Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Violações do Código de Ética jornalística

Três pessoas foram indiciadas pela Polícia Civil de Goiás por vazarem imagens da preparação do corpo do cantor sertanejo Cristiano Araújo. O vídeo, citado em notícias, espalhou-se como vírus principalmente por mensagens de Whatsapp e por outros recursos online. O Google também foi multado por não conseguir eliminar acesso às imagens. A exposição absurda do cadáver de um ser humano foi repudiada pela mídia e pela opinião pública. Antes, a discussão era outra: se o músico era ídolo nacional ou não, algo absolutamente irrelevante naquele momento, já que mais uma tragédia em estrada brasileira era mais importante. Se o vazamento do vídeo segue trâmite de investigação, a cobertura mórbida da mídia não teve a mesma repercussão negativa. Sem punição, investigações do Ministério Público ou da polícia, a ação da imprensa mostra o quanto é ignorado o Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros.

No dia seguinte à morte do cantor, o portal R7 trouxe com grande destaque e com a expressão “Exclusivo” imagens de Araújo logo depois do acidente gemendo de dor. O título: “Tragédia: vídeo mostra as últimas palavras de Cristiano Araújo”. No material, em meio ao socorro, aparece a legenda: “Ai, está doendo demais”. As imagens de uma pessoa viva na luta pela sobrevivência, e em situação absolutamente vulnerável, também podem ser consideradas mórbidas. Até porque já era público que o cantor sofreria paradas cardíacas e morreria horas depois. A cobertura da mídia ainda seguiu toda a trajetória do resgate, na tentativa dos profissionais de saúde reverterem a situação. Quem de nós gostaria de assistir a uma imagem assim de um familiar na mídia?

Ocorre que esse material se transformou no mais lido do portal. Seria princípio de ética não querer para outro o que não deseja para si mesmo. Se não bastasse a consciência que deveria guiar profissionais de comunicação, existe uma “carta” que poderia ajudar a normatizar os conteúdos, o “Código de Ética dos jornalistas brasileiros”, publicado em 2007. O artigo 11 não poderia ser mais explícito: “O jornalista não pode divulgar informações: I – visando o interesse pessoal ou buscando vantagem econômica; II – de caráter mórbido, sensacionalista ou contrário aos valores humanos, especialmente em cobertura de crimes e acidentes”.

Além das imagens, é nessas ocasiões que jornalistas, atrás de audiência, revelam seu lado mais cruel. Perguntaram para o pai do rapaz sobre sentimentos horas depois da morte do filho. “Não sei se Deus existe” foi a resposta que virou manchete e, de novo, alcançaria a posição de mais lida no G1. Em seguida, houve quem repercutisse a declaração do pai destruído.

Ao tomar conhecimento que Cristiano Araújo era bem conhecido, a imprensa passou a fazer cobertura ao vivo a partir do velório, do enterro, da missa de sétimo dia e concedeu destaque a quem mais desse qualquer declaração sobre ele ou sobre a namorada, Allana Moraes, que também morreu no acidente em Goiás. Vilipendiar corpos e vazar imagens seria crime tão mais grave do que tratar com morbidez a agonia da morte ou a dor dos vivos? Seja como for, a falta de respeito ao código de ética e a ausência de uma legislação específica para a mídia ajudam a fazer novas vítimas por mais audiência. Poucas palavras em relação ao uso do cinto, condição das estradas, mecanismos de prevenção e mais prudência dos motoristas e passageiros. Trata-se de uma discussão mais dura e que gera menos cliques.

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Luiz Claudio Ferreira é professor de Jornalismo e jornalista