de S.Paulo teve seus bons momentos, com uma editoria de Internacional que nada ficava devendo aos melhores jornais do mundo, e um verdadeiro suplemento de Cultura do qual os leitores que são jovens há mais tempo ainda sentem saudade. A Folha de S.Paulo já teve uma verdadeira seleção brasileira de repórteres e publicou fotografias memoráveis. O Jornal do Brasil, de saudosa memória, foi um marco durante quase trinta anos. O Globo, embora tenha patinado durante muito tempo num estilo popularesco e excessivamente carioca, também teve seus bons momentos, e de vez em quando ainda surpreende seus leitores com suas séries de reportagem. Seu maior pecado é confundir entretenimento com cultura.
Vocação descumprida
Mas é na inteligência da abordagem e na qualidade do texto que a revista piauí marca essa diferença. Veja o leitor que se trata de uma publicação mensal, e dê-se o devido desconto. Mas lembre-se também de que entre os diários das grandes capitais e a piauí situam-se ainda as revistas semanais. Salvo alguns casos isolados, como a revista Época que ainda está nas bancas, com seu caderno especial sobre a corrupção, esse espaço ainda é um retumbante vazio.
Época se beneficia do fato de pertencer ao mais poderoso grupo de comunicação da América do Sul, mas lhe falta ambição para ocupar o espaço deixado pela decadência da revista Veja, a líder de circulação. IstoÉ há muito deixou de interessar aos formadores de opinião e ainda arrasta o peso de sucessivas crises que minaram sua capacidade de combate e sua credibilidade. CartaCapital ainda fala para um público muito restrito, e oferece um jornalismo excessivamente opinativo.
O espaço ocupado pela revista piauí seria mais estreito se as revistas semanais cumprissem melhor sua vocação. E tudo indica que, na melhor das hipóteses, elas se conformam em ser apenas o resumo da semana.
A imprensa burguesa
Não é o fato de ser revista mensal que faz da piauí uma leitura diferente e mais satisfatória para os paladares exigentes. É a definição de um padrão de linguagem que não faz concessões ao lugar-comum, que tem a ambição de surpreender o leitor a cada parágrafo.
Isso não depende da periodicidade da publicação. Depende de talento.
Depende da determinação de respeitar a inteligência do leitor, mesmo que o leitor discorde de algumas opiniões, de determinadas abordagens e de certo espírito blasé, como que distanciado das angústias do cotidiano, a que recendem suas páginas.
Depende também de ir além de suas próprias premissas, se o fato assim o exigir.
Ela é o supra-sumo daquilo que chamam de ‘imprensa burguesa’ nas escolas de jornalismo. Traz todos os vícios de origem, mas não deixa vazar o esnobismo de que sofreram outras publicações em outros tempos.
Um exemplo: durante o governo Collor, quando ele ainda era o querido da imprensa, revistas e jornais gostavam de falar dos hábitos supostamente refinados do presidente. O leitor tinha que saber, por exemplo, o que era um cristal Lalique, sob pena de ser considerado ‘pobre’.
piauí foi concebida nos salões dos bem-nascidos, e o nome de batismo reflete certa ironia com relação às suas origens. Claro que ter um dos maiores bancos do país ao alcance da mão ajuda muito, diriam os críticos de plantão. Mas nem todos fazem coisas inteligentes com o dinheiro.
Na edição de março da revista, o texto sobre os novos sócios do Country Club do Rio é uma leitura saborosa. O título: ‘Invasões bárbaras’.
O perfil do senador americano Barack Obama, publicado na mesma edição, conta muito mais sobre esse surpreendente político americano do que todas as páginas de jornais publicadas até então no Brasil.
Afinal, não é isso que o leitor espera da imprensa?
Como diria o espanhol Miguel de Unamuno (1864-1936), viva a inteligência!