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Lendo algumas notícias recentemente, encontrei uma matéria do Poder360 sobre a demissão da articulista Ruth Marcus, funcionária do jornal americano The Washington Post desde 1984. A jornalista decidiu deixar o cargo após a não publicação de sua coluna, a qual criticava mudanças editoriais promovidas pelo dono do jornal, Jeff Bezos.
O episódio evidencia um dilema antigo que envolve o jornalismo. A prática jornalística baseia-se no interesse público, e deve ser feita em benefício da sociedade. Entretanto, ela também é um negócio que, em grande parte dos casos, precisa se pagar e gerar lucro. Aí encontramos o problema. Às vezes, nós jornalistas nos deparamos com pautas definitivamente importantes para a sociedade, mas que por algum motivo podem ir de encontro ao que o veículo que nos emprega, ou melhor, seus gestores, defendem.
Ruth Marcus, como articulista e jornalista, quando percebeu que não poderia expressar o que de fato queria por conta de interesses empresariais, não pensou duas vezes e pediu demissão. Mas ela já tem uma carreira consolidada, muito por conta do Washington Post, é verdade, e talvez essa decisão não afetasse tanto sua vida profissional. Porém o que Ruth Marcus faria se ela fosse uma repórter no início de carreira, ou, mais bem adaptado ao bom vocabulário do jornalista brasileiro, uma “foca”?
É muito mais fácil pensar que repórteres recém-formados prezariam pelo próprio emprego antes de escrever uma matéria ou um artigo os quais, por quaisquer motivos, pudessem contrariar os interesses dos gestores do veículo em que trabalham. A ideia de sequer cogitar a produção de uma reportagem, um artigo ou até mesmo uma nota porque a pauta pode trazer complicações é um problema tremendo, sobretudo àqueles que estão no início de carreira. Afinal, mais vale um jovem jornalista “autocensurado” do que desempregado, certo?
A autocensura é um dilema enfrentado diariamente por “focas” e acredito que também por jornalistas já experientes. Ver diariamente reportagens caindo por decisões judiciais (casos como esse são relatados em relatórios sobre violência contra jornalistas produzidos pela FENAJ) e saber que existem interesses por trás do processo de comunicação somente faz crescer o medo de exercer o bom jornalismo e, consequentemente, aumenta a prática de autocensura.
A solução para esse problema? O jornalismo independente. Veículos independentes cresceram ao longo dos últimos anos, e podem ser uma alternativa aos impedimentos que o jornalismo da imprensa tradicional, por vezes, traz. No entanto, fomentar o jornalismo independente é uma tarefa difícil justamente porque para fazer grandes apurações, são necessários recursos. Esses, por sua vez, geralmente são obtidos de maneira mais fácil pelo meio tradicional: a publicidade. O que nos leva novamente para o caminho dos interesses empresariais.
Esse dilema parece nos levar sempre a um ciclo vicioso. A solução, no entanto, é se espelhar em casos de sucesso como o da Agência Pública, que faz jornalismo investigativo sem fins lucrativos, e o do Nexo Jornal, cujo financiamento é obtido principalmente através das assinaturas dos leitores. É importante que casos de sucesso ajudem a gerar mais casos de sucesso. As iniciativas independentes oferecem oportunidades aos jovens jornalistas, que certamente saem das universidades cheios de ideias, mas também de indecisões quanto ao mercado do jornalismo.
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Vítor Ventura é graduando em jornalismo no Centro Universitário UDF, do Distrito Federal.