Não teve acordo de bastidores, combinação, não teve cambalacho – como, aliás, fez questão de frisar o apresentador Paulo Markun. Na milésima edição do programa Roda Viva, que por uma hora e quarenta minutos entrevistou na segunda-feira (7/11) o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, todas as perguntas relevantes foram feitas, até as mais duras. O entrevistado, de sua parte, passou pelo tiroteio dos jornalistas com muita calma, sem praticamente nenhum momento de alteração – a única exceção ocorreu quando Lula rebateu as críticas sobre a compra de um avião para a Presidência. Tudo somado, pode-se dizer a partir do resultado do Roda Viva que o mais incompreensível mesmo é a relutância do presidente (ou de seus assessores) em conceder entrevistas regulares a jornalistas.
Incompreensível porque, goste-se ou não do conteúdo do que Lula diz, ele é possivelmente o melhor defensor de si próprio e de seu governo. Na verdade, como bem apontou o jornalista Josias de Souza em seu blog na internet, Lula é dez na forma, embora o conteúdo possa deixar a desejar, a depender da posição política de quem o assiste. Ao demonstrar tranqüilidade até nas perguntas mais pessoais, como a que lhe dirigiu o apresentador Markun sobre os negócios do filho com a Telemar, o presidente só tem a ganhar, ainda que o conteúdo da resposta não satisfaça a seus críticos.
O próprio Lula de certa forma reconheceu o equívoco de conceder poucas entrevistas ao ser questionado no programa sobre a conflituosa relação de sua gestão com a imprensa. Para o presidente, esta é uma ‘forma de trabalhar’ que talvez possa ser revista, já que ele confessou ‘gostar’ de dar entrevistas e debater com os jornalistas. Lula, aliás, tentou desfazer o mal-estar causado por recente declaração de que faltava educação a profissionais da imprensa que acompanhavam uma recepção ao presidente da Jamaica. ‘Eu não disse que a imprensa é deselegante’, defendeu-se Lula, explicando em seguida que havia um jornalista, durante a recepção, que cobrava, aos gritos, explicações sobre a denúncia envolvendo o envio de dólares de Cuba. ‘Aí eu disse: e a educação? Foi um fato corriqueiro’, arrematou o presidente, ressaltando que não esperava que a atitude tivesse a repercussão que teve.
Sem constrangimentos
Lula também foi instado a assumir a posição de crítico de mídia e analisar a cobertura da imprensa sobre a crise política. Conciliador, ele evitou o confronto, disse viver uma relação de ‘amor e ódio’ com a mídia – ‘amor, quando sai coisa boa; ódio, quando saiu coisa ruim’ – e reconheceu a importância da exposição na mídia para a sua caminhada política até a presidência do Brasil. Lembrou, no entanto, o famoso caso da Escola Base para pedir moderação na publicação de acusações sem provas ou sem indícios muito fortes de comprovação das denúncias. Caso contrário, recomendou o presidente, é melhor deixar para a polícia investigar.
Se o presidente teve uma atuação tranqüila, poucas críticas podem ser feitas aos jornalistas que o entrevistaram – além do apresentador Paulo Markun, participaram o programa Augusto Nunes (colunista do Jornal do Brasil), Rodolfo Konder (diretor da universidade UniFMU), Matinas Suzuki Jr. (diretor da rede de jornais Bom Dia), Roseli Tardeli (diretora da agência de notícias da Aids) e Heródoto Barbeiro (editor-chefe e apresentador do Jornal da Cultura e âncora da CBN). A postura de todos foi correta, formal – a informalidade, quando houve, partiu do próprio presidente – e nenhuma pergunta importante ficou de fora.
A crise política dominou o programa e perguntas incômodas foram feitas. Nunes pediu ao presidente que confirmasse se havia realmente chorado quando o deputado Roberto Jefferson lhe relatou a existência do suposto mensalão (Lula negou); Suzuki Jr. perguntou se o presidente achava que poderia haver envolvimento de petistas na morte de Celso Daniel (Lula não acredita); Barbeiro foi incisivo ao rebater o presidente em diversas questões sobre a crise política; e Tardelli foi quem levantou as questões sobre as conflituosas relações do governo Lula com a imprensa.
De todos os presentes, talvez tenha sido Rodolfo Konder o de mais discreta participação, embora tenha sido ele o que conseguiu arrancar do presidente o momento de maior constrangimento, quando lembrou a falta de participação do governo federal nas comemorações dos 30 anos da morte do jornalista Vladimir Herzog. Sem jeito, Lula lembrou que pediu à ministra Dilma Roussef que participasse da celebração religiosa em São Paulo, mas reconheceu a falta e jogou para o próximo ano uma presença mais marcante do governo em uma improvável celebração dos 31 anos da morte do jornalista.
Ao fim e ao cabo, ficou a nítida impressão de que o presidente deveria se expor mais às entrevistas, até porque na atual crise os adversários do governo conseguem muito mais espaço na mídia do que quem se dispõe a falar pela base aliada. E da parte dos jornalistas, a expectativa é que façam o que fizeram os profissionais que participaram do Roda Viva: perguntas claras, sobre os temas pertinentes, sem constrangimento pelo teor das questões, mas tampouco com afetação para provocar uma reação mais emocional do entrevistado.