‘O ministro Luiz Gushiken (Comunicação de Governo) teve um almoço tenso ontem com dez correspondentes estrangeiros em Brasília. Ele explicou os motivos que levaram o governo a cancelar o visto do jornalista Larry Rohter, mas não conseguiu convencê-los de que a medida era necessária.
Ao descrever o clima do almoço, um dos correspondentes disse que ‘o pau comeu’. O encontro havia sido marcado antes da publicação da reportagem pelo ‘New York Times’ para discussão de assuntos relativos à cobertura internacional, mas o caso Rohter dominou 80% da conversa, que durou cerca de duas horas.
No auge da discussão, um assessor de Gushiken chegou a levantar-se e interromper a conversa, dizendo que o almoço não havia sido marcado para a discussão do caso e pedindo que voltassem à pauta original. Um deles respondeu: ‘Ah! não, essa é a primeira vez que conseguimos furar a imprensa brasileira, então nós vamos continuar nesse assunto’, referindo-se ao fato de um jornal estrangeiro ter noticiado antes da imprensa brasileira o suposto problema do presidente Luiz Inácio Lula da Silva com a bebida.
O ministro ficou repetindo, segundo um dos participantes, que, para o governo brasileiro, o importante era defender a verdade, mas não convenceu os presentes. Se a reportagem está errada, basta entrar na Justiça, porque calúnia é crime em qualquer lugar do mundo, afirmou um correspondente.
Os correspondentes questionaram o ministro sobre qual o parâmetro deles para trabalhar de agora em diante e sobre o que o governo consideraria ofensivo ou não. ‘Nosso parâmetro é a lei. Este país tem leis’, disse Gushiken. Segundo os correspondentes, o ministro insistiu que o caso Rohter é um episódio isolado, que nada tem a ver com a liberdade de imprensa e que eles poderiam continuar exercendo o trabalho deles como sempre, sem receios.
Um dos correspondentes chegou a perguntar se o governo brasileiro não temia comparações do Brasil com o Zimbábue e Cuba, dois regimes ditatoriais. ‘Não tem procedência essa comparação’, disse Gushiken. Os correspondentes argumentaram que os danos à imagem do Brasil foram imensos. ‘Pior seria se o governo mantivesse silêncio diante de uma acusação falsa contra o presidente da República publicada em um dos maiores jornais do mundo’, respondeu Gushiken.
Informados de que a Justiça havia concedido habeas corpus a Rohter, os correspondentes questionaram Gushiken. Ele disse que o governo acata a decisão da Justiça, mas não informou se haveria recurso e chegou a classificar de rotineiro o cancelamento: ‘O Executivo usou de um mecanismo rotineiro, que é o cancelamento de um visto. Todo país tem a rotina da aprovação. Se aprova, também pode cancelar. O cancelamento é previsto em lei’. Para ele, ‘a matéria não só falsificou dados, mas criou uma imagem ofensiva ao presidente, colocando em questão a governabilidade por uma condição inexistente’.’
Ranier Bragon e Raymundo Costa
‘Para presidente, repercussão foi ‘corporativismo’’, copyright Folha de S. Paulo, 14/05/04
‘A repercussão nacional e internacional em torno da reação do governo à reportagem do jornal ‘The New York Times’ é fruto de corporativismo da imprensa, disse ontem a deputados do PL o presidente Lula, segundo relato do líder da bancada do partido na Câmara, Sandro Mabel (GO).
‘Ele disse que as reações que existem são fruto do corporativismo, que ele não podia tomar outra atitude porque, caso contrário, poderiam achar que esse é um país em que todo mundo chega, bate e fica por isso mesmo.’
Lula jantou na noite de ontem, na Granja do Torto, com congressistas do PL, com ministros e com o vice-presidente José Alencar, que é do partido. Mabel disse que Lula falou sobre o ‘NYT’ em seu discurso, que foi pontuado pela defesa da política econômica e de que o país está voltando a crescer.
Deputados presentes ao encontro negaram ter ouvido Lula falar sobre o assunto no discurso, mas afirmaram que o presidente se reuniu em ‘rodinhas’ antes e depois de sua fala. Informado sobre o assunto, o Planalto não respondeu até a conclusão desta edição.
Quatro dias depois de ser alvo da reportagem que afirmou haver supostos excessos alcoólicos seus, Lula tomou de uma a duas doses de uísque, segundo deputados. Lula disse a um grupo restrito de parlamentares que o que mais o indignou na reportagem foi a menção ao alcoolismo do pai como uma das ‘provas’ de que ele estaria exagerando na bebida.
Constrangimento
O jantar foi marcado por discursos de líderes do PL, afirmando que o partido é governo, mas tem bandeiras próprias. Também houve momentos de constrangimento como quando o ministro dos Transportes, Alfredo Nascimento (PL), relembrou o episódio em que o presidente da sigla, deputado Valdemar Costa Neto (SP), pediu a demissão de Antonio Palocci Filho (Fazenda) e Henrique Meirelles (Banco Central).
Outro momento de constrangimento ocorreu durante a fala de Alencar, que repetiu as críticas que vem fazendo ao governo.
Lula também conversou com um grupo restrito da cúpula do PL e apelou para que o partido faça alianças com o PT no 1º turno das eleições municipais. A pressão seria maior sobre o PL paulista, que se divide entre um apoio a José Serra (PSDB) e à reeleição de Marta Suplicy (PT).’
Ranier Bragon, Wilson Silveira e Fernanda Krakovics
‘Lula diz que não foi eleito para ‘santo’ e que pena é ‘exemplar’’, copyright Folha de S. Paulo, 13/05/04
‘O presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse ontem a líderes de partidos aliados que a decisão de cancelar o visto do correspondente Larry Rohter, do jornal ‘The New York Times’, teve o objetivo de servir de ‘exemplo’ para outros jornalistas estrangeiros.
Ao comentar o teor da reportagem assinada por Rohter no último domingo -que tratou dos supostos excessos alcoólicos do presidente-, afirmou, segundo relato de participantes do encontro: ‘Não fui eleito para santo’.
O presidente insinuou ainda que a reportagem pode estar relacionada a insatisfações com a política externa do país, ao declarar que ‘as pessoas pensaram que o Brasil ficaria submisso diante da geografia comercial vigente’.
Realizado no Palácio do Planalto, o café da manhã reuniu 13 líderes de partidos aliados e vice-líderes do governo na Câmara, além do ministro Aldo Rebelo (Coordenação Política). A pauta oficial era a discussão de projetos de interesse do governo no Congresso.
O caso ‘NYT’ surgiu quando o deputado Vicente Cascione (PTB) manifestou apoio à decisão de cancelar o visto do jornalista, o que o obriga a deixar o país em oito dias depois de ser notificado.
A resolução, que gerou ampla repercussão negativa, dividiu o governo. Enquanto o porta-voz André Singer e os ministros Luiz Gushiken (Comunicação) e José Dirceu (Casa Civil) a apoiaram, o assessor de imprensa Ricardo Kotscho e Antonio Palocci (Fazenda) foram contra (leia abaixo).
Segundo deputados, Lula disse que as fontes usadas na reportagem -entre elas o ex-governador Leonel Brizola- ‘não chegaram nem a 300 km de distância’ dele.
Lula afirmou ter contado ‘até dez’ antes de tomar a decisão, que não tem volta e que, se for pedido novamente, o visto será negado.
À tarde, o porta-voz confirmou que o presidente não voltará atrás da decisão. ‘O governo brasileiro não vai retroceder nessa questão. Temos razões sólidas, fundamentadas e refletidas. É nossa responsabilidade defender o Brasil, as instituições brasileiras e a figura do presidente da República. Não há motivo para retroceder.’
Singer disse que a opinião pública irá compreender que o governo precisava reagir à altura das ofensas. Sobre a posição dos EUA, que protestaram contra a medida (leia à página A5), afirmou que esse episódio não tem relação com a liberdade de imprensa, e sim com a responsabilidade na divulgação de notícias de repercussão internacional. Segundo ele, o governo tem um ‘compromisso férreo’ com a liberdade de imprensa.
Na reunião com os parlamentares, Lula disse que o ‘NYT’ pode enviar ao país ‘50 ou cem pessoas, o que não pode é atacar a instituição da Presidência’. ‘Se não tomasse nenhuma medida, qualquer outro jornalista de qualquer país poderia fazer o mesmo sem preocupação com as conseqüências. Esse caso serviu de exemplo’, disse. ‘Foi uma agressão ao Brasil, não à minha pessoa.’
Para Lula, a atitude de Rohter foi muito mais grave do que a do piloto da American Airlines Dale Hobi Hersh, expulso em janeiro após ter feito um gesto obsceno à Polícia Federal ao entrar no país.
Segundo o presidente, qualquer país do mundo tomaria atitude semelhante e que o jornalista nunca o teria visto bebendo nem mesmo guaraná. Afirmou não beber mais do que a média dos brasileiros e avaliou que nunca deu motivos para insinuações de que tem problemas com o álcool.’
Raquel Ulhôa
‘Lula diz que só recua se jornal se retratar’, copyright Folha de S. Paulo, 14/05/04
‘O presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou ontem aos líderes aliados do Senado e ao presidente da Casa, José Sarney (PMDB-AP), que revogará a decisão de cancelar o visto do correspondente do ‘New York Times’ Larry Rohter se houver uma clara retratação do jornal ou do jornalista pela reportagem que atribuiu a ele uso excessivo de bebida alcoólica.
Lula frustrou a expectativa dos senadores, que acreditavam na revisão da medida ainda ontem. Na reunião com os líderes, o ministro José Dirceu (Casa Civil) fez a mais enfática defesa do ato do governo dizendo que o Estados Unidos precisam entender que o Brasil não é uma ‘republiqueta’.
Na véspera, após um dia inteiro de críticas no Senado à suspensão do visto de Rohter, considerada ‘truculenta’ e ‘antidemocrática’, o líder do governo, Aloizio Mercadante (PT-SP), negociou com Lula, por telefone, a audiência com Sarney e os líderes da Casa. Nem Dirceu nem o ministro Aldo Rebelo (Articulação Política) foram consultados. Ficaram sabendo após a reunião ser acertada por telefonemas de senadores e deputados. A oposição (PSDB e PFL), que se dispunha a ir à reunião, voltou atrás ao saber por Sarney que não havia nada combinado para Lula recuar da decisão.
Mercadante anunciou no Senado que seria discutida uma ‘solução alternativa’ para o problema, admitindo que o cancelamento do visto ‘agredia a liberdade de imprensa’ e ‘não era o instrumento mais adequado’ para reagir ao que o governo considera uma agressão à honra de Lula.
Lula sinalizou a Mercadante que iria reconsiderar a expulsão de Rohter, porque, naquele momento, o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, que estava na Suíça, negociava com um advogado do ‘New York Times’ uma retratação do jornal. Mas a carta negociada por Bastos foi considerada insuficiente: ‘A carta não resolve nada. Defende mais o jornalista do que eu’, disse Lula. O presidente afirmou que exige um gesto claro do jornal retirando o que foi dito na reportagem para não cancelar o visto de Rohter.
Mais tarde, na reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, o presidente respondeu às acusações de autoritarismo: ‘Em toda a nossa vida sindical, partidária, de oposição, e agora de governo, defendemos e praticamos o diálogo democrático, a negociação política intensa como base nesses princípios’. Disse ainda que há uma ‘visão superficial e preconceituosa’ de que governar sem diálogo e sem reuniões torna a gestão mais eficiente: ‘Nós não acreditamos nisso’.
Ofensa pessoal
‘O presidente disse que se sente impossibilitado de rever a decisão, se não houver um quadro novo, um gesto claro de retratação. Ele acha que está defendendo a imagem do país. Considera que não se trata de uma ofensa pessoal, mas uma questão de Estado’, disse Sarney após a reunião.
Lula se mostrou indignado com a reportagem e com o fato de o jornal ter se negado adotar um gesto de retratação. Disse aos senadores que já foi muito atacado como homem público e tem a ‘casca dura de tanto apanhar’.
Ele afirmou que, como representante do Brasil, não poderia viver com a acusação de que seus atos seriam prejudicados pela bebida. Demonstrou estar revoltado com a ausência de instrumentos legais para se defender, mas disse que voltaria atrás se houvesse retratação. Na reunião, Dirceu fez a intervenção mais dura em defesa do ato do governo. Disse aos senadores que a reportagem de Rohter era uma ‘afronta’ ao país e atingia a soberania nacional. Colaborou GABRIELA ATHIAS, da Sucursal de Brasília’
Vinicius Queiróz Galvão
‘Jornalista conhece o Brasil há 27 anos’, copyright Folha de S. Paulo, 13/05/04
‘O americano William Larry Rohter Junior, 54, conhece o Brasil há 27 anos. Ele chegou ao país pela primeira vez em 1977, durante a ditadura militar. Segundo contou em uma reportagem para o caderno de turismo do ‘New York Times’, publicada em 2002, o Rio de Janeiro foi o primeiro lugar em que esteve fora de seu país.
Ontem, o escritório do ‘NYT’ no Rio, onde Rohter trabalha, informou que o correspondente pediu ‘isolamento’. Ele deixou a orientação de que seu endereço nem seu telefone sejam divulgados. A direção do jornal determinou que sua equipe no Brasil não comente a decisão do governo de cancelar o visto do jornalista.
Nos últimos dias, o correspondente esteve em Buenos Aires fazendo entrevistas, mas ontem não foi ao apartamento onde trabalha e se hospeda na capital argentina. Sua secretária na cidade disse que ele estava no país, mas que não o via havia dois dias. No fim da tarde, porém, o porteiro do edifício onde ele fica afirmou que o viu deixar o prédio anteontem, às 5h, com duas malas grandes.
O jornalista chegou ao Brasil nos anos 70 como correspondente da revista americana ‘Newsweek’. Foi nessa época que ele conheceu a carioca Clotilde, com quem teve dois filhos. De acordo com pessoas que o conhecem, as crianças nasceram nos EUA e moram lá atualmente, em Miami, com a mãe.
Rohter trabalha há cinco anos no Rio para o ‘NYT’. Sua saída do país estava programada para fevereiro último, mas foi prorrogada, a pedido da empresa, para o fim deste ano. No ano passado, Rohter recebeu o prêmio de imprensa Embratel, no valor de R$ 8.000, na categoria correspondente internacional, pela reportagem ‘Amazônia ainda queima, apesar das promessas’.
No texto que escreveu para o caderno de turismo do ‘New York Times’, Rohter contou que mora em São Conrado (zona sul), mas que primeiro morou na Vila Isabel, na zona norte do Rio. A reportagem fala de ‘duas cidades separadas por um túnel’: as zonas norte e sul. No mesmo texto, Rohter dá dicas de bares na cidade para se ‘tomar drinques em dias quentes’.
O outro correspondente do ‘NYT’ no Brasil, Todd Benson, que mora em São Paulo, disse ter sido proibido pela direção da empresa de comentar a decisão do governo brasileiro e a reportagem que gerou a polêmica, sob pena de demissão. A mesma orientação foi recebida por funcionários do escritório no Rio.
‘Em outros momentos, eu teria isso na ponta da língua, mas agora não é o caso. Não posso falar, não dá’, afirmou Mery Galanternick, jornalista brasileira que trabalha para o ‘New York Times’ no Brasil. ‘Ele conhece profundamente e gosta muito do país’, disse ela, apenas.
Além de escrever sobre a política brasileira, Rohter é responsável pela cobertura da Argentina e do Chile, para onde viajava freqüentemente. O jornal espanhol ‘El Pais’ o define como chefe do ‘NYT’ no Cone Sul.
Em 2002, ele publicou outra matéria de repercussão, afirmando que o ex-presidente argentino Carlos Menem havia recebido suborno de US$ 10 milhões para encobrir uma suposta vinculação do governo do Irã com o atentado em Buenos Aires contra a Amia (Associação Mutual Israelita Argentina), em 1994. Colaborou CLÁUDIA DIANNI, de Buenos Aires’
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‘Mulher brasileira pode evitar expulsão’, copyright Folha de S. Paulo, 13/05/04
‘O ministro interino da Justiça, Luiz Paulo Barreto, cancelou o visto do correspondente do ‘New York Times’ Larry Rohter com base no artigo 26 do Estatuto do Estrangeiro, uma lei ainda do período da ditadura militar, de 1980, que trata da situação jurídica de estrangeiros no Brasil.
Uma hipótese de cancelamento do visto prevista nesse artigo é ‘a inconveniência de sua presença [do estrangeiro] no território nacional, a critério do Ministério da Justiça’. O artigo também estabelece que ‘o impedimento de qualquer dos integrantes da família poderá se estender a todo o grupo familiar’. Para valer no caso do jornalista americano, a família dele também teria de ser estrangeira. O objetivo desse trecho é assegurar que a família continue unida.
O fato de o correspondente do ‘NYT’ ser casado com uma brasileira poderá favorecer a obtenção, na Justiça, de autorização para ele continuar no país, apesar do cancelamento de seu visto de estrangeiro pelo Ministério da Justiça.
Um ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) afirmou, em caráter reservado, que a mulher de Rohter poderá argumentar dupla residência. Já que ela vive no momento em Miami, diria que mora temporariamente na cidade americana, mas pretende retornar em breve ao seu país. Essa situação, em tese, também facilita a permanência do jornalista no Brasil.
Sendo brasileira, segundo esse ministro, a mulher do correspondente terá o direito de entrar em território nacional quando quiser. Essa condição será extensiva às duas filhas do casal, se elas tiverem nascido nos EUA, mas possuírem dupla nacionalidade.
O senador Sérgio Cabral (PMDB-RJ) entrou ontem com habeas corpus a favor de Rohter no STJ (Superior Tribunal de Justiça), mas não explora a situação familiar do jornalista. O argumento usado é que a decisão do governo fere o princípio constitucional da liberdade de expressão.
O procurador-geral da República, Claudio Fonteles, defendeu o cancelamento do visto de Rohter, dizendo que a medida não foi ‘desequilibrada’, porque a reportagem do jornalista teria ofendido não só a honra do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mas o país.
O presidente interino do STF, Nelson Jobim, e outros ministros recusaram-se a dar declarações sobre o caso. Reservadamente, no entanto, três deles disseram que a atitude do governo foi abusiva, porque feriu o princípio constitucional da liberdade de expressão.
O presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Roberto Busato, disse que a decisão de cancelar o visto do jornalista do ‘NYT’ corresponde a uma tentativa de mordaça da imprensa. Colaborou SILVANA DE FREITAS, da Sucursal de Brasília’
Vinícius Queiroz Galvão, Virgilio Abranches e Michele Oliveira
‘Ato lembra ditadura, dizem correspondentes’, copyright Folha de S. Paulo, 13/05/04
‘A Associação dos Correspondentes da Imprensa Estrangeira, com sede no Rio, divulgou nota ontem em que afirma temer que a decisão do Ministério da Justiça de cancelar o visto de permanência no país do jornalista americano Larry Rohter ‘seja um aviso no sentido de que, para trabalhar no Brasil, [os jornalistas] devem escrever reportagens que agradem ao governo’.
O texto diz que o ‘ato, muito grave, fere a liberdade de imprensa e lembra os períodos mais obscuros da história do país’, em alusão à censura durante o regime militar (1964-1985).
Já a ACE (Associação dos Correspondentes Estrangeiros) pediu, por meio de uma carta aberta ao governo brasileiro, que a decisão de cancelar o visto de Rohter seja reconsiderada. ‘Nós, jornalistas da imprensa estrangeira, precisamos de nossos vistos para trabalharmos e esperamos poder exercer nossas funções sem o temor de que seremos censurados’, diz a nota (leia a íntegra ao lado).
‘Tradição democrática’
A Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas) disse, também em nota, ‘lamentar e repudiar’ a reportagem escrita por Rohter e afirma que a postura do governo brasileiro ante a posição hegemônica dos Estados Unidos é a causa de uma ‘campanha difamatória’. No entanto, a entidade diz que ‘a retaliação ao jornalista americano não combina com a tradição democrática do nosso país’.
A Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) classificou a decisão do governo de ‘absurda e injustificável’. Segundo a associação, ‘a publicação de uma reportagem, seja ela qual for, não justifica uma atitude violenta como a adotada pelo governo brasileiro’. O texto ainda faz menção à ditadura militar: ‘Trata-se de um grave atentado à liberdade de imprensa e de expressão que talvez só encontre precedente entre nós na decisão da ditadura militar de, em 1970, expulsar do Brasil o então diretor da France Press, François Pelou’.
A ANJ (Associação Nacional de Jornais) lançou, no final da tarde de ontem, uma nota de repúdio à ação do governo. A ANJ é associada e representa no país a Associação Mundial de Jornais.
De acordo com a entidade, a medida ‘é calcada em bases legais que restaram de uma legislação autoritária tantas vezes combatida e que merece repulsa quando é retomada’. A nota também faz críticas à reportagem de Larry Rohter, mas afirma que o texto ‘não causa mais dano ao país do que um ato de notória ameaça à liberdade de imprensa’.
Repercussão internacional
Há dúvidas sobre a existência da liberdade de imprensa no Brasil. Foi o que disse ontem a Iapa (sigla em inglês da Sociedade Interamericana de Imprensa) sobre a atitude do governo brasileiro de cancelar o visto do correspondente do ‘New York Times’ no país. A entidade representa cerca de 1.300 periódicos nas Américas.
Segundo o jornalista da República Dominicana Rafael Molina, presidente da Comissão de Liberdade de Imprensa e Informação da Iapa, a medida é ‘desapropriada’. ‘Com essa decisão, se põe em dúvida a verdadeira existência da liberdade de imprensa no Brasil.’
Para Molina, o cancelamento do visto do jornalista americano desrespeita a Declaração de Chapultepec. O texto -assinado na cidade mexicana em 1994, durante a Conferência Hemisférica sobre Liberdade de Expressão- reúne princípios de liberdade de imprensa. ‘A declaração diz que nenhum meio de comunicação ou jornalista deve ser sancionado por formular críticas ou denúncias contra o poder público.’
Já a IFJ (sigla em inglês da Federação Internacional dos Jornalistas) -que representa cerca de 500 mil profissionais da área em mais de cem países- divulgou nota ontem pedindo ao governo brasileiro para reconsiderar o cancelamento do visto de Rohter.
O texto diz que o problema deve ser resolvido por meio do diálogo, e não da expulsão do repórter do país. ‘Uma resposta oficial à reportagem seria mais apropriada do que essa punição’, disse Aidan White, secretário-geral da IFJ.
O Comitê de Proteção aos Jornalistas, órgão independente com sede em Nova York, também se manifestou contrário à decisão. ‘Como figura pública, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deveria esperar e tolerar a investigação da imprensa, tanto das suas políticas quanto da sua conduta no governo’, disse a diretora-executiva do CPJ, Ann Copper. ‘O ato envia um sinal cristalino, tanto para a imprensa nacional como para a mídia internacional, sobre a intolerância do governo para reportagens críticas.’’
Michele Oliveira, Vinícius Queiroz Galvão E Virgilio Abranches
‘Ação é ‘violenta’, diz novo presidente da ABI’, copyright Folha de S. Paulo, 13/05/04
‘‘É uma ação extremamente violenta. Restringe o exercício da atividade profissional.’ Assim reagiu o jornalista Maurício Azêdo, novo presidente da ABI (Associação Brasileira de Imprensa), ao anúncio de que o governo federal determinou o cancelamento do visto do jornalista Larry Rohter, do ‘New York Times’. Azêdo toma posse amanhã. ‘O caminho deveria ser o da contestação ou o de uma ação judicial. Mas cassar o visto é uma truculência.’
Por outro lado, o atual presidente da ABI, que deixa o cargo amanhã, Fernando Segismundo, diz que, apesar de a situação ser ‘delicada’, concorda com o ‘revide’ do governo: ‘Não se pode manter no país um jornalista para difamar o presidente. É desagradável falar isso, mas acho que o revide do governo está correto’.
Todas as pessoas da área ouvidas pela reportagem criticaram o texto de Rohter no jornal americano. No entanto, a maioria considerou que a resposta do governo federal foi errada.
Para a presidente da Associação dos Correspondentes Estrangeiros (ACE) de São Paulo, a peruana Verónica Goyzueta, a decisão do governo brasileiro é ‘lamentável’. ‘É um caso claro de censura e perseguição política de um governo democrático, cujos líderes também foram perseguidos durante a ditadura’, disse Goyzueta, que mora no país há 12 anos.
A associação, que representa 110 jornalistas no Estado -cerca de 300 é o total de correspondentes que residem no país-, está preparando um documento para repudiar a decisão do governo brasileiro. Goyzueta é correspondente do jornal ‘ABC’ da Espanha e do norte-americano ‘Tiempos del Mundo’, destinado à comunidade latino-americana.
Segundo ela, a expulsão do jornalista vai prejudicar os trabalhos dos demais correspondentes. ‘Os jornalistas vão ficar acuados, sem poder falar mal do país, com medo de terem os vistos cancelados.’
O mesmo afirmou Francisco José Castilhos Karam, membro da Comissão Nacional de Ética e de Liberdade de Expressão da Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas) e professor da Universidade Federal de Santa Catarina. ‘Do ponto de vista da democracia, de um governo democrático que tem integrantes que foram vítimas de arbitrariedades durante a ditadura, essa ação abre uma prerrogativa para que haja punição por outras reportagens’, declarou.
Atitude ‘drástica’
Para o professor José Coelho Sobrinho, chefe do Departamento de Jornalismo e Editoração da Escola de Comunicações e Artes da USP (Universidade de São Paulo), a atitude foi ‘drástica’. ‘O máximo a ser feito seria pedir que o jornal se retratasse.’
Para o presidente da Associação dos Correspondentes Estrangeiros do Rio, Michael Astor, a decisão do governo brasileiro é ‘grave’ e ‘fere a liberdade de expressão’. Astor, que é correspondente da agência americana ‘Associated Press’ e mora há dez anos no Brasil, pretende reunir hoje a diretoria e membros da associação para avaliar quais medidas tomar. ‘A situação é muito nova, não sabemos exatamente o que fazer’, declarou.
Outros jornalistas estrangeiros no Rio não quiseram comentar a medida. A correspondente da agência de notícias ‘Business News America’ em São Paulo, Karen Keller, considerou ‘triste’ o cancelamento do visto do colega.’