Na edição sul-americana do El País de domingo (5/12), as façanhas de Julian Assange ocuparam cerca de 13 páginas, grande parte dedicadas aos desdobramentos das revelações do fim de semana anterior.
Curiosamente, o tópico que mereceu mais espaço e atenção (2 páginas e forte chamada na capa) foi a denúncia de que dois membros da alta hierarquia chinesa (os números 5 e 9 do Politburo) estavam à frente do ciberataque do governo de Pequim contra o Google no fim do ano passado.
A denúncia do Wikileaks não foi contestada, mas também não foi apurada. Tal como entrou nos arquivos do Departamento de Estado – sem qualquer investigação suplementar – entrou no tsunami das especulações e fofocas que tomaram conta da imprensa mundial. ‘That’s the way it is’, diria o cético Walter Cronkite, o famoso âncora da CBS. Coisas do nosso tempo. O ciberespaço é tão vasto e amorfo que nele só se produz barulho.
A prova disso está no próprio estatuto da ‘coalizão’ (ou conluio) dos cinco grandes diários globais que se acertaram com o Wikileaks para publicar as suas bombas: a primeira divulgação seria obrigatoriamente através das respectivas edições digitais. Depois, os vazamentos passariam às edições impressas. E por que não ao contrário? Porque Julian Assange é um publisher digital, sua cabeça e instintos não são analógicos. Se a primazia ficasse com os jornais, o barulho teria outro tipo de vibração. E outros resultados, talvez mais eficazes.
Razão do ministro
A questão que hoje deveria ser discutida relaciona-se com a natureza do Wikileaks – é um canal informativo ou veículo jornalístico? Para ser enquadrado como jornalismo, a primeira exigência seria a de trazer algum tipo de apuração preliminar, de preferência uma contestação. Impossível, o vazamento só tem efeito quando aliado ao fator surpresa.
A verdade é que este rigor conceitual está sendo rapidamente substituído pelo chamado ‘jornalismo de resultados’ – em que primeiro se atira e depois se pergunta quem vem lá. Assange só atira. E com o apoio de veículos como o The New York Times, The Guardian, Der Spiegel e El País, que a ele se associaram, este tipo de jornalismo não levará muito tempo para impor-se ao modelo canônico.
Não importa quanto tempo vai durar a ‘onda Assange’, o que importa é velocidade da hibridização imposta pela explosão dos meios digitais. O híbrido é geralmente estéril, geralmente incapaz de produzir descendência, impasse genético. Impossível dizer se Assange descende de Hearst ou de Pulitzer. O que deveria nos preocupar é que ele é o primeiro de uma série de estranhas combinações entre espécies diferentes que, ao fim e ao cabo, darão razão ao ministro Gilmar Mendes, do STF: jornalismo não é profissão, é oportunidade.
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A ombudsman da Folha de S.Paulo errou na sua coluna de domingo (5/12): o jornal não publicou com exclusividade os vazamentos referentes ao Brasil. Deu em primeira mão. Exclusividade não existe na era digital.