Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Brasil na imprensa alemã: o apocalipse é logo ali

(Foto: Marcos Corrêa/PR)

A imprensa alemã já tem, de praxe em seu DNA, uma narrativa pessimista, instigante do medo, insegurança, mas especialmente do maior fantasma dos alemães: a perda do controle. Nada simboliza essa paúra mais do que um vírus letal e mutante.

Nos primeiros meses de 2020, a pandemia obrigou o capitalismo a ficar de joelhos, o capital deixou de ser a justificativa e legitimação para tudo. Governos e desgovernos, democráticos, neo-liberais ou fascistas foram alinhavando os seus empresariados de crise. Entre erros e acertos, o empresariado da pandemia e os seus desdobramentos violentos e macabros, os países seguiam tentando, com duas exceções: os EUA e o Brasil, nesse último em forma de negacionismo über.

No meio tempo entre a segunda e a terceira onda da pandemia, os EUA voltaram a ter um governo que fez do combate a Task Force 1 de sua agenda programática. O Brasil, pelo contrário, despencou em todos os sentidos: no sanitário, econômico e humanista. 3.650 biografias foram apagadas num só dia.
Meses atrás, as notícias sobre o Brasil na imprensa alemã se resumiam em pautas sobre o troca-troca na pasta da saúde em plena pandemia com um olhar igualmente irritado e perplexo e matérias pinceladas sobre outros exemplos do desgoverno Bolsonaro como o desmatamento das riquezas naturais, especialmente da Amazônia.
A velocidade estonteante do Zeitgeist nos atropelou: além de todo o ostracismo político frente à comunidade internacional, o Brasil se tornou referência para virologistas e cientistas sobre tudo o que não se deve fazer ao administrar uma pandemia. Um dos mais respeitados cientistas do país, o social-democrata Karl Lauterbach e presença constante nos programas de TV, mencionou o P1, mutante do Coronavírus no Brasil em sua conta no Twitter, alertando que o mesmo já foi detectado na ilha de Mallorca (Espanha), lugar preferido de férias dos germânicos, potenciais transmissores ao retornarem ao seu país.

Portugal modelo

Enquanto Portugal se tornou motivo constante de elogio da mídia depois de um Lockdown que merece o nome adicionado à medidas de toque de recolher, para a mídia alemã, o Brasil se tornou exemplo do mundo capotando, do Worse Case e do apocalipse. Tudo isso junto.

O Teaser e o título do artigo veiculado no portal da rede pública de TV, ZDF, indaga: “Perigo proveniente do Brasil: o que sabemos da nova variante do Coronavírs, o P1?

O portal do jornal Die Zeit publicou o artigo de Theresa Palm com o título: “Mais de 2.000 mortos e mais de 100.000 novas infecções por dia. A situação dramática no Brasil é consequente da muta P.1”.

“Essa nova mutação tem maior velocidade de contaminação”, declarou o epidemiologista Diego Xavier, da Fundação Oswaldo Cruz à agência alemã de notícias, DPA.

O jornal conservador, Frankfurter Rundschau anunciou em 29/03 a chegada de 80 balões de oxigênio à cidade de Manaus. Os aparelhos foram doados pelo governo de Berlim. A Chegada na capital do Amazonas foi confirmada em tuíte pela Aeronáutica alemã e pelo Ministério das Relações Exteriores. No portal de atualizações sobre o andamento da pandemia pelo mundo, os autores afirmam: “O rápido crescimento do número de infectados é devido ao mutante p.1.”

Com o raro olhar da imprensa alemã em relação ao Brasil somado a uma boa porção de pragmatismo, o jornal Frankfurter Allgemeine Zeitung veiculou uma foto-reportagem de autoria de Bruno Kelly, fotógrafo radicado em Manaus, mas com relevante presença na mídia internacional: “Pandemia na Floresta Amazônica”.

Em reportagem (26/03/2021), Bruno acompanha o dia-a-dia da enfermeira Vanderlecia Ortega dos Santos, a única que cuida dos pacientes da aldeia Parque das Tribos, ocupação indígena na zona oeste de Manaus onde vivem 1,2 mil pessoas.

A foto-reportagem reaproveitou as fotos de Bruno Kelly, já anteriormente veiculadas em matéria de maio de 2020, no portal da emissora Deutsche Welle com o título: “O Anjo Protetor” da Amazônia.

O apelo radical do ex-presidente Lula

Em entrevista veiculada no semanário Der Spiegel de autoria, entre outros, de Jens Glüsing, jornalista atuante para vários meios de comunicação alemães, com foco temático na América Latina, o ex-presidente classificou o presidente Bolsonaro como “O maior Genocída da nossa história”.

A declaração de Lula reverberou também em vários outros veículos de língua alemã.

Já o teaser coloca o dedo na ferida: “300. 000 mortos pelo Coronavirus em um ano. O ex-presidente Lula responsabiliza o seu sucessor, Jair Bolsonaro, faz um apelo a Angela Merkel e faz uma sugestão radical”.

O ex-presidente afirmou ser infactível um país combater sozinho a pandemia e apelou à chanceler que organize uma Convenção com os principais líderes mundiais.”A chanceler é respeitada pelo mundo todo. Esse encontro poderia ser no contexto do G7, do G20 ou de uma Assembléia excepcional das Nações Unidas”, apelou Lula.

O artigo resultou em acalorados comentários de leitoras e leitores.

Um usuário destilou seu descontentamento:“Spiegel oferece palco para um corrupto, condenado e ladrão”.

Um outro, defende a atuação de Lula em contraponto à de Temer e Bolsonaro.

O leitor Oliver fc, comenta: “Que a condenação foi instrumento político e jurídico estava claro. “Corrupção” por causa de uma reforma de um apartamento no qual Lula nunca morou e que nunca foi sua propriedade”.

Mesmo com as melhores intenções e oferecendo um hiato ao isolamento internacional no qual o Brasil sucumbiu, é infactível que a chanceler reaja ao apelo do ex-presidente. Merkel passa pelo pior momento de sua longa carreira com visíveis sinais de erosão de poder, exibidos nas últimas semanas no combate à terceira onda da pandemia.

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Fátima Lacerda é carioca, radicada em Berlim desde 1988 e testemunha ocular da queda do Muro de Berlim. Formada em Letras (RJ), tem curso básico de Ciências Políticas pela Universidade Livre de Berlim e diploma de Gestora Cultural e de Mídia da Universidade Hanns Eisler, Berlim. Atua como jornalista freelancer para a imprensa brasileira e como curadora de filmes.