O Observatório da Imprensa exibido ao vivo pela TV Brasil na terça-feira (29/7) mostrou que Abelardo ‘Chacrinha’ Barbosa continua atual. Durante mais de trinta anos, o autor da frase ‘na televisão nada se cria, tudo se copia’ apresentou programas de auditório de grande sucesso de público. O documentarista Nelson Hoineff, que lançará em dezembro o vídeo Alô, Alô Terezinha e o professor de Comunicação Muniz Sodré, co-autor de A comunicação do grotesco, participaram do programa no estúdio do Rio de Janeiro.
Muniz Sodré
é professor titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), presidente da Fundação Biblioteca Nacional e autor de mais de 30 livros. Nelson Hoineff é jornalista, produtor e diretor de televisão, especialista em novas tecnologias de TV e presidente do Instituto de Estudos de Televisão (IETV). Ambos são colaboradores do Observatório da Imprensa online.Antes do debate ao vivo, Alberto Dines comentou as notícias que foram destaque na semana que passou. A ordem de traficantes cariocas para jornalistas de O Globo, O Dia e Jornal do Brasil apagarem fotografias da visita de um candidato a prefeito à Vila Cruzeiro foi o primeiro tema. ‘A sociedade não pode acatar as ordens dos marginais, nem os candidatos negociar com eles’, disse. Em seguida, Dines criticou a falta de sigilo sobre a Operação Satiagraha, da Polícia Federal, que investiga crimes financeiros: ‘Os `secretas´ agora estão no show business‘.
O último tópico da seção ‘A Mídia na Semana’ foi a mistura entre ficção e realidade nos jornais impressos. O Estado de S.Paulo publicou um falsa capa no domingo (27/7) com propaganda do carro Nissan. Já O Globo veiculou na segunda e terça (28 e 29) um informe publicitário com layout de reportagem com o enredo da novela A Favorita‘, novela da TV Globo.
Dines ainda comentou que Chacrinha está sendo revivido por políticos, ‘comunicadores sem um décimo do seu talento’, que pecam por se levar a sério. ‘`Eu vim para confundir e não para explicar´ era um de seus bordões que fazia sentido com um bacalhau na mão e um abacaxi na outra. Quem não se comunica, se trumbica é outra verdade que só vale com aquela roupa extravagante. Este Observatório da Imprensa retorna à discoteca do Velho Guerreiro para lembrar que o grotesco só tem valor como grotesco. De terno e gravata, o grotesco é um desastre’, afirmou.
Os primeiros passos do craque da comunicação de massa
Na reportagem exibida antes do debate, Florinda Barbosa, viúva de Chacrinha, explicou a origem do apelido do comunicador. Ainda no início da carreira, Abelardo Barbosa foi convidado para apresentar um programa na Radio Clube Fluminense. Era época de carnaval e o programa chamava-se Rei Momo na Chacrinha porque em frente ao estúdio havia uma pequena chácara. O sucesso foi imediato. Para a companheira de Abelardo Barbosa, Chacrinha tornou-se ídolo nacional quando foi para a TV Globo, em 1968, convidado pelos diretores Walter Clark e José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni.
Leleco Barbosa, filho de Chacrinha, afirmou que não há nada parecido com o trabalho do pai na área de comunicação de massa. Para ele, o programa tinha penetração em todas as classes sociais. Carlos Augusto Montenegro, presidente do Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (Ibope), disse que o apresentador tinha grande sintonia com o público e observava atentamente os índices de audiência do programa. Montenegro contou que Chacrinha ficava mal humorado quando chovia. Com tempo ruim, os pesquisadores não podiam bater de porta em porta – método de pesquisa da época – e os índices ficavam imprecisos.
Ex-jurada do concurso de calouros do programa Cassino do Chacrinha, Elke Maravilha destacou que o apresentador ‘era brincalhão, um bufão’ e que os calouros não costumavam se magoar com o Velho Guerreiro. A ex-chacrete Rita Cadillac explicou o critério de escolha das bailarinas do programa: ser bonita de corpo, simpática e saber dançar. O ministro da Cultura, Gilberto Gil, enfatizou que Chacrinha tinha grande intuição na área musical e que abriu espaço para o movimento tropicalista. Com sua irreverência, rompera com o ‘convencionalismo estético’.
Também na área da música, foi o primeiro a perceber o potencial do cantor Roberto Carlos. Beth Carvalho lembrou que Chacrinha chamava grandes cantoras de ‘rainha’. Boni ressaltou que o comunicador, perfeccionista com o trabalho, era um apresentador diferente porque era a ‘atração principal’ do programa. Os convidados eram praticamente coadjuvantes do espetáculo. Boni também destacou que Chacrinha identificava quem faria sucesso no futuro.
Chacrinha escancara do grotesco na TV
No debate ao vivo, Muniz Sodré explicou que quando escreveu A comunicação do grotesco, em 1973, as verbas publicitárias das TVs, principalmente a Rede Globo, já eram maiores que as da mídia impressa. Para atrair um público ainda maior, a TV apelou para o grotesco. Foi uma estratégia de investimento no poder de compra das classes C e D, que não estavam no ‘bolo majoritário do consumo’. Por meio do programa do Chacrinha, o telespectador foi ensinado, por exemplo, a usar eletrodomésticos. O programa seria a expressão de uma tendência – como os programas de Sílvio Santos e Flávio Cavalcanti, entre outros – de intercâmbio entre as culturas urbana e interiorana.
Nelson Hoineff recordou de uma aula que ministrou para jovens onde apenas dois alunos conheciam os cineastas Frederico Fellini e Glauber Rocha. No entanto, todos conheciam Chacrinha. Para o diretor, é surpreendente que a imagem de Chacrinha atravesse gerações. Hoineff confessou que o grande desafio do documentário que produziu sobre Chacrinha é escolher o que ficará de fora do produto final. Foram gravados mais de vinte depoimentos de ex-chacretes e calouros.
Um dos calouros, por exemplo, acredita que se não tivesse levado uma ‘buzinada’ do Velho Guerreiro teria sido ‘um grande artista’. Uma outra, que foi escolhida ‘a melhor cantora’ num dos programas, continua tentando o sucesso duas décadas depois da morte de Abelardo Barbosa. Duas dezenas de chacretes foram localizadas pela produção do documentário. Seus destinos são variados. Algumas moram fora do Brasil, outras têm trabalhos completamente diferentes do passado, como o caso de uma ex-chacrete que sobrevive como garçonete no interior do país e ainda é reconhecida nas ruas.
O Muniz Sodré disse que Chacrinha era um personagem popular, um ‘palhaço de rua’. Um marco no programa teria sido a participação de um famoso umbandista carioca nos palcos do Cassino do Chacrinha. Críticos e jornalistas ficaram escandalizados com a ousadia e o episódio rendeu brigas com o apresentador Flávio Cavalcanti.
Há espaço para um outro Chacrinha?
Para Nelson Hoineff, atualmente faltam na televisão brasileira a criatividade e a inventividade de Abelardo Barbosa. O documentarista acredita que hoje, com a severa censura estética dos canais televisivos, Chacrinha seria ‘expulso da TV em pouco tempo’. Sob esse aspecto, o apresentador foi um fenômeno temporal. Um apresentador politicamente incorreto, que faz piadas sobre negros, homossexuais e gagos, não teria espaço nas grandes redes. Muniz Sodré concordou que o fortmato da TV de hoje impede que surja um comunicador inovador como Chacrinha.
Dines perguntou a Muniz Sodré se a postura de Chacrinha em relação à política, principalmente durante a ditadura militar, teria sido acrítica. Para o professor, a consciência não-crítica do apresentador fazia com que os telespectadores do programa tivessem uma postura crítica. A ditadura teria ‘recalcado’, entorpecido a nação, e Chacrinha tratava de aspectos ásperos e grotescos da sociedade. Nelson Hoineff disse que Chacrinha enfrentou muitos problemas com a censura durante os governos militares. Um dos focos de embate era a roupa das chacretes, considerada imoral para os padrões da época.
Há um forte traço cultural nordestino em Albelardo Barbosa, na opinião de Muniz Sodré. O professor vê no formato dos programas de Chacrinha uma reencenação de espaços públicos como o das tradicionais feiras do Nordeste: uma mistura de mercadorias, espetáculos e circo. Hoineff acrescentou que o apresentador é herdeiro de manifestações populares pernambucanas, onde um palhaço conta piadas libidinosas cercado por mulheres sensuais.
Os programas apresentados por Chacrinha, para Hoineff, tinham um ‘improviso relativo’. A trangressão espacial era cuidadosamente estudada, o comunicador procurava se dirigir para um local do estúdio onde não havia câmeras e em outros momentos se posicionava entre a câmera e o artista. Já a transgressão ética, que na época causava indignação, não seria aceita pela sociedade de hoje.
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O lugar do grotesco
Alberto Dines # editorial do Observatório da Imprensa na TV nº 471, exibido em 29/7/2008
Bem-vindos ao Observatório da Imprensa.
Quem foi Charlie Chaplin? Quem foi Cantinflas? E quem foi Jacques Tati e Totó? Poucos se lembram desses ídolos do passado. Mas certamente ninguém ignora quem foi Abelardo Barbosa, o Chacrinha.
O filósofo armado com buzina é o símbolo da nossa entrada na era da comunicação de massa. Rei da galhofa, da gozação e do grotesco, Abelardo Barbosa, o Chacrinha, está sendo relembrado no vigésimo aniversário da sua morte.
O lado ruim é que o Chacrinha está virando moda nos palanques eleitorais, revivido por comunicadores sem um décimo do seu talento, e que se levam a sério, ao contrário dele.
‘Eu vim para confundir e não para explicar’ era um de seus bordões que fazia sentido com um bacalhau na mão e um abacaxi na outra. ‘Quem não se comunica, se trumbica’ é outra verdade que só vale com aquela roupa extravagante.
Este Observatório da Imprensa retorna à discoteca do Velho Guerreiro para lembrar que o grotesco só tem valor como grotesco. De terno e gravata, o grotesco é um desastre.
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A mídia na semana
** Vila Cruzeiro, no Complexo do Alemão, entrou para história quando, em 2002, narcotraficantes massacraram o repórter Tim Lopes, da TV Globo. Os bandidos que assolam a comunidade tentaram repetir a façanha sábado passado (26/7), quando obrigaram repórteres de três jornais cariocas a apagar as imagens que haviam feito durante a visita de um candidato a prefeito. Os repórteres fingiram que obedeciam, mas as imagens foram recuperadas e, no dia seguinte, lá estavam as fotos do bandidos. A sociedade não pode aceitar as ordens dos bandidos, nem os candidatos podem negociar com os traficantes.
** Já houve tempo em que as ações da Polícia Federal eram cercadas de sigilo, mas há três semanas consecutivas os jornais estão reproduzindo relatórios que eram secretos sobre a Operação Satiagraha. Ontem [segunda, 28/7], o carnaval chegou ao máximo com a publicação das denúncias do delegado Protógenes contra seus superiores, que queriam afastá-lo do comando. Ao mesmo tempo revelava-se que o delegado ganhou um blog para contar suas façanhas. Os ‘secretas’ agora estão no show business.
** O jornal vai acabar? Se depender de algumas agências de publicidade os jornais não durarão muito. no domingo (27/7) o Estado de S.Paulo capitulou e publicou uma falsa capa para vender o carro Nissan. A solução está nas mãos dos leitores: boicotar o carro Nissan. E para evitar que se propague este jornalismo de mentirinha, recomenda-se não acreditar no que diz O Paulistano, jornal inventado pela TV Globo para salvar A Favorita.
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Jornalista