À medida que aumenta a confusão de leitores, ouvintes, telespectadores e internautas diante da avalanche informativa na internet, fica cada vez maior claro o erro da imprensa contemporânea em não dar a devida atenção à forma pela qual as notícias são percebidas ou interpretadas pelas pessoas. Hoje, na era da circulação frenética de dados, fatos e eventos no espaço digital, já não basta preocupar-se apenas com a confiabilidade de uma notícia. Passou a ser fundamental a atenção para suas consequências diante do risco de desdobramentos irreversíveis e irreparáveis.
A forma como uma notícia é publicada é o resultado de procedimentos, regras e valores do jornalismo. Parte-se do princípio de que os profissionais sabem o que o público deseja e necessita, o que é uma premissa falsa especialmente nos cada vez mais diversificados ecossistemas informativos na era pós internet. O fato de não termos condições para identificar claramente os desejos, necessidades e posicionamentos dos segmentos sociais que compõem a sociedade contemporânea, impõe ao jornalismo a obrigação de se preocupar com a forma pela qual uma notícia condicionará as atitudes das pessoas comuns.
Por exemplo: um jornal encomenda uma pesquisa de opinião sobre atitudes políticas da população. Pergunta-se se uma pessoa se considera bolsonarista ou petista. A pergunta por si só já reduz a realidade política do país a apenas dois conceitos o que evidentemente pode levar a distorções. Mas esta preocupação não é levada em conta na divulgação do resultado que é transformado em manchetes na base de X% dos brasileiros se dizem bolsonaristas e Y% se proclamam petistas. Ou seja, simplifica-se a realidade levando o público a focar sua atenção apenas nos vencedores e perdedores de uma disputa política.
Todo mundo sabe que entre os bolsonaristas há extremistas de direita em vários graus de intensidade e conservadores moderados que detestam a violência, também em vários graus. O mesmo ocorre no caso da expressão petista no questionário. Mas esta diversidade está apenas na cabeça do responsável pela pesquisa. As pessoas que responderam ao questionário e, principalmente, aquelas que acessaram os resultados da pesquisa, tiveram suas reações condicionadas apenas pelo dado divulgado, o que criou condições para posicionamentos simplistas numa conjuntura complexa.
Custo social e político
Na maioria de situações semelhantes à que, hipoteticamente, tomamos como exemplo, o jornalismo considera que sua missão de informar acabou com a divulgação do resultado da pesquisa. Mas para a sociedade, é justamente a partir da publicação dos resultados que começa o debate, porque cada pessoa vai interpretar os dados conforme seu nível cultural, padrão socioeconômico, ativismo político, origem étnica, entre outros fatores. As diferentes interpretações servirão de base para posicionamentos sociais e políticos que por sua vez determinarão opções partidárias e diferentes níveis de ativismo ideológico.
A imprensa acha que não é responsável pelo que acontece depois da publicação de um dado, fato ou evento. Mas ela tem sim responsabilidade e muita. Na era analógica, quando a notícia era uma mercadoria muito valorizada, a responsabilidade informativa acabava quando o ‘produto’ notícia era vendido, ou seja, ajudava a valorizar os espaços publicitários pagos. Mas quando a internet e a digitalização transformaram a notícia numa forma de conhecimento capaz de embasar decisões individuais e coletivas, a responsabilidade da imprensa tornou-se mais ampla.
A polêmica mundial em torno das fake news é um exemplo dos desdobramentos da divulgação inescrupulosa de uma notícia. Quando a falsidade é evidente, as consequências podem ser evitadas a tempo. O problema surge quando a veracidade não é identificada a tempo, especialmente quando o contexto é complexo, como no caso de denúncias de corrupção ou numa campanha eleitoral. Tivemos exemplos bem claros durante o caso Lava Jato, quando notícias não foram checadas antes da publicação, levando a população a assumir posicionamentos que depois se revelaram equivocados, com um alto custo social e econômico.
A cultura profissional privilegia a rapidez, o que na internet ganha dimensões críticas devido à enorme concorrência entre blogueiros, influenciadores, redes sociais e sites de veículos da imprensa. A melhor forma de evitar que o leitor, ouvinte, telespectador ou internauta seja induzido a um erro é avaliar antes da publicação da notícia, quais as suas possíveis consequências para o público-alvo do veículo.
Uma mudança de rotinas profissionais como esta não é um processo fácil e nem rápido porque quebra o processo tradicional de produção jornalística. A preocupação com os efeitos sociais, econômicos, políticos e humanos de uma notícia passa a prevalecer sobre o “furo” noticioso e, consequentemente, sobre uma eventual perda imediata de público. Esta é uma das razões que deram origem ao que passou a ser conhecido como slow news, noticiário lento ou jornalismo lento, mais preocupado com as consequências do que na corrida para publicar antes de todos.
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Carlos Castilho é jornalista com doutorado em Engenharia e Gestão do Conhecimento pelo EGC da UFSC. Professor de jornalismo online e pesquisador em comunicação comunitária. Mora no Rio Grande do Sul.