Uma boa intriga no governo pode valer manchete, mas a Folha de S. Paulo preferiu um título de apenas uma coluna no alto da primeira página: “Presidente do BNDES exorta industriais a criticar câmbio”. Segundo a reportagem, o presidente do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social, Luciano Coutinho, criticou, em reunião fechada com empresários, a política do Ministério da Fazenda e do Banco Central (BC). O governo, teria dito o economista, desistiu de manter o dólar no patamar de R$ 1,65 e aceitou novas quedas porque isso ajudaria a conter a inflação. A indústria, teria ele acrescentado, está sendo destruída por essa política e os industriais deveriam mobilizar-se para combater essa orientação. A matéria foi publicada em 9/4, sábado.
As informações foram atribuídas a participantes de um encontro, em São Paulo, promovido pela Confederação Nacional da Indústria (CNI). Procurado pela Folha, Coutinho, por meio de sua assessoria, negou ter criticado a política oficial. Pouco depois da reunião, o presidente da CNI, Robson Andrade, cobrou das autoridades, em nota distribuída a todos os jornais, “medidas duras e radicais” para conter o dólar. Sem isso, acrescentou, o Brasil estará arriscado a ter uma economia formada só por bancos.
Se a informação encampada pela Folha for verdadeira, a ação de Coutinho terá demonstrado uma grave fratura no governo federal. Presidentes do BNDES não podem aconselhar empresários a mobilizar-se contra a política do Ministério da Fazenda e do BC, ou, de fato, contra qualquer outra política de governo. Numa empresa isso resulta em demissão. Em governos organizados, esse é também o resultado normal. Alguns governantes toleram, e às vezes até estimulam, conflitos internos, mas divergências públicas dificilmente são toleradas e muito menos uma convocação aos empresários, ou a qualquer outro grupo, para pressionar contra políticas oficiais.
Fissuras vão aparecendo
Quando este comentário tiver sido postado, talvez já tenha havido desdobramentos da história em Brasília. A viagem da presidente Dilma Rousseff à China poderá dar tempo, no entanto, para uma acomodação. De toda forma, a imprensa deveria acompanhar a ação da presidente em relação a conflitos em sua equipe. Na mesma semana da reunião de Coutinho com os industriais, houve declarações divergentes sobre os preços dos combustíveis. Segundo o presidente da Petrobrás, Sérgio Gabrielli, será difícil evitar um aumento do preço da gasolina se a cotação do petróleo continuar nos níveis de agora. “Não está claro, no entanto, se o atual patamar de preço será mantido”, disse Gabrielli na quarta-feira (6/4), depois de um encontro com o governador de São Paulo. Horas depois, no começo da noite, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, entrou no assunto: “Não há alta da gasolina e não está prevista uma alta da gasolina no país.” Dois dias depois, o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, entrou em cena, apresentando-se como porta-voz da presidente Dilma Rousseff. “`Ela não quer aumento´, disse o ministro.” Mas a elevação poderá ocorrer, admitiu, se a cotação do petróleo ultrapassar “muito” os níveis atuais, informou o Estado de S. Paulo.
Há uma importante diferença entre as declarações de Gabrielli e as de Lobão. Segundo presidente da Petrobrás, seria difícil evitar o aumento da gasolina se a cotação do petróleo se estabilizasse no patamar atual, já muito alto. De acordo com o ministro, a decisão só será tomada se o preço do barril subir muito mais. Todos os jornais têm coberto as divergências em torno do assunto. Um ponto está claro: também nesse caso faltou combinar as jogadas, em Brasília, e não se sabe quem reflete de fato a orientação do governo. Detalhe interessante: pela primeira vez em muito tempo o BC e o Ministério da Fazenda parecem jogar de forma articulada. Mas, ao mesmo tempo, no resto da administração federal as fissuras vão aparecendo.
Limitar o prazo dos empréstimos
As divergências seriam menos importantes, neste momento, se o governo atravessasse uma calmaria. Mas o caso é muito diferente. Todos os desacordos entre ministros e altos funcionários giram em torno de questões muito graves, como o desajuste cambial crescente, os preços dos combustíveis e seus efeitos na inflação. Para o ministro da Fazenda, abril tem sido (perdoe-se mais esta citação de T.S. Eliot) o mais cruel dos meses. A cada medida cambial anunciada, o dólar volta a cair, como se a grande obsessão do mercado fosse contrariar o ministro.
Ao mesmo tempo, os números desmentem com assustadora rapidez seus comentários sobre a inflação. O melhor resumo da história foi a manchete de sexta-feira (8/4) do Valor: “Inflação resiste, dólar cai e governo tenta conter crédito”. Essa tentativa, já se aposta, dará no máximo resultados medíocres. Eleva de 1,5% para 3% o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), incidente nos empréstimos ao consumidor, e dificilmente limitará o crédito ao consumo. Seria muito mais eficaz, segundo a maior parte dos comentários, limitar de forma sensível o prazo dos empréstimos. O resultado será conferido nos próximos meses.
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Jornalista